quinta-feira, 21 de abril de 2011

O TEMPO QUE O TEMPO FEZ

— Feriado e os amigos se encontram e lá estão aqueles dois num quiosque a conversarem. Vamos nos aproximar para ouvir a conversa deles?
— Sapabela, às vezes tenho a impressão de que estão a nos ouvir, de que nem podemos conversar sossegados e a sós...
— Rospo, cuidado. Isso é uma espécie de neurose. Daqui a pouco irá pensar que estamos num blog... Mas tenho algo a dizer...
— Você sempre tem algo a dizer, é por isso que gosto tanto de você...
— Rospo, todos têm algo a dizer. Ocorre que às vezes, e quase sempre, uma sapinha, por exemplo, em seu crescimento natural é atrapalhada, é impedida de forma precoce de dar linha para com a sua capacidade espontânea de se expressar, e isso acontece quando um adulto surge para adulterar a sua trajetória, o seu crescimento sincero e autêntico mandando-a, por exemplo, calar a boca.
— Sapabela, não é preciso um discurso agora. Diga apenas o que queria falar.
— Rospo, você cortou o meu pensamento... As minhas divagações, os meus dizeres...
— Sabe que estou brincando, Sapabela, prossiga, pois é maravilhoso para mim compreender o mecanismo da trajetória das coisas que são... Faça o seu inventário dos dizeres, meu bem, pois tanto faz para nós estarmos numa sala universitária ou aqui neste quiosque de outono azul num feriado...
— Pois é, nós todos e todas temos sempre o que dizer, e todas que foram atordoadas ou atadas nas toadas da vida, essas precisam de muita ajuda, para que a palavra volte ao ar. Mas vamos ao que eu queria falar: temos sempre que ensinar e mostrar aos pequenos o tempo... O tempo que o tempo diz, o tempo que o tempo faz... Se ele ou ela, conhecerem o tempo das coisas, ou seja, a trajetória, então, certamente, serão sapos e sapas melhores no futuro e no presente, pois compreenderão que nada é por acaso apenas o momento, mas sempre o momento que passa, e esse momento vem de longe...
— Dê um exemplo.
— Isso é fácil. Requer apenas um pouco de esforço...
— Então, para a maioria talvez não seja tão fácil, afinal...
— Cuidado, Rospo! Lembre-se, estamos num quiosque, mas talvez estejam a nos ouvir...
— Prossiga.
— Pronto. Já prossegui. Quando você põe de presente nas mãos de um pequeno um celular... Deve mostrar a ele o tempo que o tempo fez...
— Ou seja, o telégrafo, o telefone, o pager... Todos as transformações da necessidade básica do sapo de encurtar distâncias e se comunicar...
— Exato. E assim deve ser com tudo, com todos os objetos: com o ferro a vapor e o ferro a carvão, com ... a luz de neón e o lampião de gás...
 Certo, Rospo? Assim ele irá valorizar e compreender o sacrifício e a luta das outras gerações e terá um respeito histórico pelos que aqui estiveram... E assim deveria ser também até com os próprios sapos... que deveriam conhecer cada qual a sua trajetória...
— É verdade, pois senão alguns poderão pensar que já nasceram gostando de Mozart... É preciso que um sapinho que esperneia para ganhar um brinquedo às vezes descartável e caro, saiba que outros sapinhos brincaram com latas de óleo, com legumes, com caminhões de madeira... e os que brincam estáticos diante de um game eletrônico deveriam saber da "amarelinha"... Até a tecnologia tem história. Nada é apenas o momento, mas sim o momento que passa e esse momento vem de longe...
— Portanto, viva o tempo! Que é ele, o tempo, que nos ensina...
— Sendo assim, um sapinho deveria saber que outros sapinhos aprenderam desde cedo a laçar o vento...
— O vento?
— Sim, abrindo os braços, correndo, empinando pipas...

E assim a conversa prosseguiu naquele quiosque num feriado de outono azul. E se os dois soubessem que nós ouvimos tudo...


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 538
Marciano Vasques
Leia em CIANO

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