quarta-feira, 31 de março de 2010

CONVITE BIBLIOTECA NACIONAL

AS QUALIDADES DO SAPO



AS QUALIDADES DO SAPO



Rospo na beira do lago contemplando a prateada lua e as azuladas libélulas, quando ela chega:
- Sapabela, nada tenho para oferecer aos amigos.
- Ora, Rospo, você tem preciosos tesouros. 
- "Lá vem uma enxurrada de adjetivos".
- É sincero, puro, atencioso, gentil, educado, fiel aos amigos. Isso tudo compõe o seu tesouro precioso. São as suas qualidades.
- Sapabela, o que seria de mim sem a sua palavra? Você é  a minha inesgotável fonte de luz.
- Esqueci do principal, Rospo: Você é exagerado.

MARCIANO VASQUES
HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 51

CONVITE IV FESTIVAL INTERNACIONAL DE POESIA

O SAPO E AS ASAS



O SAPO E AS ASAS

- Repare num detalhe nas aves, Sapabela.
- Qual, Rospo?
- Elas têm asas.
- Já havia reparado. E dai?
 - Veja aquele pombo!
- O que tem ele?
- Asas.
- Eu sei.
- Pode voar.
- Que novidade!
- Pois é, só tem asas e pés. Os humanos não têm asas. Só mãos.
- Isso mesmo.
- As mãos são as asas dos humanos.
- Eles podem voar com as mãos?
- Sim. Quando eles escrevem, eles voam. Escrever é a forma de voar sem avião.

MARCIANO VASQUES
HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 50

domingo, 28 de março de 2010

O BLOGUEIRO 16


O BLOGUEIRO 16


ARGUMENTO: MARCIANO VASQUES
ARTE: DANILO MARQUES

SAPO ESGOTADO?



SAPO ESGOTADO?


- Sapabela, estou esgotado.
- Esgotado?
- Com esgotamento.
- Não diga isso!
- Por que não?
- Estar esgotado significa estar em condição de esgoto.
- Não estou no esgoto!
- Mas está com esgotamento, ou seja, esgotado.
- Sapabela! São apenas palavras!
- Rospo? Você dizendo isso? Nunca mais pronuncie "Apenas Palavras".
- Não pode?
- Palavras não são "Apenas Palavras". Uma só palavra muda toda uma vida. Finca traumas, faz sorrir, sonhar...Entendeu?
- Sim.
- Pronto: Este "Sim" pode mudar toda a sua vida, causar uma revolução, ou te jogar no esgoto.
- Sapabela, você é incrível!
- As palavras são incríveis, meu amigo, as palavras.

MARCIANO VASQUES
HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 49




ÍCARO





 
 
ÍCARO
 

Homens talentosos não conseguem se livrar de sentimentos pequenos quando a alma é pequena.

O aprendiz ultrapassa o mestre. Isso às vezes causa ciúmes.

Talos, 12 anos, filho da jovem Policasta, irmã de Dédalo, o construtor de labirintos.
O garoto mostrou maior destreza com as invenções. A criatividade do sobrinho irritou Dédalo.

O desenvolvimento do garoto devia deixar o tio orgulhoso, mas a alma de Dédalo não tinha um décimo da grandeza de qualquer de suas invenções. O ciúme começou a corroer a sua mente infeliz, como o ácido gástrico perfurando a parede elástica do estômago.
Passava horas olhando o menino, que a cada dia se aperfeiçoava mais, sem desconfiar que a sua inventividade incomodava o tio.
Dédalo alimentava o monstruoso ciúme e adoecia, enquanto Talos inventava coisas, como a roda do oleiro.

A mãe, Policasta, orgulhosa, elogiava o menino para o irmão, sem sentir no silêncio de Dédalo a maldade tomando forma.
Talos inventou o primeiro par de compassos.

A alma de Dédalo começou a ser corroída pelo ciúme.

Essa espécie de ciúme trás em seu bojo a tragédia que se enrosca feito serpente no coração, tornando a pessoa prisioneira da própria malignidade dos seus pensamentos.
Dédalo se emaranhava em sua perversidade, enquanto Talos crescia em sua habilidade.

Talos foi levado pelo tio para o alto de um templo.

- Venha! Vamos olhar os astros!

O inocente garoto acreditou.

Ao chegarem ao topo, Dédalo empurrou o pobre sobrinho para a morte.

Muitas pessoas viram quando Dédalo do alto do templo, empurrou o menino.

Policasta, ao receber a notícia da morte do filho, suicidou-se.

Dédalo foi expulso de Atenas, junto com o filho Ícaro.

Os atenienses quiseram apedrejá-lo, mas as autoridades preservaram a sua vida.

Ao chegarem em Creta, Dédalo passou a servir ao rei Minos, que se encantou com as habilidades do inventor.

Construiu o labirinto para prender o Minotauro, ser monstruoso nascido da união amorosa de Pasífae com um touro.

A construção do labirinto aumentou o prestígio de Dédalo junto ao rei.

Dédalo foi condecorado e tornou-se o inventor oficial do reino, passando assim a usufruir privilégios.

Porém, o jovem Teseu desafiou o talento de Dédalo.

Conseguiu, com a ajuda do novelo de Ariadne, penetrar no labirinto e matou o Minotauro.
O inventor caiu em desgraça.

Minos não perdoou.


Dédalo foi atirado com Ícaro numa prisão.

Passou o resto da vida tentando escapar e fugir da ilha, mas com o passar do tempo descobriu que a fuga era impossível.

No entanto, a sua mente de arquiteto nunca parou.

Concebeu um plano, talvez o mais audacioso de sua vida.

Construiu um par de asas.

Pacientemente teceu as penas e juntou-as com cera.

