terça-feira, 30 de novembro de 2010

LILI MARLENE

Nina Hagen & Nana Mouskouri - Lili Marlene

O NATAL QUERENDO ENTRAR

Calçada ensolarada e lá ia o Rospo, sorvete em punho, quando surge a velha amiga.
— Bom sábado, Rospo!
— Bom sábado, Sapabela! Faz tempo não a vejo. Anda meia sumida.
— Você me viu ontem, Rospo.
— Mas ontem é passado. No presente não a vi. Faltava vê-la no presente, não é?
— Pois aqui estou. Alguma novidade?
— O Natal está querendo entrar...
— Entrar onde?
— Mas não consegue, pois estão todos usando cadeado e correntes...
— Entrar onde?
— Ou fingem que não ouvem as batidas...
— Entrar onde?
— Em cada coração.
— No meu nem uso trinco...

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 357

Marciano Vasques
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POR ELA

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

UM POEMA

Almejo alma de realejo
Busco, mas não brusco
Um amor assim...

Nada e nado
Numa lágrima que o vento afastou
Que nasceu
No rosto de uma criança
que apanhou.

Eu bem quis
Uma montanha de poemas
Para espalhar
Numa cidade de lua cheia
Vidas vazias
E bêbados  enluarados...

Puro beijo de poejo
De colibri
Beijando a flor que passa...

Almejei e elegi
Você para ser
Meu bem me quer...

MARCIANO VASQUES

HÁ UM TEMPO

 "  Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: E, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, a margem de nós mesmos."
                                                                              Fernando Pessoa         

O GIGANTE QUE SE REVELOU

- Sapabela, estou com saudade de uma conversa...
- Então comece, Rospo.
- Sempre lembro do  Adamastor.
- Deve ser um bom sujeito, pois tem "dama" no nome...
- Ora, Sapabela. O Adamastor é o gigante...
- Que gigante?
- Já leu " Os Lusíadas"?
- É gigante mesmo.
- Quem?
- O poema.
- Não, Sapabela! Gigante é o Adamastor, um morro que está impedindo a travessia dos navegantes.
- E então?
- Então o gigante, que é um morro, não permite a passagem.
- Prossiga.
- Eles não podem prosseguir...
- Não são os portugueses, Rospo. É você que tem que prosseguir. "Prosseguir é preciso".
- Sim, prosseguir é certo. Sendo assim, vamos: o gigante era um desconhecido. Vasco da Gama pediu que ele se revelasse...
- E então?
- "Mostre-nos quem você é!"
- E ele?
- Ele se revelou. E quando você se revela por inteiro, você se torna frágil diante dos adversários e das adversidades...
- Nossa!
- Aí os Lusíadas puderam passar pelo gigante... que, ao se mostrar foi vencido.
- Rospo, você já falou sobre isso numa outra conversa... Mas agora, fiquei muito curiosa...  Então, ao se mostrar por inteiro você se torna frágil diante dos adversários?
- Sim, Sapabela. Lembre-se sempre o gigante  Adamastor.
- Se nem um gigante escapa, já pensou eu, que tão pequena sou...?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 356

Marciano Vasques
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domingo, 28 de novembro de 2010

