domingo, 13 de março de 2011

O AVIÃO

Marciano Vasques
O AVIÃO
 
 
Quando para o alto apontei, os meus olhos se ergueram ávidos.

Berrei várias vezes o nome da coisa que entre as nuvens voava. O mais alto que pude para os sensíveis e atentos ouvidos de uma criança.
— Olha o avião! O avião! O avião! —  fiz o maior estardalhaço, e ela sorriu, e não despregou mais os olhos do céu, até a coisa no horizonte desaparecer.

Fiz isso seguidamente, sempre que aparecia um novo avião. Como morava em uma região próxima a um aeroporto,  foi fácil.

Quando pela primeira vez avistei um, ou melhor, os aviões que eu via quando tinha uns cinco anos, ou talvez quatro, e são os que na memória me chegam, eu pensava que tinha estradas no ar, pois afinal nada sabia do vôo, com exceção dos passarinhos que no invisível emaranhado do azul, acrobacias efetuavam. E ninguém tinha tido ainda um tempo para me explicar que aviões voavam. Minha mãe carvoeira sempre envolvida com a fuligem de cozinhar, ou então quarando roupas na grama do quintal, mesclando assim sua alma entre o carvão e a cândida, não tinha ainda se dado conta de que, naquela época, era necessário explicar a um menino que avião voava.

Lembro--me das suas aulas caseiras de como eu deveria me tornar menino pra valer: fura-bolo, mata-piolho e outras delícias sonoras com as quais me regalava, e ela que não ralhava quando eu ficava um tempão (para criança sempre tem que ser tempão) contemplando as espumas e o azul da água de anil da tina. Só o fazia quando via a camisa toda molhada e mandava-me correr para me trocar, pois podia pegar um resfriado, coisa da qual não me separava, pois tive uns incontáveis, alguns que me azedavam a vida com limão e pior, me deixavam sem poder usufruir o quintal, principalmente se garoava, aquela garoa tão delgada que em nada incomoda menino. Aliás, se nenhum adulto alertar, o pequeno nem repara na tal. Assim íamos, ela com os seus próprios e únicos recursos para me educar. Mas de avião não havia ainda falado.
Depois ficou fácil, pois vi nas histórias em quadrinhos um avião voando e caindo na selva e o protagonista, um herói japonês, um tal de Johnny Hazard, (são nomes que nunca esqueci, como Brick Bradford), ficara na mata abandonado, e para ser descoberto pôs os óculos sobre uns galhos repletos de folhas secas, e o sol escaldante começou um incêndio por causa da lente. Então não teve mais imaginação de estrada no céu. Passei a desenhar aviões e helicópteros na terra do quintal sem parar, graças àquele japonês de nanquim.

Durante alguns anos, até aos doze, mais ou menos, eu permanecia em diversas horas do dia a desenhar maravilhosas aventuras de heróis criados por mim na terra do quintal, com varetas formadas por pequenos galhos de plantas. Varetas que bem interpretavam o papel de lápis. Assim eu me quedava, minha mãe ficava preocupada. Achava que eu tinha algum problema. Não era normal um menino ficar tanto tempo assim parado a desenhar. Rabiscava sem parar, e criava uma legião de heróis, um Stan Lee dos quintais. Acho que nasci garatuja. Mas acontece que agora sempre me entristeço ao reparar no gigantesco desperdício que vejo nas escolas públicas. As crianças, e não apenas elas, pouco ou nada valorizam, de um modo geral, as folhas de papéis e os lápis que recebem. Eu não tinha papel, a minha oficina pedagógica era na terra do quintal. Que felicidade me invade quando desses momentos de doçura e encanto me lembro! Um menino ali sentado horas e horas desenhando com gravetos. Só parava para algum acontecimento extraordinário, como sair disparado para ouvir o "Juvêncio, o Justiceiro do Sertão".
Lembrei-me dessas coisas ao me recordar momentaneamente das minhas caminhadas com uma menina e da sua perplexidade encantada diante da visão do avião.

Mostre desde cedo para a criança a importância de ela olhar para o alto, é que lá pode estar, além das nuvens, das estrelas e dos passarinhos, um avião. E um avião é uma coisa gloriosa para os olhos de uma criança.

Hoje nenhum menino de cinco anos imaginaria uma estrada no céu para os aviões passarem, pois as crianças atualmente já nascem sabendo do vôo. Assistem na babá eletrônica não apenas aviões, mas heróis voadores, aos montes. Voar é do conhecimento infantil desde cedo.

Mesmo assim, é de fundamental importância para todos nós, os educadores do cotidiano, apontar para o alto e fazer um escarcéu quando passar um avião no céu. A criança necessita desde cedo aprender a erguer os olhos e se interessar pelas coisas do alto.

2 comentários:

  1. Hola Marciano.

    Si ojear con la cabeza alta.
    Las nubes, los aviones, las estrellas.
    Y ahora aquí en Valencia, ojear con la cabeza bien alta, mirar y ojear los cohetes que suben y explotan formando bellos dibujos y estrellitas de colores en el cielo.

    Enseñar a los niños a admirar, mirando, ojeando alto, bien alto.

    Un abrazo, Montserrat

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  2. Montserrat, querida,
    Veja o que o Rospo diz hoje na sua última história.
    Um abraço,
    Marciano Vasques

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