sábado, 14 de maio de 2011

MULHERES DE CLARICE

MULHERES DE CLARICE



Emigra para o Brasil em 1921 a família Lispector. Entre os membros uma criança de um ano de vida.
Vivem inicialmente em Alagoas.
Após cinco anos, se mudam para Recife, onde Clarice passa a infância se nordestizando a cada dia. Jamais esqueceria os dias da menina que em Recife corria. Nos últimos anos de vida visitava uma feira nordestina num bairro carioca, na qual mentalmente criava os diálogos da sua marcante “Macabéia”.
Acompanhando o marido diplomata morou na Itália, em Washington, em Berna, na Inglaterra, mas sua alma continuou nordestina. Ao se separar do marido, retornou ao Brasil.
Por sua obra desfilam mulheres que revelam a consciência da escritora com relação ao mal dos tempos modernos: a vida não vivida, o estado de alienação do individuo diante de uma realidade sufocante e repetitiva. O lar, a família, a falta de perspectiva, a anulação gradual do ser. Através de suas personagens Clarice se mostra uma mulher profundamente comprometida com a libertação do ser, com a emergência da vida, com a transformação interior do individuo. Clarice consciente de que a condição social deixa a pessoa arrancada de sua própria vida.
Macabéia, Joana, Ana, margarida, G.H., Loreley, a Sra Jorge B.Xavier são criaturas nas quais repercute a alienação do cotidiano; nas quais se trava internamente a batalha fundamental de cada uma para romper com a alienação social em que vivem nos grilhões da mesmice da rotina. No falso viver do dia-a-dia, para romper e encontrar a vida autêntica.
Mulheres mergulhadas pela autora nas profundezas do ser, obsessivamente procurando o âmago, onde brota a revolução primordial do individuo, a única possível em determinadas circunstâncias.
Seu primeiro romance, “Perto do Coração Selvagem”, tem como protagonista Joana. O romance viaja pelas fases de sua vida até quando desabrocha na personagem a sua capacidade de sentir plenamente a vida.
Num diálogo de Joana com o professor a quem buscava ajuda, ao ser indagada sobre o que é bom e o que é mau, ela responde que mau é não viver e que morrer já é outra coisa. Morrer é diferente do bom e do mau.
Em “Felicidade Clandestina” (1971) -uma coletânea de 25 textos, encontramos uma menina como protagonista de um conto intitulado: “Uma história de Amor”.
Personagem comovente, essa menina que “observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios internos” possuía duas galinhas que tinham nome, as quais dedicava um obstinado amor, coerente com a sua personalidade.
A autora nomeia as galinhas, mas da menina desconhecemos -lhe o nome. Menina “que ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas” cuidava meticulosamente com tanto amor de Pedrina e Petronilha. A autora aprofunda a compreensão da alma feminina com este conto, com o qual presenteia e engrandece a literatura ocidental.
Os pescadores morriam no fundo do mar após a sedução do canto de uma criatura chamada Loreley. Nessa lenda alemã a escritora encontrou o nome para a professora primária que protagoniza o romance “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” (1969) que trata do aprendizado amoroso de Loreley.
Processos de anulação do individuo nos “Laços de Família”, nas prisões edificadas através dos tempos, por estereótipos e idéias veiculadas diariamente, mas sem que haja um questionamento crítico sobre eles. Mulheres descobrindo que “também sem felicidade se vivia”, mulheres com grande potencialidade de paixão, mas bloqueadas pelo meio, jovens tradicionalmente educadas para o lar, tragicamente para a vida.
Revoluções silenciosas. Assim são as mulheres de Clarice.
MARCIANO VASQUES

2 comentários:

  1. Nossa! Você me dixou louca para ler todos esses livros. " condição social deixa a pessoa arrancada da sua propria vida" "Mau é não viver, morrer é outra coisa"
    Revoluç~es silenciosas que muitas vezes já vivi...
    Obrigada amigo!
    luz

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  2. Grandiosa Clarice!

    Eis uma escritora que disse tudo, que conseguia, em seus textos, descrever os mais sufocantes e incríveis sentimentos. É uma inspiração, sem dúvidas.

    Conhecer a Macabéa, por exemplo, foi algo muito profundo e importante para mim.

    Excelente texto. A casa está linda, como sempre.

    Abraços.

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