domingo, 18 de setembro de 2011

RUMO AO FEMININO

—Não esquento não.
—Falando sozinha, Sapabela?
—Rospo! Que nada, meu amigo. Preciso jogar minha voz ao ar, pois glorifico a imensa alegria de ser fêmea.
—Que bonito! Mas, Sapa sofre.
—Eu sei, pelos séculos&séculos amém.
—Sapabela, penso que a sapa é preparada desde cedo para sofrer.
—Isso é verdade. Mas não é a sua natureza, e muito menos destino. Ao contrário, ela nasceu para uma explosão de alegria. É a sua possibilidade de alegria que sempre assustou os povos em todos os tempos. Você já viu como é uma menina? É a mais espetacular fonte de alegria que pode haver no planeta. Uma vivacidade, uma esperteza, uma disposição para a vida, menina é a maior boniteza...
—Depois cresce, e vem o amor, e...
—Eu sei, Rospo, mas é esse amor romântico burguês, que se por um lado canta a idealização da sapa, canta os seus atributos, a sua beleza, por outro, aliena, escraviza, deturpa o próprio conceito de feminino, que aliás, esse tal amor jamais compreeendeu. Jamais foi capaz de olhar a alma daquela que se diz: Mulher! É o que eu sou!
—Não se empolgue, Sapabela, aqui é uma história de Sapos e Sapas, não se diz "mulher" em nossas fábulas.
—Sim, tem razão.
—Mas, que alegria me diz hoje? Porque está tão radiante?
—Como já disse, Rospo, estou comemorando a alegria de ser fêmea.
—Sabe, Sapabela, não seja muito dura. Não seja muito pesada. O masculino também é um bom universo. Sinto uma alegria enorme de ser sapo.
—Mas o masculino só é autêntico quando o sapo foi preparado pela vida, quando ele foi educado, pois senão é um mundo masculino artificial, uma anomalia de ser masculino... O sapo que, por exemplo,  tira, em nome do "amor" o inalienável e sagrado direito de a sapa se expressar, não é masculino, é uma deformação.
—Sapabela, você está ferrenha hoje.
—Estou feliz, Rospo. E quando estou assim, não dá para segurar. Segurar a felicidade é perigoso para a saúde mental. E orgânica também.
—Muito bem, então, o domingo já está azul. Vamos comemorar? Um sorvete, que tal?
—Pronto. Já estou indo. Aguarde só um instante. Vou pôr um vestidinho, vou dar um toque no batom, vai demorar um pouco mais no esmalte. Coisa rápida, ´o suficiente para você assoviar umas três canções.
—Sapabela, mas, precisa mesmo um batom, precisa mesmo o esmalte para um simples sorvete? Além do mais, você já é bonita por natureza.
—Rospo, você não está no jurássico, mas parece que entende pouco do feminino. Sei que sou bonita por natureza. Esmalte, batom, vestidinho, é só para combinar, só pra realçar o sorvete. Faz parte do meu jeito. Vá, Rospo, escolha as três canções que num assovio estou de volta.
—Pensando bem...: esmalte, vestidinho... É... quem tem a ganhar sou eu.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 673
Marciano Vasques

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