quinta-feira, 21 de abril de 2011

NO BELO PRESENTE

O que é afinal a coisa que migra quando nossos pensamentos se ocultam nas dores entre as paredes de um silencioso jantar?


O que é afinal a coisa que as nossas vozes diluem na passagem dos mistérios das vidas que se perdem entre os corredores de uma casa?

Onde estará de fato o homem que se cala entre palavras que nas fibras mortas do tédio se dissolvem?

Para onde terá ido a alegria que invadia cada peitoril de cada janela enquanto a voz do rádio se espalhava nos quintais de folhas secas e nódoas matinais?

Quem terá cravado as perdas entre as faltas e o desamparo de abraços abandonados?

Fui assim, entre folhas secas e o baile suave de ventos entardecidos, na insondável busca de um lugar para sonhar. Estive na mastigação sem verbos e na fumaça das coisas que partiam, como partem em chuvas e mormaços.

Guardei versos, esqueci poemas, li, desci degraus, ladeiras, e na silenciosa queda do olhar atestei a fuga das coisas que são na beleza que plena de descaso e desatenção sempre dança ao redor.

Cresci, temi, arrisquei, estive entre os quebrantos, as sinas, e mulheres ralhando, feiras, mercados, nomes, portos, docas, mangues e poeira.

A vida é maior e ávida, e basta uma vontade burilando a quietude, uma necessidade de reencontros. Amo a chuva e tardes chuvosas jamais se vão. Ruas e caminhos são alados e quando o coração se põe no caminho, as fendas ressurgem, as festas ultrapassam as frestas e o poema risca o ar feito peixe dourado aquarelando o azul das manhãs transparentes.

Tudo talvez se perca, tudo talvez possa mesmo desaparecer feito areia entre os dedos. A mulher em silêncio cerzindo espantos, a casa moída entre fazeres vazios, passos ignorados, vozes miúdas entre mobílias e talheres buscando sílabas impossíveis entre permanências vulgares.

Não há dor maior do que aquela, a que se oculta, a que parte numa partida insensata. Onde estará a clareza? Para onde terá ido o que de melhor vi entre as parreiras, as revistas amontoadas, o azeite, o contorno geométrico da banha na pia, a inflorescência anunciando a manhã que jamais deveria ter sido desprezada? Para onde terá ido o que deveria ter sido conservado na mais lúcida vontade, na mais festiva conversa, no mais delicado vinho?

Entre o retrós, no caule liso das goiabeiras, no azul que se mesclava nos horizontes embevecidos de memórias e risos.

Tem um momento na vida em que a Literatura declara o seu sentido, a sua razão de ser, e tórax se abrem em luzes, e o riso retorna e a memória é transformada no belo presente.

Tudo pode ter sido entrelaçado nos palimpsestos e abandonos da alma, mas depois em plenitude retorna, no desabrochar da memória: a mãe da Literatura, o belo presente.

Marciano Vasques

10 comentários:

  1. Literatura: um presente que compartilha, une, alegra tantos..

    Marciano, querido !
    Fico muito feliz em tê-lo em meu Blog, e mais ainda pois dessa forma encontrei aqui, lugar lindo, enriquecedor.

    Desejo uma ótima Páscoa, bjos !

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  2. Oi Thami,
    Seu blog faz bem para os olhos. Tem umas imagens tão lindas ilustrando os textos, e os fragmentos poéticos. É um espaço onde a suavidade encontra a sua intensidade.
    Um beijo,
    Marciano Vasques

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  3. Com você na CASA, o azul fica mais bonito.
    Um beijo,
    Marciano Vasques

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  4. Querido !
    Como fico grata pelas tuas belas palavras, além da observação divina, sensível, carinhosa !

    Mais uma vez agradeço por termos nos encontrado nessa imensa Blogosfera.

    Bjos doces..

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  5. "A mulher em silêncio cerzindo espantos.." Os mistérios que se perdem nos corredores nas janelas, nos quintais. Que texto poético, muito lindo! Fiquei imaginando e revendo todos esses lugares que também vivi. Maravilhosa Casa Azul!!!

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  6. Thami,
    Para mim, encontrar uma pessoa como você é lucro, pois também acumulo tesouro, que não é de moedas.
    Um beijo,
    Marciano Vasques

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  7. Mulheres cerzindo, caminhando na poeira do tempo, quarando lençóis dos amores vividos, amassando o pão, catando lêndeas nas crianças, e contando as lendas da infância. Espalhando os aromas pela casa e pelas vilas, aromas de bolos, de hortelã, de anis. Mulheres são fantásticas, estão presentes no imaginário e na vida real... E esses lugares, esses cantos..., o diapasão do amolador de tesoura, o vento surrupiando entre os galhos as dores e os temores... Tudo vai e tudo vem, e nós, com nossos corações...Haverá espaço na blogosfera para tanta poesia? Terá o homem inventado um outro espaço infinito?
    Ana, um beijo,
    Marciano Vasques

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  8. Eu aqui! cerzindo suas palavras... sua poesia... nesse espaço infinito da bogosfera, caminhando com elas na poeira do tempo.
    Tudo isso fez meu dia "Santo" ser "Sagrado"
    Um Dia "Sagrado" para você também meu querido amigo
    Luz
    Ana

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  9. Que o sagrado seja a condição inerente em tudo aquilo que a gente tocar com nossas palavras.
    E aqui, neste dia de Paixão, meus agradecimentos — Logo eu, que já tenho tanto que agradecer! — por estar vendo brotar e já anunciando que irá florir, amizades e pessoas lindas que vou encontrando nessa blogosfera, que, bem disse, é o espaço infinito, é a biblioteca mais humana no espaço virtual, é o sonho que alguns espíritos da humanidade, como Borges, sonharam...
    Abraço,
    Marciano Vasques

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  10. E esse sonho é Azul...Casa Azul da Literatura
    Luz
    Ana

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