sexta-feira, 29 de junho de 2012

CONFESSO




Confesso que já fui
boi de piranha,
Que já estive
à beira de um penhasco.

E na garganta
O asco,
de não poder ladrar
o coito do veneno.

Depois no sereno,
pude fraquejar,
Na sombra do desejo,
de estar nos olhos teus.

Manhãs de desafeto,
um brinde à solidão,
que aos poucos faz morada,
na falta de atenção.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A MEDUSA DE CADA UM

—Já encarou a sua Medusa hoje?
—Que papo estranho é esse, Rospo?
—Encarar a Medusa é justamente petrificar-se, ficar de frente para a sua própria vaidade.
—Como é?

sábado, 23 de junho de 2012

REMOVER SIM, REMOER NÃO!


Ao encontrar um amigo, Rospo observa seu semblante cabisbaixo e para romper a mudez arrisca um diálogo.
O que está acontecendo, amigo?
Tudo anda difícil. Não consigo nem pensar direito. São tantas as dificuldades...
Sei, está remoendo.
E deveria fazer outra coisa?
Sim, tem sapo que neste mesmo instante está removendo.
Remoendo, removendo. Aprecia brincar com as palavras, não é, meu amigo?
Remover é mover novamente, mas também é um remo que movimenta o olhar. Remover pode ser remar a visão. Remover pode ser desentulhar a mente. 
Lembra do que me disse em nosso último encontro?
Perfeitamente. Nos despedimos sob José Ortega y Gasset...
"Eu sou eu e minhas circunstâncias", vive a repetir isso, Rospo.
Considero interessante. Mas compreendo também que a serenidade socrática nem sempre é possível. De qualquer forma, quero que saiba que entre se pôr a remoer e a remover, melhor sempre optar pela segunda.
Falar sempre é mais fácil.
Nem sempre. Às vezes, falar é o mais difícil.
Rospo, passei a vida inteira ornando o meu ser, e agora, estou numa indecisão tremenda. Todo desesperado.
Num certo momento, de nada adianta emplumar-se a alma, quer dizer, de nada adiantam solenidades. O que importa para o ser são os cuidados. Se você descuidou-se de si, não viverá o apogeu da alegria. 
Rospo, seja mais claro. Excesso de leitura deu nisso?
Ao contrário. A leitura torna o ser mais claro, mais objetivo, mais nítido...
E por qual motivo então do lado de dentro do muro tantos se tornam cada vez mais labirínticos, mais complicados, com o pensamento mais rebuscado, mais enigmático? Seria excesso de prevenção? Seria uma espécie de égide? Um escudo usado para se preservar da "ganância" popular em se adentrar no mundo da Filosofia?
Meu amigo, você está de bem com a vida, só não se deu conta. O que significa que está na hora de remover os entulhos que tanto o incomodam.
Sabe, Rospo, talvez eu necessite do amparo da solidariedade dos amigos.
Será que esse amparo, no seu caso, não seria por acaso, um sentimento gerador de pena comunitária? Às vezes a tristeza é tão atraente! Frequentemente o fracasso é regozijo da alma alheia. Deve ter reparado o quanto é difícil para a maioria aplaudir o sucesso de alguém próximo? Se você se mostrar remoído, certamente despertará paixões improdutivas...
É muito para a minha cabeça, Rospo. Deixe-me aqui remoendo. Isso me causa um certo conforto.
Pois então que continue a viver confortavelmente. Cá eu tentei removê-lo, mas parece que a argumentação está encontrando bloqueios sedimentados. Tchau, meu querido.

No caminho, Rospo encontra a velha amiga.
Sabapela!
—Rospo! Agora meu coração sabadoficou.
É?
Não está vendo? Sabadofiquei-me. Veja como estou alegre.
Para onde vai, amiga?
—Vou à padaria Rubi, comprar o pão nosso...
Sorvete?
Viva! O sábado começou! Venha comigo.
Como estão as dificuldades, querida?
—Clamando para serem removidas, meu amigo.
—E como se faz isso, minha bela?
—Enfrentando-as;
—Ás vezes as dificuldades são tão poderosas e imensas que parecem até deusas.
—E daí? Sou uma titânide.
Yupiiii!




