quinta-feira, 25 de novembro de 2010

HEMATOMAS DA ALMA

    

HEMATOMAS DA ALMA    

É possível que você não suporte mais uma traição, mas a tenha que engolir em nome talvez do cotidiano, da sobrevivência, de algum relacionamento; talvez algo em que se agarrar, uma esperança virando fumaça, se dissolvendo no ar, se esfarelando entre os dedos, astros morrendo numa noite insondável.
É possível que você sofra calado, e perca a pureza anterior, que olhe os amigos com desconfiança, e encontre, ao descer os degraus, se rastejando em agonia, a sua fé no espírito humano.
É possível que você siga em frente porque afinal é a única alternativa, e talvez aprenda a trair, a compreender o jogo, e se veja de repente no meio de uma arena, numa disputa, num campeonato cujo troféu é a sua derrota.
Talvez tente preservar até a última gota do seu ser, proteger a sua essência das armadilhas da rotina traiçoeira, erguer uma ponte de concreto sobre o brejo da inveja, ser autêntico acima de todos os custos, manter-se fiel ao seu inegociável desejo, ao seu invendável querer, mas o seu coração, as seqüelas são incicatrizáveis, e acima de tudo, o que lhe remói por dentro são os hematomas da alma, machucados, palavras que o enganaram, falsos sorrisos, coisas pelas quais você nunca esteve preparado.
Pode ser que nem haja uma só testemunha do seu gemido, e a sonoridade do seu grito se desfaça no véu do esquecimento.
E no salão das vaidades, você passe como um vulto que não ousa se abandonar, que não ousa suportar a pequenez dos relacionamentos infrutíferos.
Tudo é possível, até mesmo resistir, e o enfrentamento na imensa batalha clame por uma força sobre - humana, pois sempre é mais fácil ceder, sempre.
Mas você é grande, e oferece o rosto ao vento, enfrenta o dia, ouve as piadas, observa o que se perde, o que se calou.
Você sabe que é preciso manter o coração limpo, mas as seqüelas são incicatrizáveis; e os hematomas da alma, sinais da resistência.
As decisões revelam a todo instante a força do seu caráter, do seu coração. Desde as mais simples, embora difíceis na sua simplicidade, como decidir entre comer um alimento rico em fibras ou um doce qualquer. Não é fácil, nunca foi, mas sempre valerá a pena varrer os porões da mente, limpá-los, enxaguar com o pranto da sinceridade, olhar para frente, e ver que o caminho é inesgotável, e ficará algo de você, pelo menos nas folhas verdes que tocou, mesmo que apenas com o olhar.
Algo de você compartilhando o tempo, passando heroicamente como tudo passará, tudo e todos, assim como tudo envelhece, mas ficará enquanto existir uma só memória, não morrerá completamente, porque afinal morrer é acabar. E quando partir, não será morrer.
Ficará algo de você como fica algo da semente que brota no chão, como ficaram no seu coração as incicatrizáveis seqüelas.
Ficará, da mesma forma como não é possível um curativo, algo que possa solucionar os hematomas da alma.


MARCIANO VASQUES


2 comentários:

  1. "Mas sempre valerá a pena varrer os porões da mente, limpá-los e exaguar com o pranto da sinceridade, olhar...." este é o reto agir, acredito nisto, lindo texto.
    Luz
    Ana Coeli

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  2. "Retorne isso como algo imenso que poderá devolver o sentido original de sua vida"
    Vim aqui é um deslocamento do coletivo, uma saida para o silêncio o cultivo da memòria, um feixe de LUZ, a prória canção, a pipa no céu azul...
    Maravilhoso, lindo mesmo!
    Luz
    Ana Coeli

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