domingo, 12 de junho de 2011

FRAGMENTO DA CRÔNICA DA LAVADEIRA



FRAGMENTO DA CRÔNICA DA LAVADEIRA


A lavadeira esfrega a roupa no tanque. Ela faz lembrar de outras mulheres agachadas na pedra da lagoa lavando roupa e contanto suas assombrações e seus folclores.
Mulheres agachadas desfiando lendas e casos curiosos, entre libélulas, musgos e linques.
A roupa ensaboada, encardida na água esverdeada da lagoa, onde hoje é uma estação de metrô.
Lavadeira se concentra na roupa, na espuma da água de anil.
A lagoa se foi, mas a lavadeira não. Ela está lavando as roupas da periferia e dos bairros chiques da cidade.
Cidade que se reparte em crimes que sustentam o noticiário. Cidade de fumaça, de buzina, de céu acinzentado.
Meninos brincam nos campinhos da várzea, correm em seus sonhos de campeões do mundo chutando a bola de meia recheada de jornais.
Outros meninos caminham sem rumo cidade afora, descem escadas, sobem a ladeira da memória, caminham, tropeçam e seguem em zigue-zague.
A televisão oferece a nova diversão e a família permanece calada diante dos programas de auditório. O final de domingo é melancólico, pois na segunda-feira tudo recomeça, mas com o apresentador tudo fica mais leve, até o final do domingo.
Lavadeiras esfregam e retorcem e quaram lençóis.
Ninguém se importa muito com a lavadeira, para falar a verdade, ninguém se importa muito com a doceira nem com a passadeira e nem com a cozinheira.
Mas a roupa lavada tem um frescor que é um sinal que a lavadeira deixou, o doce tem um sabor que lembra sempre um verso de Cora Coralina, e a janta tem um mistério que alimenta a alma.


MARCIANO VASQUES

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