Dezenas de pássaros matou. Com as penas construídas, chamou o filho e disse:

- Toma! Coloque-as, mas, tome cuidado, não voe perto do Sol. Com essas asas estará livre, mas seja prudente!

Os dois alçaram vôo.

Enquanto Minos se ocupava com as coisas de Creta, pai e filho voavam rumo à liberdade.

A juventude nasceu para o vôo e não conhece as suas medidas.

Ícaro esqueceu o conselho do pai.

O vôo em si trás uma sensação de liberdade e Ícaro abandonou a prudência.

Voou cada vez mais alto, em direção ao Sol.

Quem olhasse para o alto pensaria tratar-se de um pássaro, tal a distância da terra estava o jovem Ícaro.

A cera que ligava as penas começou a derreter.

Uma menina brincava num campo e viu quando o corpo de Ícaro começou a despencar.  As penas foram levadas pelo vento.

Dédalo desesperado continuou a voar em círculos.

Se olhasse para baixo veria um rodamoinho nas águas do mar.

Na praia chegavam algumas penas.


ÍCARO - RECONTADO POR MARCIANO VASQUES



O SAPO SEM ASSUNTO?


  
O SAPO SEM ASSUNTO?

- Rospo, já se sentiu um sapo sem assunto?
- Sinto que isso não é possível, Sapabela.
- Sempre tem assunto?
- Sempre, até para jogar conversa fora.
- Já jogou conversa fora, Rospo?
- Nem pensar! Conversa para mim é privilégio, um tesouro, um bem.
- Já ficou em silêncio com alguém?
- Silêncio às vezes diz muito.
- Então é um defensor do silêncio?
- De vez em quando ele é necessário e precioso.
- Quando ocorre o esgotamento das palavras?
- Não! Quando elas não conseguem traduzir o assunto.

MARCIANO VASQUES

HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - texto 48

sexta-feira, 26 de março de 2010

MENESTREL DOS TONS VELADOS


  

MENESTREL 
DOS 
TONS VELADOS


 

 

“O que lemos, ninguém mais tira de nós”
Di Cavalcanti
 

Filho de um militar e sobrinho do jornalista José do Patrocínio, Emiliano nasceu na casa de seu tio no final do século XIX, no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, com o nome completo de Emiliano de Albuquerque Mello.
Alfabetizado aos quatro anos, passou a infância lendo, desenhando e visitando o Museu Nacional Imperial, que tanto adorava. Nas tardes passava horas observando os pescadores e os estivadores.
Além do contato com a música desde cedo, foi instruído por intelectuais como Joaquim Nabuco, Olavo Bilac e Machado de Assis. Aos doze anos entrou no Colégio Militar, mas lá ficou pouco tempo, por não concordar com o pensamento e a disciplina militar.
Passou a adolescência lendo Machado de Assis e Aluísio de Azevedo, e admirando, com intensa alegria na alma, os circos da cidade e os cordões carnavalescos. Tinha uma grande paixão: ir ao cinema.
Quadro de Di Cavalcanti - Carnaval - Reprodução
Além dos desfiles de carnavais na principal avenida de São Cristóvão, apreciava loucamente os bailes de salão. Emiliano foi crescendo e vendo surgir na sociedade de sua cidade a “Belle Époque”, período de muito luxo e lutas sociais, que atraía imigrantes para o Brasil.
Com a “Belle Époque” e a vinda dos imigrantes, surgiam no país as idéias anarquistas contrarias à burguesia. Com a nova urbanização do Rio, foram os cortiços demolidos e apareceram os barracos nos morros, e com eles em pouco tempo as escolas de samba, fundadas pelos moradores do morro, proibidos de participarem dos luxuosos desfiles de carnaval.
O jovem Emiliano não permitira que o espírito da “Belle Époque” penetrasse totalmente em seu coração (copiar Paris, etc); sozinho pelas ruas do Rio adorava caminhar, observando a vida de seu povo, o vento bailando entre os coqueiros, a graciosidade das mulheres e a beleza da miscigenação.

Mulheres e frutas - Reprodução
Aos quatorze anos, ao ter a sua primeira caricatura publicada em uma revista, adotou o nome artístico de Di Cavalcanti. Após a sua estréia na revista “Fon Fon” passou a produzir capas para diversas revistas. Ilustrando também as capas dos livros de seus amigos Guilherme de Almeida e Mário de Andrade, tornava-se um pintor conhecido nacionalmente enquanto, utilizando o pseudônimo de “Urbano”, satirizava em caricaturas as personalidades poderosas de sua época.
Em poucos anos o seu nome passou a circular entre intelectuais e artistas gráficos. Tornou-se amigo de Tarsila, de Oswald de Andrade, de Mario de Andrade e outros. Quando esteve pela primeira vez na casa de uma jovem chamada Anita Malfati, impressionou-se com a sua arte e foi o grande incentivador da artista, que graças ao seu apoio, realizou uma segunda exposição, chocando novamente a cidade, que já havia se escandalizado com ela quando da primeira mostra.
Chamado por Mário de Andrade de “Menestrel dos Tons Velados”, Di pintou quadros de beleza contagiante, como “Mulher em pé”. Um dia, inspirado por uma Semana Cultural européia, teve a idéia, que logo se propagou entre seus amigos, de realizar uma Semana de Arte Moderna, que viesse a transgredir os padrões artísticos e morais de sua época.
Com entusiasmo organizou o evento, que resultou na “Semana de 22”, horrorizando a sociedade paulistana, que vaiou a apresentação dos poemas de Mário de Andrade e a música de Villa Lobos. O polêmico acontecimento tornou - se um marco histórico do rompimento com a arte acadêmica e o conservadorismo da época.
Convivendo com os operários e sensibilizado com as injustiças sociais que presenciou a partir de 1924, ingressou em 1928 no Partido Comunista.
Revista Fon Fon - Reprodução