LUZES DA RIBALTA

Nós Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos - PARTE 3

Nós Que Aqui Estamos por Vós Esperamos

FANTASMAS DA VIDA INTEIRA

Marciano Vasques
  

FANTASMAS DA VIDA INTEIRA
 
Os fantasmas atemorizaram o meu castelo de ilusões. Difícil precisar quando eles chegaram. Também é incerta a data do início da edificação do castelo. Mas eles se instalaram e não quiseram mais arredar pé. Decidiram por conta própria que não mais cairiam na estrada.
Na verdade, decidiram com o meu auxilio. Graças a minha inestimável ajuda estabeleceram pousada definitiva em meu castelo. Transformaram um espaço exclusivamente meu em moradia.
Atrevidos tornaram-se com o passar dos anos parte constituinte do meu castelo a tal ponto que chegou o momento em que não era mais possível pensar em um sem pensar no outro.
Tantas vezes olhei para a minha impressionante fortaleza e os vi lá dentro! Circulando como se fossem os verdadeiros donos da construção.
Quando resolvi expulsá-los, vi que a tarefa iria ser medonha, e vi também que teria que fazer bem mais. Teria que derrubar o castelo.
Parece fácil derrubar um castelo erguido sobre a areia, um castelo que com o tempo vai se tornando, como seus estranhos habitantes, parte integrante de nossa alma.
Quando pela primeira vez olhei para ele, imponente, feito de aparências, audacioso, desafiador, e pensei que teria que destruí-lo, para que os fantasmas também desaparecessem, senti um estremecimento percorrer todo o meu corpo. Nervuras, tórax e membros.
Estava então diante do maior empreendimento da minha vida. Derrubar um castelo construído por mim e alimentado pelos mesmos hóspedes durante tanto tempo.
Pus-me a tentar decifrar o tempo da chegada dos fantasmas. Tinha eu quatorze anos? Tinha vinte? Sete? Que tarefa imensa a minha! Tentar a genealogia dos fantasmas. Tentar buscar a origem, o nascedouro de cada um, tentar abrir a cortina do palco tantas vezes estéril que foi a minha vida e visualizar no campo impressionante da memória a entrada triunfal ou sorrateira do primeiro.
A entrada de cada fantasma, o alojamento, a decisão de ficar e governar a minha vida, os meus passos: como terá de fato acontecido tal coisa?: Uma palavra rude? Uma frase dita por algum adulto? Um olhar severo? O que afinal motivou e abriu as portas e os imensos e labirínticos corredores do meu precioso castelo para tão cruéis moradores?
Tarefa extenuante, porém decisória, firme, sensata, absolutamente límpida, para que a decisão pudesse afinal ser tomada: o castelo precisava ruir, ser transformado em poeira, ser dissolvido como numa nuvem cósmica.
Quem me ajudaria nessa tarefa? Perguntei ao vento. A resposta veio cortante e definitiva e me apavorou: Ninguém. Eu não teria ajuda de nenhuma criatura. A tarefa de demolir, pulverizar o castelo era exclusivamente minha. Não poderia contar com nenhum auxilio. Mas, por onde começar? Pelos frágeis alicerces aparentemente inabaláveis?
Cada detalhe do castelo era feito com as ilusões, mescladas com o medo, que é o escorrimento ácido e pegajoso que sempre saiu das entranhas de cada fantasma.
Constatei espantado que me tornei com o passar dos anos um equilibrista, convivendo entre ilusões e o medo às vezes pavoroso vindo dos fantasmas. Pus-me quase sem notar a caminhar no tênue fio tentando não cair. Tornei-me o mestre do equilíbrio e aprendi a sair com maestria ileso das maiores armadilhas.
A fortaleza construída na areia custou-me caro, pois me impediu de lutar adequadamente e a manejar com destreza a espada na luta pela vida.
Até a compreensão de que a luta pela vida devia começar no terreno da realidade e só sofreria o seu primeiro impulso diante do entendimento da urgência de uma limpeza nos porões do castelo, tive que aperfeiçoar o meu equilíbrio insensato ao mesmo tempo em que gastava em gestos extravagantes as minhas energias fornecendo nutrientes para os fantasmas.
Extravagantes no sentido da própria inutilidade, da sensação de oco, de vazio, de desperdício que sempre me acompanhava após cada gesto, pelo fato de não revelar acréscimos em minha vida.
Tantas vezes experimentei a sensação de estar diante de gestos improdutivos, que nada acrescentavam, que apenas forneciam alimentos aos incômodos e traiçoeiros habitantes do meu castelo, enquanto roubavam de mim as chances de uma vida genuína.
Enquanto me ocupava de alimentá-los buscava refúgio dentro do castelo.
Circular nos corredores da minha fortificação alimentando os fantasmas foi minha ocupação durante os anos em que me enfraqueci.
Passei a dar ouvidos aos estranhos moradores, a tal ponto de aceitá-los como um poder agindo sobre mim e guiando as minhas indecisões.
A cada manifestação dos fantasmas mais eu me encolhia e mais me acomodava no castelo.
Fui percebendo que quanto mais alimentava os fantasmas mais o castelo se expandia, ficava enorme, o teto mais alto, as torres longas e aparentemente infinitas.
O castelo sobre a areia foi ficando cada vez mais indestrutível.
As ilusões foram transformadas em alimento e caí definitivamente num círculo vicioso, até que mirei lá embaixo e me vi rodeando sem nunca chegar a qualquer lugar que seja. Recebendo o alimento generoso das ilusões que se tornavam com o passar dos dias as guardiãs do castelo, impedindo a minha saída.
Reconheci cada fantasma em medos inúteis que me impediram de sair do castelo. A idéia de que sair seria perigoso, de que lá fora estaria a vida tornou-se para mim algo atemorizante. O conforto das ilusões tornou-se sedutor a tal ponto que passei a me orientar por ele.
Os fantasmas criaram inimigos onde eu só teria aliados. Transformaram em desconfiança as relações mais produtivas que a vida me ofereceu e espalhou estilhaços de incertezas e dúvidas que foram transformados numa barreira intransponível. Um entulho pesado e difícil de ser removido.
Os fantasmas criaram uma espécie de paranóia que passou a culpar os outros pelos meus fracassos, que na maioria das vezes nada mais foram do que representações da minha falta de iniciativa.
O processo que culminou na decisão de enfrentar e destruir os fantasmas e ao mesmo tempo derrubar o castelo foi lento e persistente.
No momento em que parti para a luta compreendi que estava preparado para enfrentar o verdadeiro responsável pelas ramificações do medo, da insegurança, da falta de confiança, da timidez, da falta de iniciativa. Era o castelo.
É nele e dele que partem as forças que atuavam dentro de mim. O castelo das ilusões.
Compreendi encantado que não são coisas distantes as ilusões e os medos, as incertezas, a falta de luta. São como irmãos. Estão, vigorosamente juntos. Um penetrando dentro do outro. As ilusões e as incertezas, as fraquezas, os medos e todos os sentimentos que impedem o ser humano de atingir a sua consciência de liberdade.
Um dia contarei com detalhes como foi a minha luta com os atemorizantes fantasmas e como foi a minha gloriosa luta pela demolição do castelo. Como percebi de imediato que alicerces construídos na areia criam lodos e limos na alma. De tal forma ficam fincados, que parecem feitos com o mais duro concreto malhado por ferro.
Sou aquele que venceu os fantasmas e derrubou o seu castelo de ilusões.
Ilusões que por ventura foram importantes na minha fase de crescimento, mas que depois se tornaram um entrave, um obstáculo, um mal.
Ilusões que passaram a sugar as minhas energias e geraram os fantasmas dos quais nunca me livrei por falta de consciência e disposição de luta.
Hoje sei o quanto é gratificante e maravilhoso olhar para os destroços e saber que destruí aquele castelo de ilusões e exterminei os fantasmas.
Como é gratificante ver que nenhuma ilusão será mais real do que a vida, com toda a sua força e todo o seu encanto. Vida construída diariamente. Vida que atirei sobre os fantasmas, soterrando-os com o golpe derradeiro.
O impacto da enorme rocha vida enterrou para sempre os antigos moradores do castelo que foi pulverizado.
O que antes era areia movediça e se apresentava como um castelo deslumbrante, acabou. Os fantasmas que pareciam indestrutíveis, foram extintos.
A batalha foi gigantesca, mas tudo não passou de apenas decisão.

