sexta-feira, 27 de julho de 2012

AS COISAS E AS PALAVRAS




AS COISAS E AS PALAVRAS



—Rospo, você ama as palavras, não é?
—Sapabela, fico sempre curioso com as palavras que se vão...
—Palavras são filhas da época, lembra-se?
—Sim, é verdade! Mas é incrivelmente apaixonante o sumiço de algumas palavras, como “ancinho”...
—A Stella Maris Rezende ama as palavras, ela com o seu “modo mineiro de ler o mundo”... Considera mesmo apaixonante o sumiço das palavras?
—Quando a palavra some é porque a coisa também sumiu. Você só nomeia o que ainda existe. Não posso nomear algo inexistente. As palavras continuam a morar no dicionário, mas não faz sua presença nas vozes dos vilarejos, e dos povoados mais distantes. Se a coisa se foi, a palavra perde o sentido no uso do cotidiano. A alma da palavra está na coisa.
—É verdade, amigo. Lembra aquelas expressões antigas? Formidável, Nos trinques...
—Pois é, se foram. Talvez não se encontre mais coisas tão formidáveis...
—Será?
—Mas nem sempre as palavras se vão com o sumiço das coisas.
—É?
—Lembra de uma coisa chamada ideologia?
—Lembro! É mesmo! Ideologia. Você sempre me faz sentir saudades, amigo.
—Então, a coisa se foi, se esfarelou, dissolveu-se na fumaça e na poeira do tempo... Mas a palavra ainda “existe”. É pronunciada diariamente por muitos sapos...
—Tenho outra!
—Diz.
—Ética.
—Bem lembrado.
—Todos ainda a pronunciam, principalmente na Política... Como se a coisa ainda existisse...
—Verdade, às vezes acontece isso. A coisa se vai e a palavra fica.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 803
Marciano Vasques

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