sexta-feira, 25 de março de 2011

NAS ONDAS DO SAPINHO

— Rospo!
— Sapabela. Ela está aqui...
— Ela quem, meu amigo?
— A felicidade.
— Então vamos segurar na mão dela...
— Tem saudade da sua infância?
— Tenho. Algodão doce, balões coloridos, pirulito, correr na chuva, saltar valetas, empinar pipas, rodar pião...
—Nossa, Sapabela! Tudo o que o sapinho gosta...
— É porque a infância é uma só... Quem faz as demarcações são os sapos adultos... Falando em adultos, encontro alguns sapos que parecem que não tiveram infância, ou se esqueceram de que foram crianças...
—É verdade. Carrancudos, sérios demais. Incapazes de lambuzarem o dedo no creme do bolo. Nem mais erguem os olhos para o céu...
— Nem para ver uma pipa?
— Não! Nem para ver a cor da pipa...
— Nem para olhar o avião?
— Não!
— Nem para ver um balão?
— Não!
— Nem para apreciar o salto do gafanhoto?
— Não. Mas gafanhoto não salta até o céu...
— Nem para se apaixonar pela  lua, ou imaginar lutas contra dragões? Nem para deixar manchar de luar uma lágrima que molhou os versos que não podiam mais ser escondidos?
— Não. Sapabela. Tornaram-se adultos. Entendeu?
— Adulteraram-se.
— O que disse?
— Nada.
— E se cada sapinho também pudesse compreender e sentir que a sua mãe, o seu pai e a sua professora já foram crianças um dia...
— Ora, o Sapinho está tentando isso o dia inteiro, todos os dias, ele é um provocador... A mãe, o pai, a professora... Eles que têm que perceber, eles que têm que se deixarem levar pelas águas do sapinho...
— Entendi. Em vez de apenas fazer o bolo, o mais importante é sentar juntos para comerem o bolo...
— E se lambuzar com o recheio, e atirar pedaços de bolo, e cantar, e sorrir, e dizer para o sapinho. "Aqui estou eu! Eu sou esse alguém"...
— Entendi. Tudo é importante. Lavar e passar a roupa do sapinho e da sapinha é importante. Mas ter os olhos brilhando quando o sapinho ou a sapinha estão se vestindo para irem ao cinema ou ao sorvete, e ir junto, isso não tem preço...
— Acredite. Há muito menos distância entre a infância e a vida adulta... É só limpar os olhos e querer ver.
— E se deixar levar pelas águas do sapinho...
Que são de fato as melhores ondas.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 495
Marciano Vasques
Leia CIANO

Um comentário:

  1. Que apaixonante este texto,não canso de ler.
    Precisamos não esquecer dos dragões nem de se lambuzar de bolo..e se deixar levar pelas àguas do sapinho...bom demais te ler nesta manhã
    Luz
    Ana

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