quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O CAFEZINHO E AS PIADAS

—Rospo, a minha amiga está desesperada. Telefonou ontem à tarde.
—Quem?
—A Colibrã.
—Sei, a do único nome, a que é mil.
—Pois é ela.
—E o que aconteceu?
—Como sabe, ela trabalha numa repartição pública. E então, sequestraram a funcionária que faz o café.
—É mesmo? Já li uma piada semelhante, que anda pela rede...
—Não é piada, Rospo! Os sequestradores estão exigindo milhões de $. Ninguém trabalha mais lá.
—Sei, agora não.
—Estão organizando um movimento. Vai ter manifestação, passeata, daquelas de rasgar ao meio uma cidade.
—Sapabela, estou adorando essa brincadeira.
—Rospo, não está me levando a sério. A Colibrã está mesmo desesperada.
—Ora, Sapabela, a piada que andei lendo, como a maioria das piadas, é carregada de estereótipos, quando não, de preconceitos. Na verdade, a história do leão que comeu a funcionária que fazia o cafezinho, é também assim.
—Explique, meu amigo...
—Geralmente, e sempre, as piadas são anônimas. Piada não tem autoria. Consegue por acaso identificar um só autor de qualquer piada sobre as loiras?...
—Ou sobre os negros.
—Sobre os negros ninguém mais tem coragem de contar publicamente.
—Quer dizer que o racismo ainda existe!
—Perambula pelo brejo, com certeza.
—Mas, e então?
—Então que piadas são um rico manancial de estereótipos.
—E o que tem isso a ver?
—Veja no caso da piada do fazedor de cafezinho na repartição pública: tenta incutir na mente dos ouvintes que funcionário público não trabalha, que todos são iguais...Nem imagina o quanto as sapas trabalham numa creche ou numa escola infantil... Nem tenha ideia de como professor trabalha e outras tantas categorias, como na Saúde, por exemplo...
—Sei, mas o que isso de fato quer dizer?
—Quer dizer que se realmente tem, e tem, funcionários lá no alto, aqueles de indicação política, que  geralmente, com exceções, não trabalham, uma boa parte então do acervo de piadas quer fazer crer que os pequenos, os que estão na base... Não trabalham, todos fazem corpo mole.
—É verdade, Rospo. Tem razão.
—Às vezes, tenho.
—Não ouvirei mais piadas. A partir de hoje não gosto mais de piada, pois todas, no fundo, são carregadas de estereótipos, não existem piadas inocentes.
—É mais ou menos isso.
—E você? Irá comigo?
—Ir aonde?
—Na manifestação contra o sequestro da sapa que faz o cafezinho...
—Você é demais, Sapabela. Vamos tomar um...
—Café?
—Sorvete, né, menina? Sorvete!
—Já estou.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 652

Marciano Vasques

2 comentários:

  1. É isso meu amiguinho Rospo, piadas são sempre carregadas de esteriótipos e normalmente de conteudos imorais, eu particularmente não gosto.
    Luz
    Ana

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