Dessa época são os quadros como “Gasômetro”, pintura de profundo sentido social, que retrata no óleo sobre tela as desigualdades sociais e o sofrimento do povo.
O seu povo, que ele tanto amou, em cores vivas em suas telas está presente. Operários, pescadores, mulatas, gente sofrida, com intensa paixão pelo artista retratada

É preso em 1932 durante a Revolução Paulista. Após permanecer alguns meses na prisão, volta a produzir, satirizando em suas obras o militarismo. Casou-se em 1933 com uma jovem pintora, com quem viaja para o exterior. Ao regressar ao Brasil é duramente perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas.
No final da década de 40 separou-se da artista Noêmia Mourão, passando a viver nos inícios dos anos 50 com uma inglesa, por quem se apaixonara: a intelectual Beryl, tão belamente por ele retratada.

Consagrado pela crítica, premiado nacional e internacionalmente, Di tornou-se o artista da alma expressiva do nosso povo. Entre outras glórias, recebeu de Oscar Niemeyer o convite para pintar as estações da via-sacra para a Catedral de Brasília, que estava pelo governo JK sendo construída.
Convidado pelo governo de João Goulart para ser adido cultural do Brasil na França, não pôde assumir, por causa do golpe militar que instaurou a ditadura no país.

O amigo de Pablo Neruda, Jorge Amado e de Vinícius de Morais, que com as cores do seu amor transportou para as telas as aldeias de pescadores, faleceu em 26 de outubro de 1976.

A “Menina em Paquetá”, com sua bicicleta entre os coqueiros, sempre estará nos corações que sinceramente amam o Brasil.

Mural Di Cavalcanti
MARCIANO VASQUES
CASA AZUL DE PALAVRAS - TEXTO 9

quinta-feira, 25 de março de 2010

CANTRIZ




CANTRIZ
 
 
 
Fugir quer dizer retornar. O retorno tornou-se peça rara no rol dos investimentos de lapidação humana. Humana aqui é redundância, um pleonasmo, visto que aos animais não foi permitida a condição de auto-lapidação.
Retornar quer dizer ir para dentro, buscar no interior, e é justamente lá que reside a possibilidade do reencontro, condição primária e soberana para o reconforto da alma.
Alma quer dizer: aquilo que que nos incomoda e nos guia. A sua construção depende, no tempo vivido, dos detalhes mais impensáveis como construtores de uma forma de ser, de uma personalidade, um jeito de se direcionar no mundo. As coisas permanecem, mesmo que aparentemente adormecidas, mas permanecem em cada um de nós. Por mais simples e minúsculas que possam ser ou aparentar.
Um paralelepípedo molhado numa tarde chuvosa, um abrigo em uma banca de jornais, um verde limo, um musgo distraído, uma desatenção, um repentino olhar para o céu, coisas e seres que preenchem as nossas mais íntimas necessidades estéticas.
Tudo, desde o prazer absoluto da leitura, foi cultivado ardorosamente e persistentemente pela e para a coisa que em nós é, em oportunidades únicas. Nenhuma pessoa é idêntica, ninguém trilha os mesmos caminhos, e isso compõe o belo e insondável mosaico da vida, o maravilhoso caleidoscópio chamado viver.
Quando consegue se abrigar em si, quando consegue se arraigar, promover o seu retorno, o homem, o ser, realiza a sua mais profunda revolução, a sua mais bela edificação. Nada se compara ao prazer indomável e restaurante de um retorno para si, quando os ouvidos animados estão apurados como aconchegantes conchas de si.
Quanta felicidade é e foi desperdiçada em cada vida pela impossibilidade do retorno, o retorno cíclico, infinitamente necessário e rejuvenecedor, visto que a juventude da alma é o abrigo mais sólido que um homem portador de memória deve consigo carregar.
Tudo vale na promoção do retorno, do voltar-se para si, do silêncio absoluto e da música ancestral e universal que atinge em cheio as solicitações da alma. O grandioso é que ela jamais abandona o ser, mesmo que ele seja forçado pelas circunstâncias a trilhar os caminhos adversos, espinhosos, de intempéries, de procelas violentas, de águas em turbilhões a bater bruscamente em rochedos intransponíveis.
Falo da alma por que ela nos resgata a doçura mais sólida, a ternura que jamais nos abandona. A receita é simples: o ser necessita de amor, o amor oferece dimensões para o crescimento inerente. Só ele devolve ao ser a paz necessária para o aproveitamento do tesouro temporal que o envolve desde a sua chegada ao mundo.
A placenta amorosa que o acompanhou durante anos, os olhos que o velaram, as folhas verdes reluzentes de clorofila, o sol, o cascalho, a areia, tudo sempre esteve e estará na fonte memorialística do ser. E se ele enveredar pela recusa ou pelo abandono ou ainda pelo desprezo das coisas primordiais que sempre estiveram no discurso fundador de si, se perderá.
Abrir um guarda-chuva azul num dia chuvoso, azular-se em cinzas, e entrar num cinema, recorrer à lembrança olfativa de tinta impressa em páginas de gibi lidos, atentar para o burburinho da cidade, para as pessoas simples que trafegam, para as calçadas, para os prédios, transformar o olhar em guerrilheiro amoroso da paisagem ofertada fortalece a caminhada. Óbvio. Mas às vezes o óbvio precisa ser relembrado.
Atualmente a impossibilidade de uma conversa produtora (novamente pleonasmo!) sobre política clama pelo retorno para si, pela busca incansável do retorno. É preciso refúgio, para que a alma seja alimentada, e o maravilhoso barco à deriva da vida encontra um seguro cais.
Que o noticiário político seja naturalmente acompanhado, principalmente para promover a satisfação da alma, para preencher a necessidade vital do ser de polir os olhos, de manter a visão em permanente oficina, mas que ela, a política demolidora que atualmente é exercida pelos homens não tenha o poder, pois mais ínfimo que seja, de destruir o que é mais caro ao ser. O homem será livre-em-si. Essa liberdade o transformará na criança que jamais o abandonou.
E o mistério é justamente viver em juventude, respeitando as imposições da condição biológica, e manter aceso o olhar de criança. Eis o imenso tesouro ao alcance de todos. Se o ser esquece a sua juventude corre o risco de assumir a velhice. Juventude quer dizer:manter o vigor do olhar, sempre direcionado pela rosa-dos-ventos da eterna e inabalável curiosidade do mundo, a infinita abertura da alma para as novidades e as descobertas do mundo. O olhar de criança deverá sempre lambuzar de cores o ser em sua enigmática do retorno na consolidação da alma em juventude.
Assumir a velhice é submeter-se ao aniquilador desconforto de se desprezar a memória, de recusar-se enquanto portador de juventude, de negar-se ao olhar de criança. Três condições básicas para que a felicidade se manifeste: a memória, a juventude, enquanto maravilha-em-si, e a criança, com seu olhar incomparável.
Três conquistas do ser que devem ser acompanhadas pela experiência, pelo amadurecimento da mente, e amadurecimento não quer dizer a negação das três condições, ao contrário, a idéia de se amadurecer está aqui vinculada exatamente no abrir-se para os girassóis da alma. Em plena força-motriz da vida, a cantar a sua generosidade e estar no palco.