O NATAL NÃO DESISTE

   O NATAL NÃO DESISTE

 
"Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai-Noel..."

O Natal não desiste. Insiste a cada ano através dos tempos em descer o seu manto sobre a Terra. A maior festa da cristandade envolve os corações aflitos e endurecidos pelos cotidianos, enfeitando de amor e de esperanças os seres humanos.

Incentivado pelas artes, pelo cinema, pelo capitalismo por intermédio da avalanche publicitária que invade os lares pela telinha, não perde o seu brilho e a sua essência e se torna presente nas guirlandas que enlaçam corações.

O poeta já quis que o manto natalino trouxesse de volta a poesia ao coração do homem, e muitos desejam em meras palavras ou em frases profundas que o espírito do Natal permaneça durante o ano em todas as almas. Ilusão. Mas não custa sonhar.

Para muitos o Natal ultrapassa o espírito religioso e torna-se uma festa universal, aproximando-se da passagem dos anos.

Com elementos extraídos primordialmente dos festejos chamados de Saturnálias o Natal agigantou-se pela inefável necessidade humana de viver em clima de amor. E sempre insuflou no espírito do Ser uma gratidão amorosa para com a vida, que se depois é dissolvida pela rotina extenuante retornará no próximo dezembro.

Intempéries, agruras, luta, suor e sofrimentos não conseguem apagar a beleza indelével da data, que não é alusiva.

O outro lado do Natal? Sim, o comércio investe profundo, e todos embarcam na vontade sincera de dar presentes e depois se emaranham com dividas alongadas. O cartão de crédito é um grande auxílio no investimento do coração. No fundo a grande maioria gosta mesmo é de presentear, embora ganhar presentes também seja algo reconfortante; no gesto de presentear está a certeza de que por alguém somos queridos.

E as crianças? Para elas o evento é mágico. Mas o nosso é feito de imagens oníricas, de sonhos de neves. Não vivemos num país de nozes e neves. Ora, todos os simbolismos atravessam o tempo e se tornam partes da magia. A magia não tem nacionalidade. Por isso quando o presidente reeleito da Venezuela proibiu qualquer referência ao Papai-Noel por considerá-lo americano, cometeu um erro monstruoso. Natal não combina com política.

E que o bom velhinho Nicolau continue a reinar, não como um símbolo capitalista, mas de encantamento.

Que todos possam ter um Feliz Natal, da forma como ele possa ser concebido em cada coração. 







MARCIANO VASQUES

SONHOS NÃO CICATRIZAM

SONHOS NÃO CICATRIZAM
 

Mais antigo que Cashmere Bouquet é o desejo que a mulher tinha de promover mudanças na sua situação opressiva.E muitas sempre compreenderam que a luta era só delas.O fruto do seu ventre cresce, se transforma num homem e a oprime.É uma situação patriarcal, com origens remotas, que precisava ser vasculhada, sacudida. Precisava do toque feminino para ser extinta!
Lá estavam, no nascedouro do século passado, com seus chapéus e longos vestidos, lindas, com seus sorrisos. Sonhadoras, frutos do romantismo, mas como sempre, corajosas e valentes.Um tipo de valentia diferente.
Outros sonhos ao lado dos velhos e costumeiros sonhos fabricados, estimulados pela sociedade que a queria formosa, melindrosa, mãe, esposa, obediente, calada. Ao lado da eterna espera pelo príncipe encantado, a gata borralheira transfigurou-se pouco a pouco na mulher ativa, participante, dona do seu belo destino, porque afinal, os sonhos, por mais combatidos que sejam e mais seqüelas que sofram, não morrem jamais e, curiosamente, não cicatrizam.
O teatro de revista, o “belo sexo”, os decotes, as rebeliões familiares, jovens buscando freneticamente a independência, e travando suas batalhas ao lado da moda,
Em 1922, a professora poetisa convida as mulheres a colaborar com os homens.A mulher também tem o direito de votar!
Entre lenços umedecidos de éter nos carnavais, as mocinhas iniciaram uma revolução que meio século depois iria ser finalmente deflagrada.
Tanta luta e a mulher adquiriu a sua maioridade. Conquistou seus espaços.Hoje cada vez mais ocupa cargos idênticos aos dos homens, amplia os seus direitos, participa mais ativamente da sociedade, e mais ativamente do que os homens nos movimentos políticos e nas passeatas.
Na história da periferia de São Paulo, grandes conquistas têm em seu histórico a participação decisiva das mulheres, que foram para a rua, o espaço público, reivindicar, exigir.
Ela não é mais alienada, nem submissa, mas uma guerreira, uma companheira na batalha diária pela vida.
Falo de uma mulher universal, pois ainda há muito sofrimento, muita submissão por este Brasil afora e em outras partes do mundo dogmas religiosos sacrificam brutalmente a mulher, ultrajando a sua condição de ser humano.
É necessária a compreensão de que ela não é apenas a musa inspiradora do poeta, nem tampouco um pedaço de carne sem cérebro, como quer a mídia com as suas popozudas, mas sim a grande companheira e, mais que isso, voltada exclusivamente para a vida, já que é especialista nisso, pois dá à luz, oferece à luz, traz à luz um novo ser vivo, acenando assim para o futuro.
Guerra e matança não combinam com o seu jeito, o seu estilo. De ser.
Sempre penso no coração de uma mãe na guerra ao ver seus filhos morrendo.Todo o orvalho de uma manhã seria pouco para uma comparação com suas lágrimas.
Uma palavra feminina poderia ser adequada para exprimi-la: felicidade.
Mesmo com toda a dor, toda a luta, todo o sofrimento imposto a esse ser lunar.