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 786


Marciano Vasques



sábado, 16 de junho de 2012

SÁBADO DE NANQUIM E SORRISOS

Lá estava o Rospo sabadoficando.
—"Como é bom não ter compromisso! Poder caminhar na calçada sem rumo."
Falando em rumo, encontra a amiga Sapabela.
—Rospo!
—Bom dia, Sapabela. Eu a convido...
—Aceito!
—Então, vamos até a padaria, e durante o sorvete conversaremos um pouco. Está com um bom sinal de domingo no rosto.

—Você disse Rospo?
—Rosto, Sapabela. Rosto.
—Mas que bom sinal é esse?
—Está sorridente, amiga. 
—Interessante, lembro de como as palavras se formam.
—Sei, pensou que aguardente surgiu da junção de água ardente, e que sorridente...
—Não é?
—Pode ser. Na verdade, até um sorriso suavemente meigo pode ser ardente pelo que ele pode desencadear. Todo sorriso é uma pausa no cotidiano para a vida suspensa que está precisando ser vivida. O sorriso é o encontro com algo que nos resgata.
—Por acaso desencadearíamos um domingo ao sorrir?
—No acaso acuso você de poesia, Sapabela.
—Rospo, que saudades você me traz...
—Saudades?
—Andar pela cidade, assim, solta e feliz, como sempre fui. Incrível! Como sou feliz, Rospo! Como é feliz uma sapa que caminha numa calçada de manhã azul num sábado e encontra o seu amigo de conversas versadas...
—Pois é, pelo visto... e pelo vasto, já entendeu bem o que eu quis dizer com o sinal de bom domingo. É tudo isso que o seu sorriso traz. Sou privilegiado. 
—Onde começou essa certeza de que você é feliz, Rospo?
—Eu disse isso?
—Estou vendo os sinais em seu rosto.
—Começou certamente nas tiras de nanquim.
—Ainda pensa nelas, não é?
—Sabe, Sapabela, sou aceito pela tecnologia, estou plenamente inserido na maravilha de estar aqui...
—Aqui...
—Também ama essa palavra?
—Sim. Como é importante o AQUI, mas continue. Você dizia que estava plenamente inserido na época...

—Mas jamais sairá de mim o gosto pela tinta nanquim, no papel, e meus olhos percorrendo aqueles quadrinhos. Isso ninguém tira de um menino jamais, mesmo que ele tenha se tornado um sapão.
—Rospo, que sorvete feliz! Estou sabadoficada.
—Mas com o sinal de bom domingo no rosto.
—Faz aquilo, Rospo.
—Estamos na padaria. O povo ainda está meio sonolento.
—Acorde o povo, ora!
—Está bem: Yupiiii!
—Rospo, obrigado por tudo, principalmente pelo seu Yupiiii!
—Sapabela, é muito privilégio para um sapo só. A memória do nanquim no papel e o seu sorriso de sinais.
—Rospo, que vontade de expôr para as minhas colegas a minha felicidade.
—Sempre surge essa vontade, minha querida. No íntimo de seu ser é a velha necessidade filosófica de repartir a felicidade...
—Mas sempre tenho receio. Às vezes, ao repartir com muitos, você acaba ficando sem. Nem todos torcem por mim...
—Você não precisa de torcida, Sapabela. Precisa lançar o seu sorriso sobre a vida distorcida que por acaso possa encontrar no cotidiano e seguir em frente num azul ciano de céu querendo ser dominical. 