MARCIANO VASQUES
CASA AZUL DE PALAVRAS - TEXTO 8
 

 
Pã e Afrodite, espelho (British Museum, Londres)            



Corre o caçador pela mata. Verdes clamam pelo silêncio, mas ele persegue um animal. Sente-se no direito de tirar uma vida. Caça por prazer. Seu riso invade as folhas e ecoa pelas trilhas.

Repentinamente, ouve um som que o previne. Decide interromper a corrida. Desiste da caça. O som da flauta atravessando as frestas da mata o perturba. Já ouvira muitas histórias. O medo se intensifica. Resolve abandonar o lugar. Quando se dá conta está suando. Compreende finalmente o que significaria seguir em frente. Está em pânico.

Quem afirma que já o viu, conta que ele tem chifres, pernas e cascos de bode e adora a solidão. Está sempre tocando um conjunto de flautas de junco. É o protetor das florestas, garante. Para muitos é motivo de riso, mas ninguém ousa desafiar os mistérios das matas. O caçador que desistiu da caça e fugiu em pânico sabe que com deuses não se brinca, mesmo que ele jamais tenha ouvido ou visto algum.

Prefere nem contar, pois muitos dirão que as condições da floresta criaram as coisas na sua imaginação, as circunstâncias favorecem certos pensamentos e tudo não passou de um medo em sua mente.

- Mas e o som da flauta? - perguntaria.
- É o vento tocando entre as folhas, o movimento do vento entre os juncos produz um som característico. Nenhuma criatura estava no bosque tocando flauta.

Mas ele prefere não arriscar e aprendeu que às vezes é melhor acreditar.

- “A partir de hoje não caçarei mais sem necessidade!”

Eis um homem sábio, que compreendeu o aviso das matas.

Pã, nascido da união da filha de Driop com um deus mensageiro, veio ao mundo com uma forma esquisita. Sua mãe foge e o abandona no seu nascimento. Às vezes a aparência é fundamental para o estabelecimento do amor.

Seu pai o leva até o Olimpo e lá ele se torna motivo de diversão, inclusive para Dionísio, que tanto se alegra com a sua presença.

As ninfas sempre zombaram do seu rosto repulsivo e ele decidiu nunca se apaixonar.
Um dia, num entardecer esplendoroso ele encontrou a bela ninfa caçadora Siringe (Syrinx) e por ela se apaixonou. Tentou conquistá-la, mas foi rejeitado.
Pã e Siringe (Kunstsammlungen, Dresden)
- Você me rejeita por causa da minha aparência, mas a sua beleza talvez seja apenas exterior.

- Quem é você para falar assim comigo?

- Sim, como pode se julgar bela se é uma caçadora? Como pode ser bela se a sua diversão predileta é matar pobres animais indefesos?

- Preciso caçar diariamente...

- Para que?

- Para manter a minha destreza, para não perder a habilidade...

- Quantas vidas já tirou? Quanto sangue derramou sobre o verde pacífico das florestas? Quantos belos animais que viviam em paz em seu regaço tiveram que fugir por causa do seu arco assassino?
- Eu não admito que você fale assim, criatura horrível, o que você é afinal, um bode? Você é imperfeito, nem é animal nem gente... Que maldição caiu sobre você no seu nascimento?
- Você é incapaz de amar verdadeiramente. Mesmo assim eu estou lhe ofertando o meu amor, pois meu coração é límpido como as florestas que você mancha de vermelho com as suas caçadas...
- Você está apaixonado pela beleza, pois não há nada de comum entre nós. É impossível alguma espécie de amor entre nós. Você é repugnante...
A ninfa fugiu adentrando pela mata e desaparecendo entre as folhagens. Para o jovem Pã restou o silêncio e a perplexidade, que juntos fincaram a solidão em seu coração. No entanto, o amor tem razões que não aceitam a compreensão e Pã decidiu que a Ninfa lhe pertenceria. Passou a procurar por ela. A sua voz ecoou pelas matas e o eco entre caules, raízes e folhas encontrou o silêncio. Cada animal que encontrava, parecia lhe transmitir com o olhar uma espécie de amizade, algo que estabelecia uma estranha confiança, uma cumplicidade. Pã estremeceu. Talvez tenha reparado no olhar de algum animal um pedido de socorro, uma ajuda, uma proteção, mas tudo não passou de perturbações de sua mente, confusa por causa da rejeição sofrida.