Marciano Vasques

O QUERER PEREGRINO






O QUERER PEREGRINO


“Qualquer mulher pode ser glamourosa. Basta ficar parada e parecer burra”. Assim falou a “mulher mais bela do mundo”, a austríaca Hedy Lamarr, que morreu recentemente, em 19 de janeiro de 2000.
Protagonizou uma das primeiras cenas de nudismo no cinema. O ano 1932, o filme, “Êxtase”. Fritz Mandel, o marido, quis evitar a exibição da sua nudez comprando todas as fitas. Não conseguiu. Mussolini não quis vender a cópia que tinha.
Gosto de lembrar um verso da poetisa Cristina Rosseti: “Ninguém nunca amou minha alma peregrina”. É o verso que me faz pensar nos presentes que se costuma dar para a mulher em datas comemorativas. O Dia Internacional da Mulher será num futuro próximo transformado em data comemorativa para presentes.O processo já acontece nos últimos anos. É sempre assim, ocupar espaços de reflexões é uma habilidosa inerência do sistema capitalista.
O presente é o do valor. O valor está implícito nele, é sua alma.O valor é a alma do presente! Uma caixa de bombons, um ursinho de pelúcia ou um jogo de panelas. Um jogo de panelas, por exemplo, o valor é o da cozinheira. Mesmo o que esconde uma lógica brutal causa felicidade.
A mulher se reparte em dons, namorada, mãe, etc. Geralmente é um manancial para os cultivadores de estereótipos. Como são férteis as mentes que se ocupam com a elaboração de piadas discriminatórias! São símbolos da usina machista de piadas.
Mulheres são mutiladas, o clitóris extirpado: vítimas silenciadas da estupidez da barbárie religiosa, as africanas deveriam comover e concentrar os corações e as atenções das parceiras européias e americanas. Toda mulher, cada mulher, devia (é mesmo uma questão de dever) se solidarizar prontamente com uma outra oprimida, mas a grande maioria infelizmente prefere erguer um castelo de sonhos, se acomodar num mundo no qual a sua opressão é invisível. São parceiras na opressão sem que o saibam.
É profundamente chocante o corpo despido, mercadoria exposta enfeitando revistas e produzindo muito dinheiro enquanto outros são mutilados no Continente - Mãe,  e meninas transformadas em prostitutas em campos e cidades do meu país. A mulher tinha que ser a sua maior aliada!
Um costume que predominou em tempos é o homem chamar a esposa de patroa ou santa. Em meus dias de infância olhava enigmaticamente para a mulher suspendendo o balde cabisbaixa diante do sarilho; esfregando os tacos do piso, as panelas, a vida, olhar perdido e distante no anil, as roupas no tanque de pedra e entre a poesia que se revelada nos varais e a curiosidade que me despertava, as patroas e as santas viviam fartamente os seus fardos revelando o espírito farsante das relações humanas.
E as conversas que eu ouvia nos bares me arrancavam precocemente da infância. Os olhos direcionados e fixos nos doces da vitrine do balcão, mas os ouvidos imprimindo as marcas que no impensável ano 2010 sacudiriam a estranha alma que só encontra um porto, a escrita.
É preciso muitas farpas e solidões para que uma mulher se liberte da condição de prisioneira e surja livre da opressão. Batalhar pela sua libertação talvez signifique o alargamento da compreensão da natureza, a ampliação do amor pelo fruto do seu ventre e a inquietude diante de toda vida cerceada.
Falo de milhões de seres oprimidos, seja pela hipocrisia das sociedades ou pela violência dentro de um lar. Mulheres querem viver e tal querer peregrina em cada porto, em cada parto. Não é o querer da patroa nem da santa, é o querer do ser que mais entende de companheirismo.
Homens se vangloriam de suas forças, costumam exibi-las, sentem - se até superiores por causa das forças que possuem. No entanto, a maioria jamais reparou na sua principal fortaleza.
*
AUTOR: MARCIANO VASQUES

