sexta-feira, 11 de junho de 2010

CUIDADO COM O OGRO







Estava em minha Sala de Leitura, onde atuava como contador de histórias, quando uma professora, que também era psicóloga, veio a mim eufórica dando a notícia de um novo filme no cinema, que "é espetacular", tratava-se do Sherek. A novidade e o motivo da euforia era o fato de que o filme estava de acordo com a época.  Extremamente atual, debochava, brincava e desmoralizava com os contos de fadas. Era o próprio Século XXI chegando às telas.
Fiquei desconfiado.
Fui ao cinema. Claro.
Nas primeiras piadas, percebi que era uma película para adultos, mas disfarçada de infantil. As crianças também riem de algumas tolices. É evidente. O filme era divertido? Lógico que sim, Isso é inegável. Até o segundo deu para se dar risadas, o terceiro perdeu a graça, é como se o filão tivesse sido extinguido.
Ocorre que a fala da Psicóloga não me saiu da cabeça: desmoralizar os contos de fadas. Bem, há quem os renegue. Há quem os ataque. E há os que adoram contos de fadas. Mas eles estão aí, até hoje, fazendo a cabeça da criançada, e encantando com os seus castelos, as suas florestas, seus príncipes e suas princesas. E um detalhe, são para adultos também.
Quando a floresta deixa de ser um mistério, o homem lança o seu olhar para as estrelas, e o conto de fadas do século XX nos traz o ET, mas essa é outra parte da história.
Sherek é politicamente correto? Claro que não! O filme, de uma empresa chamada Dreamworks, de Spielberg e George Lucas, foi feito para concorrer e desbancar a empresa Disney, que ergueu o seu império graças aos Contos de Fadas, além da ajuda do ratinho. Sim, sim.
O que tudo isso tem a ver com o amor, com os namorados, com os sonhos? Tudo a ver. A psicóloga que também era professora estava certa. Sherek debocha e desmoraliza os contos de fadas, que para ela, representam o passado, o mais atrasado para as crianças, que já não são mais bobocas. Muito bem.
A desmoralização começa com o príncipe, o tal princípe encantado. E de que forma debochar e desmoralizar o príncipe? Fácil. Transforme - o num príncipe afeminado, num homossexual, num príncipe gay, assim o príncipe estará desmoralizado, e a criança irá dar gargalhadas, pois é desde cedo que os homens são ensinados e estimulados a rirem e a zombarem dos homossexuais. O Brasil talvez seja o campeão de piadas de gays, de mulheres, sobretudo loiras, e também de negros, claro que com o avanço e a persistência dos movimentos de luta dos negros, e as conquistas na legislação, poucos atualmente, pelo menos nas metrópoles, têm coragem de contar em público piadas de negros. Os hábitos estão mudando, uma nova cultura está se impondo, mas isso não significa que o Brasil deixou de ser um país onde o racismo ainda sobrevive. Sobrevive sim, não escancarado, mas disfarçado, sutil.
Está ai a receita de Sherek para desmoralizar os "atrasados" contos de fadas. O príncipe é Gay. E como ser Gay ainda é motivo de piadas e de deboches, principalmente nos programas humorísticos da TV, a criançada se esbalda de rir. Vamos desmoralizar o príncipe! Isso passou na cabeça dos que escreveram o filme. E o pequeno aprende que tem algo de vergonhoso na homossexualidade, algo de sempre muito cômico. O preconceito para ser incubado precisa ser estimulado desde cedo.
Mas o príncipe encantado está inserido num universo de sonhos e ilusões que são necessários para a vida. O príncipe encantado, assim como a princesa, são necessários para a criança, e a criança os compreende como arquétipos, como mensagens de uma utopia, de um ideal de virtude. Sim, príncipe encantado é um símbolo, nada além disso, Um ideal virtuoso, é nisso que reside a sua força e a sua presença.
A indústria cinematográfica não contribui em nada ao desmoralizar o príncipe e abalar um dos pilares do encantamento da criança. Recentemente uma jovem professora disse: "Quem não espera o seu príncipe encantado?" Não vejo nisso nenhuma alienação, pois o que se espera é o símbolo virtuoso, o príncipe representa a virtude, isso é o que importa. Não tem importância se na vida real os príncipes de verdade não tenham sido tão virtuosos. O que importa é que seja algo que ultrapasse, que transcenda o cotidiano e sobreviva no reino do simbólico.
Como posso falar de príncipe encantado e de princesas apaixonadas num mundo tão machista como o nosso! Veja como a América Latina é machista. Veja que no Brasil ainda homens espancam e dominam mulheres, alguns agem como coronéis, e as mulheres são submissas, muitas são assassinadas. Isso é uma anomalia, isso é um desvio. Todas as atrocidades são desvios. Tragédias como a Guerra do Paraguai e tantas outras, tudo contribui para que as anomalias prevaleçam. A verdade é inconteste: homens e mulheres nasceram para o amor.
A indústria cinematográfica quase sempre agiu de acordo com a mente do adulto. Apresentar Branca de Neve grávida de sete filhos, uma Cinderela boboca, para ela é fácil. E resumo aqui a minha defesa do príncipe, e também da princesa, e muitas são encantadas, dizendo que esperar por um ideal virtuoso não representa permanecer como uma idiota esperando, esperando. Nâo é isso. Principes e princesas vão à luta. Em Isolda, um único fio de cabelo desencadeia uma aventura extraordinária. Sempre foi assim. O rapto de uma Helena desencadeou uma guerra terrível. Mas príncipe ou princesa, por serem simbólicos, podem ser algo além da representação, da personificação, ou seja, podem ser um ideal de vida, um sonho, algo a se conquistar. O sonho de um escritor é a sua literatura. É a sua princesa.
Essa reflexão me pareceu necessária em pleno dia dos namorados. Independente de como venha a ser o sonho e o ideal de cada um, estou por aqui torcendo para que todos alcancem ou contemplem a chegada de seus príncipes e de suas princesas.
E quanto à Indústria Cinematográfica, é bom ficar de olho nela. Pensar sempre é bom.


MARCIANO VASQUES


MARCIANO VASQUES

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