sábado, 8 de outubro de 2011

SANTOS

Ressentimentos, como aqueles corações armazenavam ressentimentos, mas também, saudades, agonias de saudades, vontade louca e repentina de amar, de buscar corpos, de deitar a mulher na areia. E donas, de se entregarem de corpo e alma ao peito do homem do coração, e estavam lá, aquelas pessoas, aquela gente. Vento cortando almas como chicotes luminosos, cortando águas, implorando oceanos, temporais castigando, deixando marcas e cicatrizes e sulcos em cada rosto, e uma alegria de bom-dia de aroma de pão quente, de leite, de menina molhando chumaço de pão no copo de café, e por favor, jamais um homem falte o respeito com uma menina, e os trilhos da ferrovia, e o trem era um esboço azulado, aquelas nódas indefinidas eram vagões que deixavam o túnel da serra trazendo corações encharcados de histórias, de amores, de separações, e fotos amarelecidas que a menina mandou, um compadre, a mulher que não suporta a saudade e alguém mandou cartas, algumas com batom marcando lábios, e outras de garranchos, mas o menino pedindo a benção, e toda aquela gente despejada na ferroviária, e o tio está lá no meio, aquele de chapéu azul bem claro. Onde? Olhe! O Montserrat está todo iluminado! Que vai ter nesta noite de tão especial? E Rosema Branca, e Arlete, e aquela gente só sabia ser feliz, e no meio da dor cozinhavam, e costuravam e jogavam bilhar, e almas aprisionadas nas docas ao final de cada entardecer voltavam correndo para os seus cadarços de amor, e abraçavam suas mulheres com tal ferocidade, com tal animalidade que o amor explodia no cais, e nas ruas de céu refletido nas poças de água, e se amava muito mais.
E falava-se o Tu com tanta clareza e gosto, e o feijão preto, e as luzes numa sonoridade de ondas que invadiam cada ser com tal força que só havia uma alternativa, compreender que ali era Santos, em seu inexorável tempo da memória.
E algumas pessoas decidiram que jamais subiriam a serra. Outras, erraram e foram para São Paulo, e um ferroviário enlouqueceu ao ver uma flor azul na serra e gritou o nome de Rosema Branca, mas estava influenciado pelas conversas que ouvira nos bares do porto. A história era repetida diariamente na hora do almoço por aqueles homens de almas estraçalhadas e corpos explodindo de desejo por suas mulheres.
E Marinha passeava nas ruas com brinco bonito de pedra amarela, e vestido azul para combinar, nunca soube ao certo o que era para combinar, e lá ia de talco e Cashemer Bouquet, e lá ia, como iam as mulheres e as moças, e Helenice preparava moqueca de peixe, e um dia, que coisa horrível, os políciais giravam um rapaz contra um poste até que... e não era o melhor dos tempos, mas havia uma fonte de poesia para quem quisesse recolher, e sobre o ferroviário enlouquecido, é que cismou que a imensa flor azul lá da serra era a doce criança Rosema Branca, pois o que se dizia com convição nas mesas era que algo tinha acontecido com a menina.
Eu sei que nada será como antes. Mas quero morrer em Santos. precisamos sempre retonar às nossas próprias origens. O eterno retorno existe sim. Todos os que disseram isso, todos, a começar por Campbell, se ele disse tal coisa, mas o eterno retorno existe sim. E é nele que temos que nos posicionar. Por isso só me resta a alternativa de descer a serra. Não para morrer, pois isso será no tempo que virá, mas para andar, simplesmente, caminhar pelas ruas, na simplicidade e com paz no coração, e procurar avistar só com meus olhos de enxugar águas, as almas que assoviam nos passeios de Santos, e que o vento liso da brisa leva e leva...
Quem pensar que isso é nostalgia, só saudades, tá mais errado e é bobo de alma, pois é literatura.

MARCIANO VASQUES

2 comentários:

  1. Marciano,um texto impecável e muito tocante!Gostei de te ler e sentir teus passos pela cidade de Santos onde nasceu!Bom fim de semana!

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