sábado, 27 de novembro de 2010

CERZINDO



CERZINDO


Você sorri e no seu rosto segue espelhado o sorriso que todos estão vendo.
Talvez se pudessem tentar penetrar nos sulcos de sua história, nas nódoas do seu rosto, se alguém pudesse ter a audácia, se pudessem ver que além do sorriso se descortina um querer abortado, uma procela inquietante, uma angústia sem ancoradouro, sem o impossível seguro cais...
Seria bom se pudessem ver que você é mesmo essa mescla de temores, coragem, aventuras, risos, ais, chorares, e sonhantes.
Estar no bailado da vida, como a perpetuar o suave deslize do sol nas folhas verdes...
E ser uma flor de outono, e ao mesmo tempo os persistentes anterozóides após a chuva...Você tem tanto, mas se cala. Talvez seja mais fácil se sufocar. O mundo parece tão áspero. Mas o que é o mundo?
O que são os outros? Você está só, porém não está à deriva. Quer seguir em frente, e segue. Rasga os horizontes, rompe cadeados, correntes. A sua força está no querer e no sentir.
A multidão se arrasta feito um réptil longo e sem sentido, e você está onde sempre esteve. Na solidão,
Mas a vida floresce, renasce, se faz, maiêutica do sorriso da criança, e da simplicidade das coisas que são.
Um rock, um blue, uma canção tímida, um acanhado dizer, qualquer palavra lavrando a sua alma com sinceridade, a você bastaria.
Cerzir. Você aprendeu a cerzir. Talvez esse seja o grande aprendizado de uma vida, talvez tenha sido assim com outras mulheres, com a própria que acalentou os medos que medravam em sua infância, suas febres e suas fibras aos poucos se constituindo na pessoa que viria a ser.
Cerzir. Aprender a costurar por dentro, aprender a invisível costura das dores.
Cerzir as mágoas, a má água de uma vida de incertezas, de traições, traições em olhares sorrateiros, subterrâneos, de pessoas com quem conviveu.
E onde poderia haver pisoteares, você edificou sonhos, velejando ao vendaval dos quereres que não morrem.
Cerzir. Costurar, não deixar uma só marca para fora. Não permitir que as dores dilacerantes, as incicatrizáveis dores, viessem a estar expostas em seu rosto, no mínimo sinal que fosse.
Por que um rosto cerzido, uma alma assim, só pode ser visto a sorrir.
Quantas vezes sua alma de tecelã da vida de outras vidas que se cruzam nos fiares, quantas vezes estava sua alma ocupada cerzindo.
E talvez buscando um fiapo, um fiapo que fosse, de compreensão, a tão necessitada compreensão que vem do outro, seja lá quem for, mas que se fez outro numa trecho de nossa trajetória, quantas vezes no clamor invisível por um olhar sereno.
E você segue íntegra, cerzindo, pois esse é o fazer da cerzideira.

MARCIANO VASQUES

ADONIRAM BARBOSA 100 ANOS SAMBA DE RAIZ...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O SAPO AFLITO

Sapo em alvoroço com os braços abertos procurando aflito...
- Rospo? O que se passa? Parece tão agitado.
- O Natal, Sapabela! O Natal!
- Cadê? Do que está falando?
- O Natal! Onde está ele afinal? Dizem que o seu manto descerá à terra, mas eu não vejo nada. Eu quero o Natal!
- Calma, Rospo, que ele há de aparecer.
- Eu quero o Natal! Diga logo onde ele está...
- Rospo, você é o Sapo mais impaciente do brejo. Não custa esperar um pouco...
- Não tenho tanto tempo, Sapabela, quero logo ver o Natal. Natal, apareça se for Natal. Espere um pouco, minha amiga, veja!
- O que me pede para ver?
- Aquele sapinho a sorrir. Que coisa linda o sorriso dele!, faz tempo não via um sorriso assim de criança...
- Viu? Não falei? O Natal está chegando em você, não precisa tanta aflição.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 355
Marciano Vasques
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SAPABELA E A ILUSÃO

- Rospo!
- Sapabela, por que tanta afobação?
- Eu vi!
- O que afinal você viu?
- O Natal. Ele está chegando. Ele já chegou.
- Já?
- Sim.
- E onde você viu o Natal para ficar tão afobada assim?
- Nas lojas, nos supermercados... Precisa ver, Rospo! Estão repletos de brinquedos, de enfeites, de panetone...
- Compreendi, Sapabela, foi uma ilusão de ótica.
- Ilusão de ótica?
- Sim, para ver se o Natal está mesmo chegando basta olhar para dentro do coração de cada sapo...
- Rospo, descobri algo!
- Diga.
- A ilusão também causa afobação.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 354

Marciano Vasques
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VERDADES E DEMAGOGIAS

- Rospo, o fato de muitas demagogias hoje soarem como verdades faz com que muitas verdades venham a soar como demagogias.
- Naturalmente.
- Isso não causa receios em você?
- ?
- Sim, de que as coisas que acredita serem verdades possam ser encaradas ou interpretadas como demagógicas.
- Depende dos ouvidos.
- Como um ouvido pode ser treinado para saber diferenciar uma demagogia de uma verdade pretendida...?
- A demagogia tornou-se Ciência de alguns bem sucedidos na Política. Deveriam inaugurar cursos de demagogia para principiantes na carreira política.
- De retórica...
- Não.  De demagogia.
- E os ouvidos?
- Precisa estar sintonizado com o olhar. O ouvido precisa aprender a ver as expressões do rosto. A sinceridade intencional ultrapassa as palavras.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 353

Marciano Vasques

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

HEMATOMAS DA ALMA

    

