domingo, 17 de abril de 2011

SAPABELA E A PALAVRA

— "Em boca fechada não entra mosquito!", certa vez alguém me falou isso quando eu era uma sapinha...
— Você falava muito?
— Eu precisava de um mosquiteiro em torno de mim para proteger a minha boca, pois era uma tagarela... Exercia plenamente o meu direito de ser criança e de burilar com estardalhaço o dom da descoberta da linguagem... Falar era comigo mesmo!
— Quem falou o negócio do mosquito?...
— Um adulto, naturalmente.
— Esse não era um mosqueteiro...
— Eu sim era a única desbravadora naquela área... Queria falar e veio ele com o papo do mosquito...
— Isso afetou você?
— Não.  O que me afetou foi alguém ter falado :"Feche a boca!". Isso foi a coisa mais áspera, mais rústica, mais agressiva que eu ouvi...
— E você? Fechou a boca?
— Nem pensar.
— E o sapo que mandou você calar a boca?
— Já morreu.
— E os mosquitos?
— Ora, Rospo, eu descobri com o passar do tempo, que se em boca fechada não entra mosquito, também na sai dela a liberdade de expressão, não sai dela o grito por justiça... Ora, Rospo... É com a boca que o sapo se alimenta...
— É com a boca que o sapo beija.
— Eu sei, né, Rospo!
— Prossiga.
— Se com a boca alimentamos o nosso corpo, é com ela que alimentamos o mundo quando falamos...
— Sapabela, se em boca fechada não entra mosquito, nela também não prolifera a lavra da palavra que ara o mundo...
— Vamos falar, Rospo? Cada vez mais?
— Falar é escrever no ar, e esse ar de outono pede muitas palavras, pede uma chuva...
— Chuva?
— Chuva de versos.
— Então, mande ver, Sapabela, e que venha o primeiro mosquito, que ele verá o que faço com ele...
— Sabe, Rospo, pensei uma coisa.
— Diga, minha amiga.
— Os que vivem engolindo sapo são os que ficam em silêncio, em sua maioria é assim... Por isso, libere a palavra, e ela dará um jeito no mundo. Reprimir a fala é deletério, mas ao falar você espalha no ar o que é indelével em você...
— O silêncio às vezes é benéfico...
— Mas não se trata do silêncio imposto, não se trata do "Cale a boca!"... Trata-se do silêncio opcional, escolhido... Essa é uma outra forma de falar, às vezes.





HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 532
Marciano Vasques
Leia em CIANO

2 comentários:

  1. E quantas vezes nos sucumbimos ao silêncio imposto!

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  2. "em boca fechada não entra mosquito, também na sai dela a liberdade de expressão"

    Muito bom, Marciano!
    Fico feliz que tenha gostado do meu blog!
    Abraço

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