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    —785
Marciano Vasques

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A RECEITA INFALÍVEL DO SAPO

—Rospo no ponto de ônibus esperando a amiga Sapabela quando chega uma conhecida e a conversa toma gosto.
—Estou chateada, Rospo, nada dá certo. Tudo que eu planejo sai errado. Não suporto mais isso.
—Que coisa!
—Nada dá certo, amigo. Sempre algo de errado acontece.
—Está se sentindo infeliz?
—Infeliz, frustrada, estou me sentindo um bagaço, uma vala, Rospo.
—Tenho uma receita infalível que fará com que se sinta melhor. Funciona mesmo. Pelo menos, com a maioria sempre resolve.
—Qual é essa receita, amigo? Diga!
—Ponha a culpa em alguém. Arrume um culpado. Culpe o outro.
—Eu sempre faço isso, quer dizer, jamais faria tal coisa, Rospo. Onde já se viu? Culpar os outros pelos nossos fracassos?
—Primeiro que essa palavra "fracasso" é muito forte, não pode ser usada em vão. Segundo, essa receita é infalível mesmo. Você culpa alguém pelos seus erros, pelas suas confusões, e se sente mais leve, parece que fica melhor quando joga para outro a responsabilidade das suas mancadas...
—Sei não, Rospo.  No meu caso não adianta. Posso até culpar alguém, arrumar um culpado, mas vou continuar fracassando.
—Querida, a nossa conversa está uma beleza, mas o ônibus chegou, e a Sapabela está nele. Tchau, boa sorte.
—Tchau, Rospo. Divirta-se. Eu ficarei por aqui lamentando a minha falta de sorte.
—Tchau, amiga, e não se esqueça:
—?
—Procure o outro.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 784

Marciano Vasques

quarta-feira, 13 de junho de 2012

DOCE DEMAIS ENJOA?

—Doce demais é enjoativo.
—É?
—É!
—Pensa isso mesmo, Rospo?
—Eu? Não!
—Por qual motivo falou? Está querendo uma conversa?
—É que alguém escreveu isso, em algum lugar na facesfera.
—Compreendo. Mas, você concorda?
—O doce se reparte em mil sutilezas, meu bem. A vida é repleta de doces, precisamos primeiro situar a qual doce devemos nos referir. A voz doce da sapa amada jamais será enjoativa. A doçura nas coisas de que fato importam, como poderia enjoar? O doce metaforizado na poesia, jamais seria enjoativo, desde que a poesia transporte a alma do esmeril da palavra. A amizade de uma doçura autêntica jamais poderia ser enjoativa. Um doce não compactado, não enjaulado, como deveria pois enjoar?
—Vamos simplificar, meu doce amigo?
—Sapabela, veja só: se estiver se referindo ao doce que contém açúcar, ou seja, se estivermos num eixo fora da literatura e da leitura, que também é doce, originalmente todo doce, ou seja, todo alimento doce, poderia ser enjoativo, mas esse "poderia" é importante.
—Com efeito, o "futuro do pretérito" deve merecer toda atenção. Poderia falar mais desse poderia?
—O doce de abóbora, que era feito no panelão, no caldeirão, na infância de algum sapo, jamais será enjoativo, mesmo que resista ou sobreviva apenas na memória afetiva.
—Eu jamais enjoaria de doce de abóbora.
—Nem eu. Resumido: Nem sempre tudo que é doce enjoa.
—Verdade, Rospo. A amizade trançada em versos e conversas palmilha delicadezas de azulejos num alvorecer de sol acanhado.
—Sapabela, sempre fico feliz com essa invasão da alma lusitana em nossas conversas.
—Que doçura!