Sua voz levada pelo vento ecoou no grito: Siringe! Siringe! Siringe...

Inútil.
Na manhã seguinte reencontrou a ninfa e passou a persegui-la pelo bosque. A pobre moça, caçada por Pã, correu desesperada, atravessou um riacho, penetrou na parte densa da floresta e fugiu apavorada. Pã não desistiu e continuou perseguindo-a. A perseguição foi acompanhada pelos olhos escondidos entre as folhagens. Veados, pássaros e tigres, em silêncio acompanharam aquela estranha caçada.Pã entre os caniços, Böcklin (Museu de Munique)

A insensível ninfa corria sem olhar para trás.

Implorou aos deuses que a ajudassem.

Eles resolveram salvá-la do amor de Pã.

Suas irmãs aparecerem para ajudá-la.

Ela é transformada em junco.

Pã, quando a abraça, está tocando apenas em caniços.

Comovido pelo som sibilante dos caniços, Pã constrói um instrumento musical, usando sete tubos de junco tem em suas mãos uma flauta a qual batiza com o nome da Ninfa.

A Caverna de Pã (Barraco, Roma) Tocando as flautas de junco Pã passou a atrair as ninfas que começaram a dançar ao seu redor, ao som da sua melodia encantada.
Rodeado de ninfas, o seu coração ardia na saudade do seu amor impossível.

Pã entristecido com a sua perda, transmitiu a dor no som da flauta e afastou lentamente as ninfas que bailavam em suas músicas.

O que passou a ecoar na floresta foi um som triste e plangente.
O deus preferiu a solidão e emanou um medo cujas ondas atingiram os corações.

Os calafrios no corpo, o tremor e o suor incontrolável: tudo isso passou a ser denominado Pânico.
Antes de decidir definitivamente pela solidão, Pã, ao reparar uma ninfa dançando tão envolvida com a sua melodia, e ao sentir que a ternura estava em seu coração, pensou por um momento que o talento pudesse ocultar o seu rosto.
Atraiu a ninfa até um rochedo alto, mas um  súbito vendaval  atirou a moça ao precipício.

Seu corpo foi imediatamente transformado em pinheiro (Pítis), homenagem dos deuses a Pã, o solitário  flautista das florestas.

Pã desceu, colocou um ramo do pinheiro sobre a cabeça formando um círculo.

Estava solitário e seu coração se alvoroçou. Lembrou daqueles que jamais fugiram da sua aparência. As criaturas mudas e indefesas da floresta: os animais.
Pã se comoveu com a idéia de que, com a sua flauta, poderia proteger os animais e as matas.
Pânico, o terror, o medo sem motivos, causado nos homens pela criatura tocadora de flauta de junco.

Condenado à solidão, inúmeras vezes subiu ao rochedo para contemplar o pinheiro e sempre sentiu que, ao colocar na boca o junco e soprá-lo, estava se aproximando da primeira amada perdida. Inconsolável, compreendia que nascera para a solidão.
Certa vez espreitou por entre as folhagens um jovem que, abaixado, mirava as águas de um lago transparente.

Tocou a sua melancólica melodia, mas o jovem, entretido com a sua própria beleza não a ouviu. Pã penetrou no âmago da floresta. O seu coração se sentiu como que atirado de um rochedo.

Protetor da natureza, passou a encontrar entre os animais os seus verdadeiros amigos, e, por proteger a natureza, passou a ser cultuado pelos pastores.

A sua alma se expandiu por todos os verdes, cerrados, campos e bosques e cobriu a natureza.

O tapete enverdecido do campo passou a simbolizar o seu coração eternamente solitário e quem tem os ouvidos atentos, quando está num bambuzal ou num canavial pode ouvir o vento sibilar, e interpretar como o som delicado da natureza.

Seu culto se estendeu, atravessou aldeias, selvas, mares e desertos, e se tornou universal, inaugurando o panteísmo no coração dos homens amantes da natureza.
Pã, tudo, filho de várias origens, sobreviveu em diversas lendas através dos tempos.

Um estóico conversando certa vez com seus amigos, o identificou com o universo.

Para o estoicismo, a identificação de Pã como universal perdurou durante um bom tempo.

Pã, fecundação, a própria expansão da vida:  Deus universal.
Para o povo simples sempre continuou como o protetor dos pastores, um deus agreste, das matas. Sempre permaneceu nos corações camponeses como a criatura plangente das matas capaz de estabelecer o pânico num exército.
Sob o reinado de Tibério, entre mais ou menos 20 anos da era cristã, um navio em direção a Roma, ao passar por uma ilha grega ouviu num vendaval uma voz que anunciava a sua morte. A noticia se alastrou em quase todas os cantos da Terra, desde a Arcádia até ao mais distante campo.

- “O grande deus Pã está morto!”
A Terra se pôs em prantos. Todos os povos choraram. Pã desapareceu. Uma nova era surgiu.
O mundo antigo se desfez dando lugar a uma nova sociedade. Os romanos receberam esse novo tempo do qual Pã não fazia parte.
Mas o antigo deus, que por causa da sua feiúra nunca foi amado pelas ninfas e que se metamorfoseou em deus de expansão universal entre uns e permaneceu fiel às florestas entre outros, nunca saiu por completo dos corações humanos.
Mesmo tendo se dissolvido com o surgimento de um novo império, Pã deixou como legado o amor universal que em distantes épocas surge em algum coração panteísta.

