quinta-feira, 19 de maio de 2011

A PARTIR DE UMA CANÇÃO

— Sapabela, tem uma canção sobre uma sapa que não tinha a menor vaidade...
— Eu sei.
— E ainda achava bonito não ter o que comer...
— Que horror! Essa sapa é um crime contra a beleza... Um crime contra a humanidade...
— Eu jamais iria querer ter uma sapa dessas ao meu lado.
— Eu sei...
— É a sapa que organiza o mundo, ela que organiza a limpeza...
— Eu sei, faça pontaria na hora do xixi, lave as mãos antes do jantar, eu sei tudo, por acaso esqueceu de que sou uma sapa?...
— Uma sapa que vive com paixão...
— Isso, meu querido.
— Então, veja só. Deve concordar que essa sapa da letra da canção... sem nenhuma vaidade...
— Não tem paixão pela vida...
—É mesmo... Mas achar bonito não ter o que comer é demais... É uma ofensa... aos povos que passam fome... É...
— É incrível como certas canções pegam no gosto popular...
— E assim também é como algumas brincadeiras infantis...
— "Barra manteiga na fuça da nega"...
— Creio que cada um de nós pode melhorar o mundo... Organizar...
— Cada um de nós pode ser como a grande sapa...
— Grande sapa? Nunca ouvi falar...
— Grande sapa é uma representação de todas as sapas...
— Entendi. Viva a grande sapa!
— Rospo, por qual motivo está me falando essas coisas sobre as sapas?... Só por causa da canção?
— Sapabela, é que a humanidade dos sapos precisa de um diapasão para apurar os ouvidos...
—Sim?
— Para ouvir o sussurro da ventania que vem nos dizer que no exato momento em que estamos em algum lugar uma sapa está sofrendo uma cruel opressão...
— Isso é um pleonasmo? Deve ser, pois toda opressão já é em sua essência uma crueldade... Mas o que pode acontecer quando aquela que organiza o mundo sofre opressão?
— Repare o que diz a multidão...
— Quero prestar atenção.
— Pois então saberá: o mundo está um caos. É uma vingança natural...
— Rospo, numa ouvi sobre isso...
— Para ouvir algumas coisas às vezes é preciso você entrar numa casa azul...
— Vou dormir pensando nisso: na relação que existe entre a opressão do feminino e o caos do mundo.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 580
Marciano Vasques
Leia CIANO

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