quarta-feira, 20 de julho de 2011

UM TRIO MUITO ESPECIAL

—Rospo!
—Sapabela! Que elegância!
—Onde?
—O vestidinho...
—Ah, sim. Gosto de cores. E você, como vai? Poderia dizer se uma flor de outono desaparece?
—Jamais, Sapabela, jamais. Uma flor de outono jamais se vai...
—Onde ela fica alojada, Rospo?
—Na alma, para sempre...
—E onde é isso?
—Onde é o quê, Sapabela?
—A alma...
—Vamos ver. Nós, os sapos, temos mente...
—Temos, mas não somente mente...
—Isso, temos também o coração....
—Onde semeamos a semente que irá enriquecer a mente, a semente dos sentimentos,,,
—Pois somos isso também, uai!
—Gostei desse "Uai"...
—Somos, de um lado, a razão...
—Que é um apêndice da inteligência...
—Gostei disso, Sapabela. A razão é um brinde... da inteligência...
—Um brinde? A inteligência, a nos brindar, como fazemos com champagne?
—Mais do que isso, brindar no caso é presentear... E isso é nos blindar contra a força bruta da própria inteligência, a insensatez...
—Tudo bem, a razão é o presente da inteligência, que é neutra, mas pode ser direcionada pelo vento. Mas... e onde entra o coração nisso?
—A semeadura do coração, que se manifesta nas artes, na música, na poesia, e nos gestos, na delicadeza, na leveza, na atenção....
—Sei, a atenção... Isso brota no coração. O coração é sempre isso...
—Não, Sapabela. O coração aprende isso...
—Agora encrencou... Você está dizendo que o coração passa por um aprendizado?
—Antes de o coração ser ele próprio em seu desenvolvimento, era um coraçãozinho... e durante o seu desenvolvimento, aprendeu o que semeia em si...
—Isso quer dizer que...
—Que no coração podem brotar, podem crescer, sentimentos obscuros, como a inveja, o rancor, o ódio...
—Entendi, o coração é o espelho da mente...
—Sim, não do rosto, não da face... Pois às vezes um coração envenenado pode ocultar-se num rosto sorridente... Mas não será um sorriso natural... De qualquer forma, o coração nasce coração apenas, e precisa ser cultivado, regado, alimentado, durante a vida...
—Para um sapinho...
—Para um sapinho, um livro infantil, uma parlenda, uma história, um gesto de amor, um amparo, um colo, um sorriso...
—Sei, ele, o coraçãozinho dele, está aprendendo, está recebendo as condições para o florescimento do amor, da ternura, da bondade, da atenção...
—Isso, um coração se faz pela vida...
—Muito bem, falou da mente, e do coração, mas, quando chegaremos na alma?
—Já chegamos.
—Já?
—Claro! A alma é justamente a convergência, o ponto de fusão, é o encontro, a junção entre a mente e o coração...
—Uma mente desprovida de coração...
—Não exatamente assim. Poderia dizer: uma mente com um coração repleto de sentimentos fracos, ou inférteis, ou maldosos...
—Entendi! A equação é: mente + coração= alma...
—Sim, simplificadamente é isso. A mente, ao se unir ao coração, resulta na alma...
—E é lá que uma flor de outono viverá para sempre...
—É lá, é nela, que uma flor de outono jamais será desfolhada... Jamais perderá as suas cores, e as suas pétalas estarão sempre viçosas, sempre repletas de cores...
—Então, nesse caso, o coração deve ter passado pelo bom aprendizado...
—Podemos falar assim. E devemos ter a consciência de que ele é o comandante... Se a mente for regada, por ele, se ele for, digamos, o bom combustível, a mente irá se enredar pelos caminhos da atenção, do amor... E desenvolverá a sua consciência com solidez, uma  consciência de respeito, de amor...
—Então é um trio?
—Sim, mas a consciência é, podemos dizer assim, a filha da mente com o coração, e ela, essa consciência, será a fortaleza...
—Para o bem ou para o mal...
—Pois é, mas digamos que no segundo caso, a consciência está ausente. É a filha que não veio...
—Entendi, a consciência má é a falta de consciência... Nesse caso o trio está incompleto, a mente e o coração não geraram a filha, e a alma está incompleta, está adoecida, falida, estéril...
—Sim, mas a mente e o coração, mesmo cambaleantes, lutam  em fiapos de luzes quase imperceptíveis para desenvolverem a filha, porém não...
—Já sei, não conseguem fazer amor!
—Fazer amor?
—É, fazer amor, como nós fazemos amor com a beleza, com a amizade, fazer amor é edificar amor, é semear amor, é crescer em amor... Ao se escrever um poema, estamos fazendo amor com o que de mais sublime existe, que é a inerente necessidade de amar... de construir e participar do mundo...
—Então, diante disso, podemos concluir que o aprendizado inadequado, infrutífero, é um dos maiores crimes contra a humanidade do sapo...
—Sim, um crime altamente medonho que se processa individualmente em cada sapinho e atinge com  avassaladora fúria toda a humanidade do sapo...
Nossa, a construção da alma é coisa muito complexa... E como se chama a razão que na junção da mente com o coração faz brotar a consciência?
—Podemos chamá-la de razão amorosa...
—Bem, o importante é que cada um zele pela sua alma... Você está zelando pela sua?
—Estou, pois essa alma que é minha, composta por um trio, o trio formado pela mente, pelo coração e pela consciência, é nela que a flor de outono estará protegida, preservada...
—Rospo, esta conversa está meia didática, eu já entendi... E como faz para zelar pela sua alma?
—Agradecendo, sem estardalhaço, a todos os que contribuíram para que ela florescesse...
—Sim, um gesto delicado de alguém, uma mão estendida, um olhar, um sorriso sincero, um aconchego, uma atenção...
—Pois é, Sapabela, veja então que o meu coração rima com gratidão...
—Rospo, que esse trio cuide sempre com carinho da flor de outono.
—Obrigado, Sapabela, mas, que tal um sorvete? Pois por aqui não vendem caldo de cana...
—Sim, Rospo, um sorvete é um gesto simples, mas celebra a amizade... E você sabe: Sapabela jamais recusa um convite desses... Vamos, que também não vendem sorvete por aqui... Mas essa conversa atiçou vontade de caminhar... e lembre-se do provérbio popular: no meio do caminho sempre haverá uma sorveteria.
—Existe esse provérbio?
—Agora existe!


Marciano Vasques
HISTÓRIAS DO ROSPO 2011
HISTÓRIA Nº 642

3 comentários:

  1. Bela equação: mente +coração = alma
    Essa soma é poderosa e sagrada...Igual a alma superior
    Quem escreve assim cuida com carinho da sua flor de Outono
    Ah, adorei o provérbio
    Luz
    Ana

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  2. " A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você."

    feliz dia do amigo terê.

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  3. Estes sapinhos me encantam, me tocam na alma pela simplicidade.

    Um abraço
    oa.s

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