 RECONTADO POR MARCIANO VASQUES

SAPABELA E AS VELHAS AMIZADES



Em seu vespertino passeio pelo "Brejo Azul" Sapabela encontra um velho amigo.
- Rospo! Meu velho amigo! Que saudade!
- Sapabela! Minha velha amiga!
- Interessante observar, Rospo, que um velho amigo não envelhece.
- Se envelhecesse seria um amigo velho. Mas, um velho amigo é sempre jovem.
- Com a verdadeira amizade acontece isso, ao ser renovada a cada encontro.
- Então, uma velha amizade jamais envelhecerá.
- Com a nossa isso acontece.
- Com certeza, Sapabela, é uma velha amizade que jamais será uma amizade velha.

MARCIANO VASQUES
HISTÓRIAS DO ROSPO 2010 - 47

quarta-feira, 24 de março de 2010

PRÓXIMO TEXTO DE MITOLOGIA: PÃ

Próximo texto de MITOLOGIA: Pã.

VI PRÊMIO DE LIJ

A MENINA COM OS GIRASSÓIS

Marciano Vasques
  

A MENINA COM OS GIRASSÓIS

 
 
Desceu para a escola a menina com girassóis no coração. 
Nunca leu Andersen, nunca ganhou um gibi, mas vê quase tudo que passa na televisão.
Aviões furam nuvens rumo ao centro – oeste levando homens que voam muito além. Ela não tem nada. A escola é a única saída.Ternura faz falta.
Na sua vida não há roseiras, só rosários. Os seus girassóis são sinais da infância, que resiste, por mais cruel, por mais obscura que seja a vida.
A infância atravessa as frestas da dor.
Ela só precisa de um lápis de cor, um toquinho que seja, para transformar o papel no sonho bonito de se ver.
A sua caminhada é imensa, o seu segredo é ser feliz entre medos e faltas. A flor indomável talvez esteja com ela.
Ninguém faz nada pela menina dos girassóis.
Ela não sabe, mas é o retrato mais sincero e puro do seu país. Quem conseguir compreender todas as contradições encontrará o seu rosto, verdadeiro, bonito, com fome.
Ela é a menina com os girassóis no coração. Seu tórax de luz invade o pátio da escola. Se a poesia não estivesse tão distante!
Outras meninas e outros meninos; são tantos e correm pelas ruas empoeiradas, e jogam bola no campo de mato crescendo, e antes, muito antes da vila ser erguida havia uma lagoa e meninos olhavam girinos, e meninos admiravam o verde musgo claro do salto da rã.
E havia verde em abundância, e havia um caminho no arco da noite, que mirava luzes ao longe, e as folhas lisas dos entardeceres que escaparam entre os dedos, e os balões de nuvens, e os balões vermelhos, e céu embalado pelos balões nunca mais voltou.
A escola de latinha e a falta de recursos, e a comida, e o leite, e o caderno...
A menina com os girassóis no coração precisa de um momento de atenção, de uma sinceridade, de um terno gesto.

CASA AZUL DE PALAVRAS - TEXTO 7

O QUE TEM NA PANELA JAMELA?

CASA AZUL DA LITERATURA RECOMENDA

CONVITE PERSONALIDADES NEGRAS

terça-feira, 23 de março de 2010

A FLOR DO SÁBADO CHUVOSO

A FLOR DO SÁBADO CHUVOSO
 
 

 A flor do sabugueiro. Essa flor eu vi. O branco enfeitando em arte a árvore. O coração chora às vezes, e quando isso acontece alcança a poesia que dança ao redor, que esteve desde que me tornei assim.

A flor, sábado de chuva, pleno fevereiro, tempo que escorre, o pensamento fora da atenção repousa. Talvez a vida pudesse ter por outros rumos vagado. Quiçá coisas diferentes quisesse ter oferecido - me, mas eu que desde cedo a perder as chances que ela na beira da estrada põe, aprendi.

A olhar o velho caminhando compreendi, e também a insensatez de se decorar as cores do arco-íris no ausente. Das pedagogias sem alma a inutilidade na decoração do vazio se expressa.
Quisera estar num curso universitário aquilo que só se aprende diante das crianças da EMEF “Jardim Vila Nova”. Só sei escrever o que vivo!
No meu país tão lindo a alma é maltratada. Se a chuva pudesse lavar os olhos de fuligem, o homem então veria como se fosse um poeta o riso das crianças a nos oferecer a salvação.
Que os políticos se quedem a desmantelar o que possa ainda a existir de dignidade, e que Ney Matogrosso continue a cantar.

Tudo o que necessito está no coração que chora às vezes, e se a poesia se tornar inalcançável, será por minha máxima culpa, que me pus em medo, pelo acúmulo dos dejetos mentais que se infiltram em nosso pensamento, outrora límpido, vigoroso, repleto de bondades, mas depois, pelos emaranhados da vida se enfraquecendo.
Olhar o velho caminhando, o seu rosto em fibras, e as crianças que correm nas ruas, na distância dos gabinetes técnicos e da luta política pelos poderes: tanta vida vã, tantas ilusões substituindo a única felicidade possível: a do recolhimento para a busca do simples.

A flor do sabugueiro que por acaso vi quando retornava do Jardim Vila Nova, a flor da vida vivida, que longe da inútil fúria dos que desconhecem a primazia das crianças sem almoço, desabrocha: edifícios erguidos na argamassa da retórica, políticos que envergonham a nação que em mim pulsa.
É preciso o olhar poetizado para que o encontro se manifeste na explosão da alegria frutífera, não apenas de desfrute, mas que seja o outro lado do sofrimento e da dor, aquela que poderá significar aprendizagem. Essa é a verdadeira alegria, sinônimo de felicidade. A alegria da produtividade, a frutífera. Olhar poetizado é o resgate do menino, da criança, é o olhar da morada da poesia, onde, entre outras coisas, dos animais não seja roubada covardemente a possibilidade da vida em plenitude.

