domingo, 13 de junho de 2010

O CRAVO BRIGOU COM A ROSA

Marciano Vasques
  


O CRAVO BRIGOU COM A ROSA
 

 
 





A mais fecunda briga de amor aconteceu num jardim debaixo de uma sacada.
Já tive os olhos marejados em Juiz de Fora ao ouvir as vozes das professoras participantes da minha oficina cantarem com tanta suavidade a bela cantiga: “O Cravo Brigou com a Rosa”, que não posso me furtar ao prazer de cantarolá-la enquanto escrevo.
Como eu era feliz na rua larga! Ah, se essa rua fosse minha, não a teria deixado ir embora, com certeza teria impedido os tratores, teria impedido o asfalto e teria impedido os automóveis.
Hoje na distância compreendo que talvez naquela rua morasse um anjo que roubaria para sempre o meu coração, e a roda girava e a mão delicada de algum anjo que também já cresceu segurava em minha mão de menino frágil a cantar as cantigas da infância.
Sempre agradeço por ter escapado das apresentadoras de programas infantis, por ter escapado dos jogos eletrônicos e por ter escapado da falta de quintais.
E eu brincava de roda, e eu passava o anel, e eu cantava as cantigas, e o pirulito que bate-bate, e o gato da menina malvada que atirou o pau.
Cantigas maravilhosas... Algumas não politicamente corretas para o coração engessado do adulto, mas ricas e com forte e inabalável presença no coração infantil. Amo-as como um patrimônio que o tempo não destrói.
Tenho um amor profundo pelos animais. Sofro ao lembrar do primeiro cavalo que vi sendo chicoteado, sofro de verdade quando penso no coração do boi na hora da morte. Nenhuma cantiga prejudicou a minha formação, aliás, o boi da cara preta nunca me assustou de verdade.
Como elas fazem falta para as duas meninas que vi no metrô a pedir. E a outra que vi no semáforo. E como me emociono ao ver uma professora a cantar “O Cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada.”
A briga de amor despedaça o coração. A rosa é como qualquer mulher, o cravo é como qualquer homem. Quisera poder ver a compreensão no coração de todos a respeito da sobrevivência das canções de amor. O amor chamado de brega que pode simbolizar um romantismo alienado, mas está profundamente cravado na alma lusitana, sem dúvida resiste nas canções porque homens e mulheres se amam, e temos um jeito de ser que não nos abandona. Temos o coração e a alma sujos de boleros de amor. E às vezes nos despedaçamos numa briga de amor...
Mesmo com doutorado, lá no fundo, lá no íntimo de nosso coração estará sempre a herança dos povos que nos colonizaram. O amor que veio de longe...
Seja numa cena de “O Poderoso Chefão” ou numa de “A Casa dos Espíritos” sempre há de me emocionar ouvir e ver gente dançando ao som de “La Paloma”, porque a minha alma é assim...

E as cantigas resistem através dos tempos porque a criança insiste em continuar existindo. Numa ciranda gigantesca queria vê-las cortando de ponta a ponta o meu país, embaladas num acalanto de amor. Mãos delicadas e pequenas numa roda infinita a cantar e a cantar.
O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo ficou ferido e a rosa despedaçada...

O amor da cantiga é o amor que não se vai...



5 comentários:

  1. Nossa, que profundidade...
    O texto me fez reviver momentos únicos, plenos e felizes.

    Como seria bom se as almas continuassem puras como no tempo em que cantarolavamos sem ao menos nos preocuparmos com o que era dito...

    Praticamente todos os dias, o cravo brigava c a rosa, mas sempre se entendiam ao final... pelo menos nas minhas fantasias infantis... Era tudo tão mais simples!

    Obrigada pela viagem.
    Abraço na alma.

    PS: Quando tiver um tempinho, passa no meu blog pra gente trocar umas idéias. Será um prazer recebê-lo.
    //salto15vermelho.blogspot.com

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  2. Oi,
    Já acabo de visitar o seu blog, bem inteligente e arejado,e estou a segui-lo, para que possamos nos acompanhar. Obrigado pelo comentário, e pela sua presença. CASA AZUL DA LITERATURA estará sempre com as portas abertas. Concordo, era tudo mais simples. Estávamos numa roda, a girar girar girar, num entardecer feliz.
    Marciano Vasques
    O tempo não para!

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  3. Olá, Marciano, bem vindo ao meu espaço ocioso, vim retribuir a visita. Parabéns pelo blog.

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  4. Felicitaciones por el blog...te sigo.

    Me ha gustado mucho

    Saludos

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  5. Eu escrive um livro: Por que o cravo brigou com Rosa? http://www.bookess.com/read/6237-por-que-o-cravo-brigou-com-a-rosa/

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