sexta-feira, 26 de março de 2010

MENESTREL DOS TONS VELADOS


  

MENESTREL 
DOS 
TONS VELADOS


 

 

“O que lemos, ninguém mais tira de nós”
Di Cavalcanti
 

Filho de um militar e sobrinho do jornalista José do Patrocínio, Emiliano nasceu na casa de seu tio no final do século XIX, no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, com o nome completo de Emiliano de Albuquerque Mello.
Alfabetizado aos quatro anos, passou a infância lendo, desenhando e visitando o Museu Nacional Imperial, que tanto adorava. Nas tardes passava horas observando os pescadores e os estivadores.
Além do contato com a música desde cedo, foi instruído por intelectuais como Joaquim Nabuco, Olavo Bilac e Machado de Assis. Aos doze anos entrou no Colégio Militar, mas lá ficou pouco tempo, por não concordar com o pensamento e a disciplina militar.
Passou a adolescência lendo Machado de Assis e Aluísio de Azevedo, e admirando, com intensa alegria na alma, os circos da cidade e os cordões carnavalescos. Tinha uma grande paixão: ir ao cinema.
Quadro de Di Cavalcanti - Carnaval - Reprodução
Além dos desfiles de carnavais na principal avenida de São Cristóvão, apreciava loucamente os bailes de salão. Emiliano foi crescendo e vendo surgir na sociedade de sua cidade a “Belle Époque”, período de muito luxo e lutas sociais, que atraía imigrantes para o Brasil.
Com a “Belle Époque” e a vinda dos imigrantes, surgiam no país as idéias anarquistas contrarias à burguesia. Com a nova urbanização do Rio, foram os cortiços demolidos e apareceram os barracos nos morros, e com eles em pouco tempo as escolas de samba, fundadas pelos moradores do morro, proibidos de participarem dos luxuosos desfiles de carnaval.
O jovem Emiliano não permitira que o espírito da “Belle Époque” penetrasse totalmente em seu coração (copiar Paris, etc); sozinho pelas ruas do Rio adorava caminhar, observando a vida de seu povo, o vento bailando entre os coqueiros, a graciosidade das mulheres e a beleza da miscigenação.

Mulheres e frutas - Reprodução
Aos quatorze anos, ao ter a sua primeira caricatura publicada em uma revista, adotou o nome artístico de Di Cavalcanti. Após a sua estréia na revista “Fon Fon” passou a produzir capas para diversas revistas. Ilustrando também as capas dos livros de seus amigos Guilherme de Almeida e Mário de Andrade, tornava-se um pintor conhecido nacionalmente enquanto, utilizando o pseudônimo de “Urbano”, satirizava em caricaturas as personalidades poderosas de sua época.
Em poucos anos o seu nome passou a circular entre intelectuais e artistas gráficos. Tornou-se amigo de Tarsila, de Oswald de Andrade, de Mario de Andrade e outros. Quando esteve pela primeira vez na casa de uma jovem chamada Anita Malfati, impressionou-se com a sua arte e foi o grande incentivador da artista, que graças ao seu apoio, realizou uma segunda exposição, chocando novamente a cidade, que já havia se escandalizado com ela quando da primeira mostra.
Chamado por Mário de Andrade de “Menestrel dos Tons Velados”, Di pintou quadros de beleza contagiante, como “Mulher em pé”. Um dia, inspirado por uma Semana Cultural européia, teve a idéia, que logo se propagou entre seus amigos, de realizar uma Semana de Arte Moderna, que viesse a transgredir os padrões artísticos e morais de sua época.
Com entusiasmo organizou o evento, que resultou na “Semana de 22”, horrorizando a sociedade paulistana, que vaiou a apresentação dos poemas de Mário de Andrade e a música de Villa Lobos. O polêmico acontecimento tornou - se um marco histórico do rompimento com a arte acadêmica e o conservadorismo da época.
Convivendo com os operários e sensibilizado com as injustiças sociais que presenciou a partir de 1924, ingressou em 1928 no Partido Comunista.
Revista Fon Fon - Reprodução

Dessa época são os quadros como “Gasômetro”, pintura de profundo sentido social, que retrata no óleo sobre tela as desigualdades sociais e o sofrimento do povo.
O seu povo, que ele tanto amou, em cores vivas em suas telas está presente. Operários, pescadores, mulatas, gente sofrida, com intensa paixão pelo artista retratada

É preso em 1932 durante a Revolução Paulista. Após permanecer alguns meses na prisão, volta a produzir, satirizando em suas obras o militarismo. Casou-se em 1933 com uma jovem pintora, com quem viaja para o exterior. Ao regressar ao Brasil é duramente perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas.
No final da década de 40 separou-se da artista Noêmia Mourão, passando a viver nos inícios dos anos 50 com uma inglesa, por quem se apaixonara: a intelectual Beryl, tão belamente por ele retratada.

Consagrado pela crítica, premiado nacional e internacionalmente, Di tornou-se o artista da alma expressiva do nosso povo. Entre outras glórias, recebeu de Oscar Niemeyer o convite para pintar as estações da via-sacra para a Catedral de Brasília, que estava pelo governo JK sendo construída.
Convidado pelo governo de João Goulart para ser adido cultural do Brasil na França, não pôde assumir, por causa do golpe militar que instaurou a ditadura no país.

O amigo de Pablo Neruda, Jorge Amado e de Vinícius de Morais, que com as cores do seu amor transportou para as telas as aldeias de pescadores, faleceu em 26 de outubro de 1976.

A “Menina em Paquetá”, com sua bicicleta entre os coqueiros, sempre estará nos corações que sinceramente amam o Brasil.

Mural Di Cavalcanti
MARCIANO VASQUES
CASA AZUL DE PALAVRAS - TEXTO 9

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