Deixe os políticos lá fora!

O pensamento originalmente repleto de bondade, de felicidade de lápis de cor, deve ser com persistência buscado, cicatrizado, o peso da sua transformação na vida sem autenticidade, que na busca do bem longe do essencialmente simples se agigantou: tal peso deverá ser esfarelado e se dissipar como fiapos de fumaças num final de tarde de fogueira morrendo.

E ele há de surgir glorioso, e o olhar poetizado será a bússola a descrever o arco-íris autêntico, e a flor do sabugueiro será tão importante quanto as crianças do Jardim Vila Nova, acima dos poderes da política.





MARCIANO VASQUES


CASA AZUL DE PALAVRAS - TEXTO 6

ÉDIPO



ÉDIPO

Numa bela manhã ensolarada, Laio tomou por esposa a filha de Meneceu, a bela rainha Epicasta, apelidada de Jocasta.

Laio, ao receber a notícia da gravidez da esposa, foi ao Oráculo de Delfos para saber sobre o destino do filho.

O Oráculo deu a notícia que um pai jamais queria ouvir:

- Ela terá um filho que o matará e se casará com a própria mãe.

O choro de Jocasta invadiu o ar e entristeceu o dia.

Insuportável acreditar que o fruto de seu ventre teria um destino tão trágico, melhor não acreditar nos deuses, pois tal previsão é injustificada.


Tentou abortar.

- Vamos aguardar, não é justo você matar o próprio filho. Talvez a previsão não se cumpra ou talvez nasça uma menina. Sim, uma menina evitaria a tragédia, não faça nada, querida, vamos esperar...


Vendo o quanto o pensamento de Laio era prudente e sensato, Jocasta decidiu seguir a sua vontade e desistiu do aborto. Não mataria mais o filho antes do nascimento.

No parto, o pai pega o filho e não deixa Jocasta ver, entrega-o para um escravo, após colocar a criança num cesto.

- Era um menino! – disse, ao ver que Jocasta procurava ansiosamente ver o filho.

As lágrimas da mãe encheram de dor o coração de Laio, mas não havia outra alternativa. Precisava se livrar daquela criança, para evitar a tragédia anunciada pelo Oráculo.


O escravo levou a criança para o monte Citéron. A cada passo, a sua indecisão aumentava. O seu coração apertava. Não se conformava com a missão que recebera do amo. Como poderia matar uma pobre e indefesa criança? Como poderia tirar a vida de alguém que nenhum mal fez ao mundo? 

Não poderia cumprir tal tarefa.

Não teve coragem de matar o bebê.


O bondoso escravo, com os olhos marejados, perguntava ao pequeno:

- Como posso fazer para salvá-lo? Diga, meu querido! Por favor... Não faça isso com esse pobre homem...

Como não teve a coragem de matar a criança, decidiu aleijá-la.

- Sim, querido, vou aleijá-lo para salvá-lo...

Perfurou os calcanhares da criança.

Abandonou-a no cesto, na beira do rochedo.

Prometeu, atrás de uma rocha via tudo.

- “Como são tolos os homens!” – pensou o titã.


- “A vontade modifica a profecia. A vontade divina pode ser modificada pela ação do homem, mas ele não sabe, e se entrega, se abandona diante de uma simples profecia, mal sabe que com essa atitude, traça o rumo da profecia. Se quiser, pode invalidá-la”.

Um pastor aparece.

Prometeu observa.

O pastor recolhe a criança. Entrega-a para a esposa, que a amamenta.

O bebê é amamentado pela esposa de Forbas, o pastor.


- Ele se chamará Édipo.

A criança trouxe dias de felicidade para o casal, mas, impossibilitado de criá-la, decidem entregá-la para alguém. Vão à Corinto.

O pastor entrega o pequeno Édipo para Pólibo, rei de Corinto.


Acreditando que a criança fora enviada pelos deuses, Pólibo a recebe e providencia os cuidados. O pequeno é tratado pelos médicos da corte, e cresce amado pelos pais e pelo povo de Corinto.
Pólibo e Mérope não descuidam um só dia da educação e do desenvolvimento afetivo de Édipo.

Na adolescência, Édipo foi ao Oráculo de Delfos.

O que ouve acaba prematuramente com a sua paz. O que fazer diante de uma previsão como a que o Oráculo lhe revela?

Melhor não acreditar, mas Édipo acreditou.

- “Você está condenado a matar o próprio pai e se casar com a mãe!”.

Apavorado, Édipo quis contornar o destino anunciado pelo oráculo.

Não voltou mais ao Corinto.

Decidiu tomar outro caminho. Montou em seu cavalo e seguiu rumo oposto ao da sua cidade.

No caminho encontrou uma carruagem.

Seu bastão caiu. Ele parou o cavalo e desceu. 

Como sempre, enfrentou dificuldades para montar no animal.

O cocheiro o maltratou e quis afastá-lo.


- Seu manco desgraçado! Saia do caminho!

Furioso, Édipo o matou.

O rei Laio saltou da carruagem e o atacou.

Com um bastão matou o rei e um escravo, que desceu em sua defesa.


O último dos passageiros, um escravo, conseguiu fugiu e, covardemente, abandonou os outros.

Ao chegar em Tebas, o escravo, para ocultar a sua covardia, adulterou o acidente e forjou uma narrativa. Inventou os bandoleiros, dizendo que a carruagem fora atacada por um grupo em vez de apenas uma pessoa.