HEMATOMAS DA ALMA    

É possível que você não suporte mais uma traição, mas a tenha que engolir em nome talvez do cotidiano, da sobrevivência, de algum relacionamento; talvez algo em que se agarrar, uma esperança virando fumaça, se dissolvendo no ar, se esfarelando entre os dedos, astros morrendo numa noite insondável.
É possível que você sofra calado, e perca a pureza anterior, que olhe os amigos com desconfiança, e encontre, ao descer os degraus, se rastejando em agonia, a sua fé no espírito humano.
É possível que você siga em frente porque afinal é a única alternativa, e talvez aprenda a trair, a compreender o jogo, e se veja de repente no meio de uma arena, numa disputa, num campeonato cujo troféu é a sua derrota.
Talvez tente preservar até a última gota do seu ser, proteger a sua essência das armadilhas da rotina traiçoeira, erguer uma ponte de concreto sobre o brejo da inveja, ser autêntico acima de todos os custos, manter-se fiel ao seu inegociável desejo, ao seu invendável querer, mas o seu coração, as seqüelas são incicatrizáveis, e acima de tudo, o que lhe remói por dentro são os hematomas da alma, machucados, palavras que o enganaram, falsos sorrisos, coisas pelas quais você nunca esteve preparado.
Pode ser que nem haja uma só testemunha do seu gemido, e a sonoridade do seu grito se desfaça no véu do esquecimento.
E no salão das vaidades, você passe como um vulto que não ousa se abandonar, que não ousa suportar a pequenez dos relacionamentos infrutíferos.
Tudo é possível, até mesmo resistir, e o enfrentamento na imensa batalha clame por uma força sobre - humana, pois sempre é mais fácil ceder, sempre.
Mas você é grande, e oferece o rosto ao vento, enfrenta o dia, ouve as piadas, observa o que se perde, o que se calou.
Você sabe que é preciso manter o coração limpo, mas as seqüelas são incicatrizáveis; e os hematomas da alma, sinais da resistência.
As decisões revelam a todo instante a força do seu caráter, do seu coração. Desde as mais simples, embora difíceis na sua simplicidade, como decidir entre comer um alimento rico em fibras ou um doce qualquer. Não é fácil, nunca foi, mas sempre valerá a pena varrer os porões da mente, limpá-los, enxaguar com o pranto da sinceridade, olhar para frente, e ver que o caminho é inesgotável, e ficará algo de você, pelo menos nas folhas verdes que tocou, mesmo que apenas com o olhar.
Algo de você compartilhando o tempo, passando heroicamente como tudo passará, tudo e todos, assim como tudo envelhece, mas ficará enquanto existir uma só memória, não morrerá completamente, porque afinal morrer é acabar. E quando partir, não será morrer.
Ficará algo de você como fica algo da semente que brota no chão, como ficaram no seu coração as incicatrizáveis seqüelas.
Ficará, da mesma forma como não é possível um curativo, algo que possa solucionar os hematomas da alma.


MARCIANO VASQUES


LIVRO DE ALINA PERLMAN

CONTRA O ANEURISMA SOCIAL


Hoje é fácil ser tragado. Entrar numa goela, um tronco, ser aspirado, sugado, escorrer para dentro de um funil, um canal cada vez mais estreito. Equilibrar-se numa frágil esteira ao ar exposta. Que a qualquer momento romper-se pode. 

Dias de agressividade. Torcidas que idiotizam a alegria do esporte, malhação insensata deformando o sentido original da auto – estima para com o corpo, uma legislação de trânsito que não atende aos interesses insanos de muitos motoqueiros, escolas cercadas de violência, com salas de aulas nas quais o professor ocupa seu tempo precioso na defensiva, igrejas barulhentas a desrespeitar o direito alheio ao silêncio, música agressiva, o cidadão sendo iludido pelos jogos oficiais patrocinados pelas instituições financeiras governamentais. No país vidas desgovernadas. Famílias que perderam a ponte do diálogo. Um tempo triste.

Tempo maquiado pela televisão, pelas revistas de celebridades; muita confusão transformando o cidadão na marionete desejável pelo sistema obscuro.
Uma saída possível é a preservação dos referenciais interiores. O confronto amoroso com o outro ajuda a encontrar a sua formulação inicial na olhar pescado por eles, que preservam o significado mais profundo de cada fase da vida.
Na infância a literatura infantil, as histórias em quadrinhos, as vozes que narraram histórias, que resgataram poderes ancestrais: poderes da palavra oral, sonhos, os desejos mais íntimos, mais profundos, a alma exposta em fábulas, em contos, em causos, em lendas.
Na adolescência as vozes essenciais, e a música que se ouviu.
Os meus referenciais são de uma importância que não pode ser esquecida, e aportam no sentido da salvação da alma diante do abismo da agressividade típica da época.
Contra a instalação da descrença na vida, e para a preservação do tesouro individual – antídoto contra a violência dos dias que foram ofertados para o nosso viver – , é seguramente necessário o ancoradouro das referências individuais.
O deslocamento do coletivo, o pedido de licença para a contemplação da solidão, a urgente saída para o interior, para o silêncio, para o cultivo da memória dos referenciais interiores, pode devolver o equilíbrio que protege.
O exterior não oferece segurança nem garantia, e nos torna reféns do coletivo, o que significa, distribui a cada um a sua cota de participação no universo da agressividade atual.
Não importa a cada um quais sejam os seus referenciais, desde que não se comparem nem se aproximem dos atuais. Os seus referenciais interiores representarão a fortaleza para que possamos compartilhar de feixes de luzes isoladas que tentam reverter o quadro coletivo das sociedades deterioradas que sobrevivem nos escombros da razão amorosa.
Farão isso se tiverem a chance de serem içados e trazerem à tona os seus benefícios. E representarão aos que se detiverem e por um momento oferecerem os sentidos para uma fuga e o exercício da atenção, a saudável oportunidade de uma lapidação, através da exposição do que para você quer dizer: o melhor, o mais profundo de cada fase de sua vida.
Pense nas vozes que cantaram em sua vida, pense por exemplo nas vozes femininas, as da sua adolescência. Não se importe se as canções parecerem bobas, se apenas falarem de amor. Retome isso como algo imenso que poderá devolver o sentido original da sua vida. As vozes femininas influem beneficamente na lapidação do ser. São vozes dotadas de endorfinas sonoras, analgésico aéreo que não se dissipa quando pela alma é captado. José Lins do Rego nunca se esqueceu da sua contadora de história. Sherazade salvou a todas as mulheres. E as vozes femininas que cantaram as doces canções da juventude não podem ser dissolvidas na memória do coração.
Quando a delicadeza de uma voz for esquecida algo assustador estará tomando forma dentro de você, algo que poderá nutrir a criatura horrível do coletivo, o monstruoso ser da indiferença, por isso de vez em quando talvez sejam necessários os olhos fechados, a volta para o dentro. Com eles fechados certamente também as pipas voltarão ao azul.
O menino que brincava com o pai de esconde-esconde e dizia: Já me escondi, e estava com os olhos fechados, ou seja, ele se escondeu lá dentro, estava escondido dentro dele, e isso valia na sua lógica, e o pai podia fingir que o encontrava, para que a brincadeira prosseguisse. Esse menino nem podia imaginar o quanto tinha de razão dentro dele.
Por isso execute a brincadeira da volta para si, visite novamente o seu interior, busque as suas lembranças mais suaves, finja que está novamente ouvindo uma canção antiga, na voz feminina que emocionou a sua adolescência.
Faça como eu, que escolhi a minha voz. E às vezes me pego a fingir que ouço a delicadeza da voz da cantora que emocionou a minha adolescência, e penso com tanta alegria que estou diante de doces canções e outras, tão singelas, mas que tanto bem me fizeram, e que hoje, na distância do tempo, são mecanismos internos de defesa, tesouros da adolescência guardados e a me proteger, e tanto a voz da minha cantora como aquelas canções quando ao ouvido da memória retornam, no meu caso bem sei que são antídotos, evitam o aneurisma social.
Agem dentro de mim, como outras vozes e outros motivos, um simples objeto que se tem como lembrança, poderão agir dentro de você, princípio de toda mudança.

