terça-feira, 16 de agosto de 2011

ERA ALGUÉM, VIROU MALA

—Veja, Rospo! Veja! Será que é a tecnologia?
—Mostre, Sapabela, eu não estou vendo nada. Só aquela mala andando... O que eu disse? Uma mala andando?
—Pois é, Rospo, uma mala ambulante. Você o conhece?
—Não, quem é?
—É um escritor da televisão. Escreve roteiros. Mas ocupa a sua mente falando mal de colegas...
—Nossa! Era um  sapo e agora é uma mala? Como isso pode ter ocorrido, Sapabela?
—É toda uma trajetória da alma, meu amigo. Você se habitua. É simples. Depois que consegue passar pela primeira fofoca, o resto vem a granel, doses diárias. A coisa mais fácil do mundo é ser prepotente, arrogante e chato.
—É mesmo, minha linda?
—Naturalmente, Rospo. Em vez de cuidar da sua vida, procurar esmerilhar os seus sentimentos, você se põe a criticar os colegas, destacar os defeitos dos amigos, e não se dando por satisfeito ainda salpica sempre uma fofoquinha pra dar um tempero.
—Nossa, Sapabela! Mas a vida é tão mais ampla...
—Quem perde a elegância, a compostura, é você, pois a vida segue triunfalmente em toda as sua imensidão, mas você em vez de ralar prefere entrar no rolo compressor que esmaga as mais promissoras personalidades...
—E aos poucos, sem se dar conta, foi se transformando numa mala, a mais complexa metamorfose...
—Pois é, mala sem alça, não é?
—E tem muitos sapos assim no mundo da indústria da cultura?
—Sim, e geralmente seus alvos preferidos não são exatamente os que apenas  fazem sucesso, mas sim os que além de sucesso fazer, também têm talento, que é uma coisa mais arraigadamente profunda, mais light em sua profundeza.
—E como podemos ajudar a um sapo assim?
—Não lendo as fofocas, Rospo. Deixando que o pobre sujeito se afunde sozinho em sua própria areia movediça.
—Nossa, Sapabela! Tanta poesia no ar, tanta promessa de vida no mundo e o sujeito se envereda no próprio lodo de sua alma.
—Sujeito, não, meu amigo, mala.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011— 654

Marciano Vasques


2 comentários:

  1. Marciano,
    mais que uma brilhante metáfora na fábula preciosa, uma grande verdade com todas as letras.
    Parabéns pelas Histórias do Rospo e pelo rio amazônico da sua arte maravilhosa.
    Um abraço do Akira.

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  2. Emocionado e feliz com a sua presença aqui, caro Akira. Obrigado! Um forte abraço!
    Marciano Vasques

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