O protagonista das mortes da carruagem decide tomar o caminho para Tebas. Encontra um ancião.

- Não vá para Tebas!

- Por que não devo ir para Tebas?

- Por causa da esfinge.

- Esfinge?

- Um monstro que guarda a entrada de Tebas. Metade mulher, metade leão, com alto poder destrutivo. Propõe enigmas indecifráveis. É terrível! Ninguém decifra os seus enigmas. Todos os jovens que tentam entrar em Tebas são mortos.

Ao chegar nos portões da cidade, Édipo encontra a terrível criatura que lhe propõe um enigma.

Édipo consegue decifrá-lo.

A esfinge derrotada se atira de um rochedo. Édipo destruiu o monstro.

Entra em Tebas aclamado pelo povo.

Levado à presença de Creonte, o irmão de Jocasta, que assumira o trono após a morte de Laio, o recém-chegado se apresenta:

- Sou Édipo, de Corinto.

- Você será condecorado. Além disso, a mão de Jocasta estava prometida para aquele que conseguisse matar a Esfinge.

Édipo e Jocasta se casam.

Festa simples por causa da recente morte de Laio.

Nos aposentos,
Édipo é seduzido pela beleza da mulher que ignora ser a própria mãe.

- “Como é bela! Como é atraente!”

- “Procure a mulher dentro de si!” – ouve uma estranha voz.

- O que foi, querido?

- Devo estar perturbado com a sua beleza...

- “Você é muito jovem. Deve ter sido enviado pelos deuses!”

Os amantes vivem a sua primeira noite.

Felicidade.

A felicidade às vezes é um enigma indecifrável.

Tiveram filhos: Polinice, Ismênia, Etéocles e Antígona.

Todos os filhos são iguais em amor, mas Édipo sempre foi muito apegado à Antígona. 

Prosperidade em Tebas.

A cidade se desenvolveu e o povo viveu em felicidade.

Um dia algo terrível desabou sobre todos.


Uma peste arrasou a cidade.
O povo foi dizimado. A fome se alastrou como um monstro voraz, a aridez a tudo assolou.

Destruição.

O Oráculo: - “A peste é uma vingança divina. Um alerta”

- “O que isso significa?”- perguntou, Édipo, incrédulo.

- “Não foi vingada a morte de Laio”- resposta do Oráculo.

Édipo foi ao adivinho Tirésias.

- “Édipo, rei de Tebas, matou o rei Laio, seu pai, e se casou com a própria mãe.”


O adivinho nunca falhou.

Édipo discute com Tirésias. Creonte interfere. Jocasta conciliadora, afasta Édipo de Tirésias e Creonte e termina com a discussão.

À noite, Édipo conta a Jocasta sobre a previsão do Oráculo e sobre as palavras de Tirésias.

- Laio matou o próprio filho no monte Citéron e recentemente foi assassinado por um grupo de bandoleiros saqueadores.- retruca Jocasta.

Édipo, intrigado com a previsão do Oráculo e com a revelação do famoso adivinho, manda chamar o escravo que contou a história dos bandoleiros que atacaram a carruagem e mataram o rei.


O escravo é buscado no campo.

Um mensageiro de Corinto chega anunciando a morte de Pólibo.

- “Sua mãe Mérope quer a sua volta, o seu retorno.

- Não posso retornar. Aqui é o meu lugar, ao lado de Jocasta, ao lado dos tebanos, meus fieis amigos.

- Você não é filho de Pólibo. Foi recolhido por ele das mãos de um pastor".

Édipo estremece.

O escravo chega.

- Jamais disse a alguém que foi o meu amado rei que matou Laio. Fui um covarde abandonando os companheiros mortos e para esconder essa minha covardia, inventei a história dos bandoleiros.

Transtornado, Édipo principia a chorar.

- Fui eu que fiz essas marcas nos seus pés! – disse o escravo.

- Chega! Já não me bastam as outras dores? O que mais tem para me revelar? Saia daqui. Deixe-me em dores.

- Perdão. Não pude matá-lo! Como pode ver, sempre me faltou a coragem. Naquele dia não suportei o seu choro e não tive coragem de matar um pobre bebê e o deixei abandonado num cesto, porém fiz as marcas em seus pés para que nunca fosse identificado. Perdão.

Com o rosto encharcado de lágrimas, foi ao encontro de Jocasta, passando pela amada filha Antígona, que o olhou com olhar invadido por uma profunda tristeza.

Encontrou Jocasta sobre o leito. Ao se aproximar viu que estava morta, enforcada.

Antígona, que o seguiu, banhou o rosto de pavor ao ver a cena mais cruel da sua vida: um homem manco, desesperado, chorando inconsolável diante do corpo sem vida da mãe. Desesperado, arrancou um broche de Jocasta e rasgou os próprios olhos.


Aquele que nunca conseguiu ver as coisas que se apresentavam em sua vida, agora estava cego.

- Sou um incestuoso assassino!

- Não! Você é meu pai. É isso que você é, o meu pai querido.

Pai e filha se abraçam num charco de lágrimas que almas feridas costumam presentear aos olhos.

- Irei com você,- diz Antígona, decidida-, irei com você, meu querido pai! Estarei sempre ao seu lado. Onde você estiver, estará Antígona.

A fortaleza da voz da filha perfura o bloqueio da dor de seu coração e Édipo se reanima.

Passam pela multidão, que num comovido silêncio, abrem passagem para um manco cego abraçado com uma moça que a cidade aprendera a respeitar.

Antígona e Édipo deixam Tebas.

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ÉDIPO: Recontado por Marciano Vasques

 

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