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 783
Marciano Vasques



segunda-feira, 11 de junho de 2012

O CHAMAMENTO DA LITERATURA

—Rospo, estive pensando: o filósofo é um ser para a vida, não é?
—Sim, um ser para a felicidade.
—Como seria o mundo se Epicuro tivesse vencido, em vez de Platão? 
—Boa pergunta, Sapabela. 
—E a boa resposta, Rospo?
—"Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades."
—Que mais, Rospo?
—"Não temos nada que temer aos deuses."
—Qual é para você o filósofo da felicidade?
—Espinosa.
—Sofreu muito.
—Que encanto a sua vida!
—Acredita em outra possibilidade para a filosofia?
—Não. Só a felicidade. Se a filosofia não causar alegria no ser, não terá cumprido a sua essência.Os momentos de tristeza da humanidade foram momentos de afastamento da alegria da filosofia.
—A filosofia tem uma irmã?
—Tem, a literatura.
—É possível afirmar que a literatura é também alegria e felicidade?
—Sim.
—Mas tem literatura que nos leva à reflexão, e outras que abordam questões tristes...
—Por isso mesmo.
—Esmiuçando, por favor.
—O leitor apaixonado fica feliz diante da reflexão. Esse é o bem maior da literatura. Assim, dessa forma, veja só: mesmo quando a literatura expôr situações de tristezas e infortúnios da humanidade, estará regando o espírito do leitor.
—Gosta da palavra espírito, não é, Rospo?
Sanchoniaton !
—Isso é uma gíria nova?
—O "espírito" não tem aqui nenhuma conotação religiosa. É a palavra em seu sentido filosófico.
—Verdade que ganhou um livro de Goethe de presente de aniversário e nunca leu?
 Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. Mas li pelo menos umas cem páginas.
—Pretende ler o livro inteiro, Rospo?
—Pretendo, Sapabela, só não sei quando.
—Sobre a literatura eu pensava que só a infantil fosse sinônimo de felicidade.
—Nada, menina!
—Nunca me chamou assim. Gostei.
—Eu também, Sapabela. Veja só: às vezes sinto uma felicidade estranha. Essa felicidade estranha é a literatura. Quando Montaigne falou que na biblioteca estão os melhores espíritos, os espíritos encantados da humanidade, ele se esqueceu de dizer que esses espíritos estão com você, em você quando subitamente sente uma vontade inexplicável de reler um livro. 
—Uma das maiores tragédias da humanidade foi o incêndio que destruiu a biblioteca de Alexandrina. Como será no futuro, se as bibliotecas, dizem, serão todas virtuais? Estarão preservados para sempre o tesouro infinito? Mas fale da vontade inexplicável.
—Sim, repentinamente surge aquela vontade de reler um livro, de Jorge Amado, por exemplo, como Jubiabá...
—Felicidade pura.
—Ou "Memórias de minhas putas tristes", ou "Tia Júlia e o escrevinhador"...
—Como você explica isso?
—É o chamamento da literatura.
—Chamamento da literatura?
—Acredite! Quando você está em certas circunstâncias cotidianas a literatura a chama.
—A poesia sempre pisca pra mim.
—Pois é, esse chamamento é um mecanismo de defesa interior da mente, que busca, sempre, a felicidade.
—Rospo, e eu comecei falando de filosofia.
—Dessa irmandade não escapamos, Sapabela.
—Vamos ao nosso chocolate expresso?
—Sim, vamos, esse é o chamamento da amizade.
—Só me faz rir, Rospo.

HISTÓRIAS DO ROSPO —792
Marciano Vasques

sexta-feira, 8 de junho de 2012

FALANDO DE RALACIONAMENTOS

Rospo encontra uma amiga.
—Rospo, não consigo me entender com meu namorado.
—O que não acontece?

quinta-feira, 7 de junho de 2012

CHOCOLATE E ANIS

—Sapabela!
—Rospo! Que alegria vê-lo, e que frio!
—Frio e chuvisco, Sapabela, isso pede um chocolate quente... na manhã, e um vinho à noite.
—É mesmo! Bem, estamos na manhã.
—Topo!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

AS AMIZADES DO SAPO

—Sapabela, lembra de quando nos conhecemos?
—Claro, Rospo, como poderia esquecer? Você fez um escândalo quando me viu saindo da floricultura.
—Foi a primeira vez que vi uma flor fugindo da floricultura.

LÁPIS

Toquinho,
         Pequeno,
                   Meu bonito.
Ainda bem
que passei
por aqui.
Por acaso
és um lápis,
que,
ao ocaso,
encontrei,
na calçada,
onde andei.

Lápis!
    Lápis!
       Lápis!
           Lápis!
Enquanto fores um bem,
haverás de ser
mais além.

Serás o aperto
dos dedos
da mão de alguém.


O que se escreveu, também.


Marciano Vasques

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