terça-feira, 19 de abril de 2011

19 DE ABRIL

— Rospo! Rospo! Rospo!
— Sapabela, calma! Pare com esse escarcéu.
— É que hoje é o "Dia do Índio"... Desça, Rospo! Saia dessa janela!
— Sapabela, quando eu era um sapinho as professoras pintavam o meu rosto, e eu ainda passava pelo portão ouvindo os elogios: Veja, que índio mais bonito!
— Que mais a escola fazia?
— Coloríamos umas atividades...
— Sabe, Rospo, nessas datas costumam trazer à lembrança o folclore... E assim falam da comida, da música, dos costumes, das danças, dos rituais, das palavras... Ou seja, nesse dia do Índio, parece que todos se lembram da contribuição cultural do Índio....
— Mas o índio não é só isso! Não é um folclore, não é uma tradição... O índio é um ser vivo, que vive em nosso próprio mundo, ao nosso lado, nos mesmos dias que nós...
— Os que restaram, não é, Rospo?
— Sim, este brejo era uma imensa nação indígena. Então chegou uma nova civilização, a européia, e essa nação quase que sucumbiu por inteiro ao massacre dos novos ocupantes da terra...
— O que importa é hoje, não é?
— Sim, hoje. Pois é no "hoje" que os índios vivem, e sobrevivem, e caminham nas calçadas das grandes metrópoles, e estão nas favelas, nos mocambos, nas roças, nos bares dos subúrbios, estão mascando as suas memórias, as suas dores... Mas também tem índios na Universidade, com doutorado, tem índio escritor...
— Eu vi uma menina índia, os seus olhos brilhavam...
— Os olhos de uma criança sempre estarão a brilhar... É assim que as gerações se renovam, e quando amanhece um novo dia, um novo olhar ressurge, e sobre os escombros as flores devolvem as cores, e a vida se refaz, pois essa é a sina cigana da vida: se refazer, renascer, recuperar a cada nova alvorada o carrossel do tempo...
— Eu queria ser índia...
— Sapabela, o que pensa hoje sobre a civilização e os índios?
— Não estou certa, mas penso que a cultura da humanidade com a sua história, e todas as ciências, e a arte, a maravilhosa arte produzida pelo espírito anfíbio, todas essas coisas têm de ser repartidas. E todos os benefícios da ciência, tudo tem que estar ao alcance de todos...
— Então os índios têm que ter acesso aos bens materiais, e à tecnologia que facilita a vida e aproxima as pessoas? Índio tem que usar celular?
— Naturalmente que sim...
—Mas, e a cultura dos índios?
— Ora, meu amigo. Ter acesso e se apropriar da cultura do mundo e das conquistas científicas, e também da arte, da bela arte dos tempos, não significa abrir mão de sua cultura, pois ela tem que ser preservada a todo custo... A globalização só tem sentido na repartição dos bens, que são de toda a humanidade dos sapos... Pertencem a todos. Mas as tradições, a cultura, isso faz parte da história e da memória de um povo. Se isso é destruído, o povo fica sem identidade, e um povo sem identidade é como um povo sem idioma... Ao contrário, o povo tem que transformar a sua história, a sua memória, os seus cultivos, em Literatura, que é a coisa mais sofisticada que o espírito inventou. Uma coisa tão curiosa, não é? O espírito leva para o papel o mundo e a vida, mas essas coisas não ficam aprisionadas, grudadas e imóveis no papel, elas voam, elas se expandem no ar quando um livro é aberto.
— A Língua de um povo é muito importante para ele?
— A Língua é a companheira de um povo. É o seu amor. Quando um povo protege a sua Língua, está cuidando da sua namorada maior.
— Você considera que essas datas são importantes? Elas são válidas?
— Sim, sempre que você cutuca a memória do cotidiano, você tem a chance, mínima que seja, de reduzir um pouco a pressa diária e até burilar com a alma da indiferença.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 534
Marciano Vasques
Leia CIANO

2 comentários:

  1. "A literatura é a coisa mais sofisticada que o espírito inventou.." Isso reduz nossa pressa diária e burila nossa alma indiferente...
    Luz
    Ana

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  2. Hola amiguitos:

    Yo se que los indios tenían su propia cultura.
    Y algunos serían felices, hasta que los colonizaron.

    Pero es bello conservar las tradiciones.

    Marciano, cuando se me estropeó el ordenador perdi la dirección de su email.

    Si es tan ambable de escribirme un email para que yo lo pueda guardar.

    Obrigada.

    Beijos, Montserrat

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