MARCIANO VASQUES

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O SAPO E AS CIRCUNSTÂNCIAS

- Sapabela, no dia em que cada sapo descobrir as suas circunstâncias, a vida será melhor para todos.
- Não entendi.
- O que um sapo precisa para abrir os portões da sua estrada é o pleno conhecimento de suas circunstâncias.
- Precisa falar mais, Rospo.
- Se um sapo desconhece ou não presta a devida atenção às circunstâncias reais e concretas de sua vida, seu caminho fica bloqueado ou parcialmente aberto. Só a partir do conhecimento  das circunstâncias que regem a sua vida, o sapo poderia enfim resolver os empecilhos, os entulhos, que fecham e estreitam o seu caminho.
- Pelo que diz, são as circunstâncias que fecham os portões da estrada do sapo.
- Fecham ou abrem.
- Entendi. O sapo só pode seguir em frente a partir do domínio das suas circunstâncias.
- Às vezes as suas limitações se tornam ideias tão fortemente sedimentadas, que parecem coisas naturais.
- Como a ideia sobre o cavalo?
- Cavalo?
- É, tão fincada está na mente do sapo que o sapinho já nasce acreditando que a natureza do cavalo é ser montado, ser cavalgado.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 352

Marciano Vasques
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NO RADAR, DE APUCARANA

Com grata alegria recebo o Jornal O RADAR, de Apucarana, sul do Brasil. Um símbolo do jornalismo na cidade das cerejeiras. Na coluna TROVAS, de Maria Thereza Cavalheiro, divulgação de meu trabalho. Obrigado. Marciano Vasques

PANDORA E AS SAPAS

- " Quando Pandora sorriu os deuses viram malícia em seu sorriso, e depois os homens passaram a vida inteira sorrindo com malícia para ela".
- Rospo, gosto da forma como você interpreta a Mitologia dos humanos, principalmente a leitura que faz de Pandora, a primeira mulher.
- Sapabela, tenho alguns colegas ... que não suportam o sorriso de uma Sapa.
- Por que, Rospo?
- Vivem garimpando para encontrar um sinal de malícia.
- Até quando haverá essa teimosia de sempre ver a Sapa como um sinal de perigo?
- Aprender a compreender a fêmea é o aprendizado de uma vida...
- O sapo precisa ter a alma feminina para compreender a Sapa?
-Valores e sentimentos atribuídos às Sapas, como o gosto pela poesia são puras convenções culturais...
- E sociais...
- A Sapa não é só um momento, é a andança de séculos e séculos...
- Tanto a Sapa quanto o sapo são resultados de milhares de anos... Isso quer dizer que também os valores atribuídos aos sapos são puras convenções seculares...
- Isso mesmo.
- Tem coisa mais ridícula que um sapo exibindo seus músculos numa academia? É puro exibicionismo, isso é uma anomalia do sapo autêntico. Sei que os sapos foram dotados de força física maior que a Sapa.
- É, a natureza o preservou para as aventuras agrestes ... A barba...
- Mas o sapo ideal seria o que mesclasse em seu viver os valores da arte e os sentimentos mais profundos, e que a força física fosse usada apenas para ajudá-lo a viver no equilíbrio da vida...
Rospo, você é contra academia?
- Claro que não! Sou, como você, avesso ao exibicionismo. Isso se aplica também às Sapas, ou seja, o puro exibicionismo do corpo é uma tolice, é de um vazio tal que afasta o olhar contemplativo.

