sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A CRISTALEIRA

Qualquer afago bastaria.
Até a fuga momentânea da palidez de um rosto em mudez,
o fogo das palavras pronunciadas em profundas mentiras,
mas não:
Ela mira-se no vidro da cristaleira.
Está machucada, numa desbotada perplexidade,
O olhar se perde, como se perderam tantas coisas...
Antúrios, antigas chuvaradas, sinas, quebrantos, manhãs em nódoas: o pensamento poderia esvoaçar, mas talvez falte o alento essencial.
Então, prossegue em seu silêncio equilibrista.
Talvez cerzir as dores, a própria mudez, verbos mastigados, as insondáveis frestas nas almas esquecidas! 

O que é ela?
espectro de si vagando nos corredores caseiros?
O que é ela?
pó na mobília? Estilhaços de um querer, recolhidos nas palavras que murcharam? O olhar incolor que em vazios abandonados se dissolve? Talvez, se o vento viesse a lhe acusar de poesia, o mesmo vento que brincou em seus cabelos de menina...
Mas não, ela não tem como escapar.
Poderia tanto, mas fica em casa, diante da cristaleira...
No quintal, a varejeira reflete o sol esverdeado.


MARCIANO VASQUES
CONTOS LIGEIROS - 1

2 comentários:

  1. En tu bella poesia, yo entiendo el reflejo de una mujer, observándose, queriendo encontrarse consigo misma y al mismo tiempo sintiéndose atrapada, sin atreverse a abrir su corazón.
    Esta es mi interpretación.
    Un abrazo desde Valencia

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  2. Lindo texto!!!

    De uma sensibilidade e poesia raras.
    Aproveito para agradecer a visita no meu blog e parabenizálo por seu blog e pela iniciativa em cuidar e divulgar a literatura.
    Forte Abraço,
    Joyce

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