— O que houve, Rospo? Parece pensativo...
— É a intensa fome, Sapabela...
— Não diga, quer que eu faça rabanadas? Tenho pão...
— Sapabela, obrigado, mas é a intensa fome de viver...
— Sei como é, Rospo. E numa noite assim de Outono isso fica angustiante...
— Olho para a imensidão, o risco cacheado das luzes que as estrelas salpicam...
— Você precisa ir pra longe, para outros lugares... Aprenda a bendizer o seu dom de voar... Seja cada vez mais alto, rompa os horizontes...
— Esse é o equívoco, Sapabela.
— Nem sabia que tinha um equívoco.
— Não precisa ir para longe, não preciso ir para nenhum lugar... A intensa fome de viver não condiciona em si a necessidade de deslocamento, de viagens, de mudanças... Ela basta a si e se sacia exatamente aqui, pois aqui é onde estamos...
— Concordo Rospo, aqui é o lugar.
— Sim, Sapabela, estar faz o lugar.
— Rospo, então vamos saciar essa intensa fome de viver. Por onde começar?
— Isso me fez pensar numa gravidade medonha que as mães faziam aos pequenos...
— Do que fala, Rospo?
— Ter horário para dormir...
— Mas na vida tem que ter regras...
— Eu também tinha que fazer isso, ir para cama tal hora...
— E qual o problema, Rospo?
— Eu ia para a cama antes do sono...Tinha que ir sem ele...
— Mas depois cresce, tem que cumprir horário...
— Isso é terrível... Talvez seja a causa da angústia...
— Pode ser, mas tente começar, Rospo. Algo pode ser feito para que a fome de viver seja saciada.
— Saciada não sei, mas tenho que ser muito atencioso com ela... Pois ela não suporta passividade, marasmo...
— Então, vamos, amigo, vamos. Por onde começar?
— Viver é estar intensamente vinculado com o mundo, conectado e participando das dores e das festas do mundo...
— Isso é possível, Rospo? Fazer uma assinatura de jornal é muito pouco...
— Só quando o mundo estiver em nós é que estaremos em harmonia com a intensa fome de viver.
HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 558
Marciano Vasques
Leia CIANO