terça-feira, 19 de abril de 2011

A MAIS CURTA DE TODAS

— Rospo! Rospo! Rospo!
— Sapabela, calma! Já estou indo. Não precisa tanto alvoroço...
— É que a noite está tão linda, um bem do Outono, e você fica aí na tela azul da TV...
— Estava em meu blog...
— Tomava uma Zero?
— É, não sei como soube, mas estava bem gelada... Pronto! Cheguei.
— Rospo, queria falar algo.
— Diga, minha querida amiga.
— A vida é curta.
— A mais curta de todas é a minha.
— Não diga isso, Rospo...
— É o pensamento que cada um deveria ter. A vida, a nossa vida, a minha, a sua, é sempre a mais curta, ou seja, isso quer dizer que devemos sim viver intensamente, o que significa, viver a vida em toda a sua intensidade, isto é, em todos os seus momentos, em todas as suas alegrias, e também viver intensamente cada perda, cada amor, cada paixão, cada tristeza, mas, sempre lembrando que a tristeza deve ser substituída pela alegria...
—Rospo, nem sempre isso é possível.
— Não se esqueça de uma coisa, Sapabela, o ódio só é destruído quando ele se transforma em amor, e a tristeza só é substituída pela alegria, e a alegria é a mãe, a grande princesa da vida, aquela pela qual vale a pena lutar e almejar...
—Mas e a tristeza pela perda de um sapo ou uma sapa querida? Uma filha, você imagina dor maior para um sapo do que perder a sua filha? O coração dele arrebenta, é esmagado para sempre... Jamais ele conseguirá recolher os destroços daquilo que um dia foi um coração...
— Sapabela, essa perda jamais será substituída, e ele carregará para sempre em seu peito, fechado num canto onde ninguém poderá se alojar, essa lembrança... Mas ele tem o dever sincero de transmitir a alegria aos que o rodeiam... Quando alguém, algum sapo, de você se aproxima e quer caminhar ao seu lado, você tem a felicidade da obrigação de plantar uma flor de alegria no coração dele...
— Entendo, a alegria é a condição básica da vida...
— Observe ao seu redor: tudo é alegria. A plantinha que viceja é o puro sinal da alegria que se irmana aos astros e ao azul celestial e aos rios e...
— Entendo, os olhos viçosos de um cãozinho, uma plantinha, uma delicadeza de pétalas, o pólen sendo levado pela ventania, tudo é uma explosão de vida no ar, uma valsa: uma festa que quase sempre nem percebemos... Não podemos ser o portador da alegria do universo espalhando ao nosso redor a tristeza... Ao contrário, temos que combatê-la de todas as formas...
— E a dor da perda deverá ser armazenada, guardada...
— Isso, porque uma perda jamais morrerá, jamais desaparecerá de nossas almas, porém o mundo não pode compartilhar uma imensidão de dor assim...
— Rospo, vamos tomar um sorvete? Ainda é noite de Outono... Logo mais teremos que ir dormir...
— Vamos, Sapabela, tomar um sorvete com você é uma forma de estender essa vida que é tão curta...
— Sente medo quando olha para esses astros todos nessa infinita imensidão e sabe que um dia partirá?
— Não é fácil, Sapabela. A gota de orvalho que deslizou na lisa folha e alisou a manhã com o sereno da madrugada, o brilho da estrela que enfeita o céu, o horizonte azulado, um riacho, uma borboleta... Não é fácil pensar que um dia deixarei tudo isso...
— Sabe, Rospo, às vezes eu me ponho a pensar: será que partiremos mesmo? As ondas dos nossos pensamentos, o nosso olhar lançando luzes sobre uma flor, os nossos pés no solo, na poeira... os nossos corpos tremendo na friagem, as nossas mãos acariciando uma planta, as fagulhas, o nosso sorriso se espalhando... Será que partículas do que somos não estarão para sempre grudadas nas coisas que são e serão?

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011  —   535
Marciano Vasques
Leia CIANO

Um comentário:

  1. A mais curta de todas....ultimamente tenho pensado muito nisso...viver a vida em cada intante, acredito que nossa energia de alguma forma serão
    Luz
    Ana Coeli

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