sábado, 21 de julho de 2012

O BUMERANGUE DA ALMA



O BUMERANGUE DA ALMA

—Rospo! Que sábado!
—Nem começou o sábado, Sapabela!
—Quem disse isso? Só o nosso encontro já é o maior sinal de que o sábado veio com tudo. Estou sabadoficando.
—Sapabela, já olhou pro céu hoje?
—É a primeira coisa que faço quando abro a janela.
—Amo a sua palavra.
—Essa é uma declaração e tanto, Rospo!
—É um compromisso.
—Verdade, a palavra é em si compromisso. Esse é o sinônimo principal, o maior.
—Principal vem de príncipe.
—Eu sei.
—A palavra, enquanto compromisso, é o bumerangue da alma.
—É?
—É o laço que você joga ao alto e nele se enlaça. O laço torna-se você, está em si própria.
—Fale mais do bumerangue da alma.
—Quando você lança a sua palavra está lançando o laço do compromisso, que na realidade é o bumerangue, pois retorna para você mesma o benefício da palavra em sua plenitude e em seus significados...
—Rospo, a palavra é ainda o maior compromisso de um sapo.
—Sim, através dela você se enlaça, já não se pertence. Passa a ser alguém que caminha com a palavra, a leva consigo, pois ela gruda em você. Quando a voz dos tempos, que é a voz do grande contador de histórias, aponta para você, está dizendo “Lá vai o sapo que é a palavra, ou, lá vai a palavra transmutada em sapo, lá vai a incorporação da palavra”.
—Rospo, então o maior compromisso do sapo é a palavra. Será por isso que muitos sapos artistas e escritores que já são famosos ou se julgam assim, não comentam uma só palavra sobre algum colega que está na luta?
—Sim, se ele fizer algum comentário, que seja elogiando a obra ou alguma conquista do outro, ele estará se enovelando na palavra, estará com o compromisso cravejado em sua alma, por isso alguns sapos que já são ou se julgam famosos não conseguem elogiar nada no outro. Para não serem prisioneiros do compromisso da palavra.
—Tem caso de escritor,que jamais teceu uma só palavra sobre a arte e o sucesso de outro colega, jamais se abriu para o outro, mas é seu amigo na Rede Social. Tem caso assim. E a cada dia acresce mais amigos em comum. Esse tal sapo poeta, escritor, ele tem receio de ser laçado pelo compromisso da palavra? Por isso o seu silêncio? Esse caçador de amigos necessita desse silêncio para consolidar a sua fama?
—Pois é, Sapabela. No passado, falava-se de uma tal torre de marfim. Talvez seja necessário muito treino, muita lapidação do ser, muito despojamento para que se possa ter a destreza de se atirar ao ar um bumerangue da alma.
—Rospo, quem é famoso ou assim se julga, já deve deitar na rede?
—Na rede?
—É uma expressão popular ou ainda há de ser. Nada tem a ver com a Rede Social, não é um sentido figurativo, uma metáfora, estou me referindo à rede mesmo.
—É um equívoco, Sapabela. Ninguém deve deitar na rede quando está com a palavra interior empenhada. A vida de um literato, um poeta, um artista da palavra é uma luta incansável, não existe a possibilidade da rede. Sua vida tem que ser uma produção constante. A cada nova manhã, de seu coração e seu ser devem brotar a palavra em sua mais transparente cristalização. E ele a oferecerá ao mundo.
—Li recentemente uma pesquisa interessante sobre a Rede Social, que aponta que tanto faz você ter 30 amigos ou 16 ou 200 ou 3000 ou 5000 amigos...
—Não li. Fale dessa pesquisa...
—Você pode ter até 5000 amigos, diz a pesquisa, mas serão sempre os seis ou sete ou doze amigos que irão comentar o que você posta. Ou seja, será sempre o mesmo grupo de amigos sinceros e fieis que estarão envolvidos no compromisso da sua palavra...
—Interessante.
—Porém com o botão “Curtir” é diferente. Pode numa postagem sua ter quarenta, oitenta, ou até mais “curtir”.
—Recentemente um amigo meu postou que se separou da namorada, e 70 amigos clicaram no botão “curtir”.
—Minha amiga contou que perdeu sua mãe.
—É uma dor imensa...
—17 amigos “curtiram”...
—Curioso, não é?
—Rospo, vamos até a padaria buscar o pão?
—Muito bem, Sapabela. Pão lembra sorvete que lembra conversa que lembra sorriso que lembra sábado... Sinto que já estou sabadoficado.
—Rospo, você disse que ama a minha palavra. Estou sentindo que o bumerangue já voltou e o atingiu em cheio.
—Yupiiii!
—Rospo! Não tão alto. Será que não tem modos?

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 800
Marciano Vasques

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