—Sapabela, não se vá.
—Do que está falando, Rospo? Nem cheguei ainda. Estou em casa.
—É verdade. Devo estar numa dose alta de ansiedade.
—Mas ligou por algum motivo. Algo o aflige?
—Não, querida. Quero fazer um convite.
—Então faça.
—Sapabela, eu a convido para...
—Aceito!
—Que rapidez. Por isso você é demais.
—Rospo, e onde vamos tomar o sorvete?
—Que tal na Praça Azul?
—Topei.
—Quando?
—Já. Estou indo para lá.
—Vai de carro?
—Está brincando, Rospo? A Praça Azul é só uma caminhada. E não posso perder a esperança de me ver na calçada. Quem sabe até dançaremos ao luar.
—Sapabela, não tem luar ao entardecer. Nosso sorvete é pra já, lembra?
—Rospo, às vezes você perde muito tempo falando. Já indo.
Na calçada se encontram.
—Obrigado pelo convite, amigo. Veja! Lá está a Praça Azul.
—Que visão linda, Sapabela!
—É só nossa.
—Não, Sapabela, a "Praça é do Povo". Todos podem vê-la.
—Sempre depende do olhar, não é, meu amigo? Se o olhar foi regado, cultivado, desde cedo...
—Entendo. Chegamos.
—O meu sorvete quero de manga.
—O meu de abacate, depois de milho verde. Depois...
—Rospo, que fila de sorvete é essa! Abacate, milho verde...
—O luar, lembra?
—Ótimo! Então vou começar a desfilar os meus.
—Sapabela, adorei o seu vestido, as cores, principalmente o verde.
—Rospo? O verde é o meu corpo, meu pescoço, meus braços...
—É mesmo! Você é a doce extensão do vestido.
—Vamos sentar num banco?
—Vamos. Rospo, fale do livro que está lendo. Vamos marcar o cinema pra ver essa nova versão da Branca de Neve?
—Já indo, Sapabela, já indo.
—Pode ser hoje à noite?
—Sapabela, sorvete ao luar é privilégio que não se pode desperdiçar. Deixaremos o cinema para amanhã.
—Rospo, sempre agradeço o dia em que me viu saindo da floricultura. Só não precisava ser tão barulhento. Fez um escarcéu.
—Nunca tinha visto uma flor andando, Sapabela.
—Você não toma jeito. Mas é verdade. Sempre agradeço pela nossa amizade, desde aquela tarde.
—Naquele dia eu nem imaginava.
—Imaginava o quê?
—Flor tomando sorvete.
—Não me faça, ou melhor, faça-me rir, Rospo.
HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 775
Marciano Vasques
Que ternura de texto ! Uma amizade temperada com doçura e simplicidade. Ah!!!! Que bom seria que tudo fosse assim.
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