HISTÓRIAS DO ROSPO 351
Marciano Vasques

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SELO DA AMIGA TERE


terça-feira, 23 de novembro de 2010

SARAU

O SAPO E A IMAGINAÇÃO

- Rospo, a imaginação é sempre um bem?
- Nem sempre, Sapabela.
- Estou estranhando, Rospo. Sempre pensei que a imaginação fosse um bem em qualquer circunstância...
- Para o sapinho, sim, mas, para o Sapo às vezes a imaginação pode ser prejudicial. Nem sempre ela é benéfica...
- Poderia dar um exemplo?
- Só um?
- Alguns.
- É pra já.
- Estou imaginando o que virá.
- Pois bem: quando o sapo adulto imagina que a culpa pelos seus fracassos é sempre do outro, quando ele imagina que todos o perseguem, quando se torna supersticioso, quando imagina que sua vitória sempre depende apenas de forças externas ou superiores a ele...
- Entendi, quando o sapo se torna supersticioso ele está se valendo da imaginação para se apoiar em muletas do intelecto...
- Ele não está se valendo, ele está sendo dominado pela imaginação, ela está direcionando a sua vida...  Não se trata mais das criaturas fantásticas da infãncia e até do leitor adulto, mas sim de criaturas atemorizantes que sugam a energia do Sapo e o deixam imobilizado e prisioneiro de temores e forças imaginárias...
- Sei, ele não está recorrendo à força e à riqueza da imaginação, como fazem os escritores, mas está se tornando dependente, está anulando a sua própria fortaleza, que é a sua maior riqueza.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 350
Marciano Vasques

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O APRENDIZADO DO QUERER

- Ninguém entende o que uma Sapa quer, vivem a dizer...
- Já ouvi isso, Sapabela...
- Ninguém sabe o que uma Sapa quer, é o que dizem...
- Andam dizendo isso...
- Eu sei o que eu quero... Como terá surgido essa lenda de que uma Sapa não sabe o que quer? E tem outra coisa...
- Fale, Sapabela, será que irá dizer que os sapos precisam evoluir muito para entender o que as sapas querem?
- Rospo, por que será que isso acontece com algumas Sapas? Isto é, por que realmente algumas Sapas não conseguem expressar adequadamente o seu querer?
- Posso falar agora sobre o "Querer"...
- Fale, que eu quero.
- Talvez essas Sapas tenham perdido o aprendizado do querer...
- Querer tem aprendizado?
- Tem, Sapabela.
- Não basta "Querer" e pronto?
- Não! O aprendizado do querer começa logo cedo, desde que a Sapa é uma sapinha...
- Muitas Sapas sonham a vida inteira.
- Os sonhos, às vezes, ocupam o lugar do querer autêntico...
- Nunca ouvi falar disso.
- Isso estava reservado para aqui...
- Quem sonha por acaso também não está exercendo uma espécie de querer?
- O querer autêntico exerce um poder transformador em si, que é o poder da ação, e agir é mergulhar na aventura do querer.
- E não ensinaram isso para as sapinhas?
- Ao contrário, elas foram ensinadas a não querer... Tiveram o querer amordaçado desde cedo, aprenderam a querer o que os outros querem para elas...
- Quem são os outros?
- É a sociedade patriarcal que tenta desde os primeiros séculos ocultar a força da Sapa...
- Quais são os primeiros séculos?
- Sapabela, você está querendo ir longe demais ...
- Eu sou uma Sapa privilegiada. Aprendi a querer desde cedo.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 349
Marciano Vasques

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VALORES DA CONSCIÊNCIA NEGRA



VALORES DA CONSCIÊNCIA NEGRA


No dia dedicado a reflexão sobre o negro na sociedade brasileira, 20 de novembro, bom mesmo é lembrar de pessoas valorosas, relevantes na história por sua atuação social e consciência de seu papel como cidadão.
A data coincide com o dia da morte de Zumbi dos Palmeres. Símbolo de resistência do negro a escravidão, Zumbi deixou o legado dessa luta pela liberdade impresso, mais tarde, na atitude libertária de outras tantas pessoas valorosas. Por séculos, eles lutaram pela liberdade, embate que ainda é constante em nossa história.
Luiz Gama, negro, brasileiro, que viveu entre 1830 e 1882, é um desses valores, vulto histórico que, assim como Zumbi, deveria ser sempre lembrado. Nasceu livre, filho de um fidalgo português com uma africana liberta. Sua mãe, militante da Revolta do Malês, em 1835 partiu. Estava envolvida na luta pela liberdade e ameaçada como todo negro da época nesta condição. Deixou aos cuidados do pai seu filho, sem saber que, mais tarde, seu marido o venderia ilegalmente como escravo.
O menino Luiz, com dez anos, vendido, partiu da Bahia para ser negociado como mercadoria. Como cativo, passou pelo Rio de Janeiro até aportar em São Paulo onde trabalhou em uma fazenda até completar dezessete anos. Foi um hóspede da fazenda que, ao tornar-se seu amigo, o apresentou as letras. Ensinou o rapaz a ler a escrever e a saber conjudar o verbo liberdade. Esse foi seu passaporte para um longo caminho, pois lendo soube da ilegalidade de sua condição e lutou por justiça.
Livre, criou asas e foi em busca de sua vida roubada pelo cativerio. Alistou-se, foi militar graduado, frequentou como ouvinte o curso de Direito e tornou-se jornalista de renome.
Instruído, foi feroz líder abolicionista e passou a defender a liberdade dos cativos, com as informações que colheu nos estudos do Direito e a retórica convincente do discurso jornalístico. Sozinho, foi responsável pela libertação de cerca de mil cativos.
Luiz Gama é um dos valores que o dia da Consciência Negra nos traz à tona, como símbolo da noção dos direitos que temos e que só a cultura nos dá. Libertos pela lucidez.

Cathia Abreu é jornalista e trabalha na revista Ciência Hoje das Crianças, veículo de divulgação científica para crianças de 8 a 12 anos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

domingo, 21 de novembro de 2010

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