sábado, 1 de outubro de 2011

O PREÇO NÃO ESTÁ NA COMPRA



—Eu nem ligo!...
—Sapabela! Falando sozinha novamente?
—Impressão sua, meu Rospo. Jamais estamos sozinhos.
—Que linda você está, Sapabela!...
—Quero novidades, Rospo! Só fala do óbvio...
—Convencida.
—Estou brincando.
—Brincar. Isso mesmo! Que brincos bonitos!
—São baratos.
—Sapabela, você me surpreendeu. Sei que sapas falam essas coisas. Uma vê a outra com uma bolsa nova e pergunta em qual loja ela comprou... Mas, você dizer que os brincos seus são baratos, causou-me uma surpresa.
—Também cometo erros de brincadeira, não é?
—Deveria saber que o preço dos brincos está no meu olhar.O preço de algo é a condição de nossos corações. É nele, no coração, que reside o preço das coisas, e o coração manda o seu parceiro, que é o olhar, para ver a beleza que reluz, o rubi, as cores e as luzes, e tudo o mais, e assim, um anel de vidro tem um preço inestimável. Se eu tivesse guardado o anel de vidro daquela menina, daquela sapinha que um dia segurou em minhas mãos...
—Faz tempo isso, Rospo...
—Pois é, e ela rodopíava numa ciranda mais larga que a própria rua, mas se eu tivesse guardado aquele anel de vidro... Que preço ele teria hoje para mim?
—Entendo, e você tem razão, o preço está em nosso olhar, em nosso coração... Não falo mais essa bobagem de dizer que um brinco foi barato, pois não foi, aquele preço do dinheiro é apenas simbólico e transitório. O verdadeiro preço é depois, é nesses encontros que a vida faz. Quero mais é que meus brincos brinquem com as luzes da cidade. Eu não caibo na felicidade, Rospo.
—Agora sim, Sapabela.
—Tem medo de morrer, Rospo?
—Que brusca mudança de assunto, Sapabela.
—Mas a vida é brusca, Rospo.
—Vivo num equilíbrio... Penso coisas. O que me atemoriza e me deixa angustiado, mas é uma angústia que controlo, é que ao partir...
—Morrer, você quis dizer...
—Sim, o duro é justamente isso. Ao partir, você deixa o mundo, e o mundo segue, continua. Esse mundo maravilhoso, pois é de maravilhas que falamos. Esse mundo segue em frente, sem você. Essa que é a questão central.
—Tem medo de envelhecer, Rospo?
—Esse é o grande medo, mais do que temer a morte...
—Tudo envelhece, Rospo!
—Mas somos os únicos seres com o dom de não fazê-lo, Sapabela.
—Maluco, meu amigo?
—Não, Sapabela, é que realmente podemos não envelhecer. O que muda, já conversamos sobre isso, é o organismo biológico, mas a alma, a mente, não, essa não pode mudar. Ao contrário, a sua renovação deve ser constante, diária. Ao manter os olhos sempre atiçados para as descobertas do mundo, você demonstra que não envelheceu. Que importa quando chegarem os dias em que nem poderei entrar numa piscina, nem terei fôlego para correr?
—Estou entendendo, meu querido.
—Poderei ter o fôlego reduzido, mas jamais perder o encanto da dança, pois se não mais puder dançar, os olhos deverão dançar na alegria de ver a sublime arte da evolução do sapo...
—A dança é tudo isso, Rospo?
—Sim, o baile é uma das mais expressivas forças da forma de ser do sapo. Por isso, nós, os que aqui estamos, não aceitamos a vulgarização... Porém estou curioso. Qual o motivo da pergunta?
—Nada, apenas fiquei pensando nisso também. Se eu perder o espanto, ou seja, o encanto com os movimentos de um gafanhoto em seu viver saltitante, estarei então envelhecendo.
—E se eu perder o interesse pelo reflexo dos seus brincos, sei bem, Sapabela: A vida estará me deixando.
—Rospo, como tudo é tão imenso quando queremos que assim o seja.
—Mas é imenso, Sapabela! E por isso vivo a dizer, Brincos não têm preço. O preço não está na compra, minha amiga.
—O preço não está na compra. Que bonito, Rospo! Sabe o que eu faria, se pudesse?
—Diga.
—Dançaria com você, assim, numa calçada da cidade, e invadiríamos as praças, as ruas, os viadutos, só nós, dançando, rodopiando, numa infinita música.
— Até sonho com isso...
—Agora eu já sei, Rospo. Quando me perguntarem o preço, essas coisas que as sapas falam, responderei: Não sei, não sei o preço do brinco.
—É verdade, pois saberá quando chegar o momento...
—Rospo, vamos ficar ali, na mureta do viaduto?
—Vamos, e assim poderemos imaginar um casal dançando por toda a cidade.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 687
Marciano Vasques


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