quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O TEMPO DO TEMPO DO SAPO



—Rospo! Saudades! Estou tinindo por uma conversa.
—Yupiiii!
—Está bem, está bem, mas, sem escândalo. O que pensa da amizade?
—Riqueza!

—Riqueza? Aprecia a riqueza, não é, Rospo?
—Sim, só as riquezas nos interessam... Mas, bem sabe, falo das riquezas do coração, da alma, do pensamento...
—E a amizade é uma riqueza, certamente...
—Sim, como cada conversa recolhida nas frestas das varandas... Nos bancos das praças onde sapos que se gostam se encontram para conversarem....
—Rospo, falando em praças, faz tempo não vamos à Praça Luar Azul...
—Também tenho saudades, foi nessa praça que comecei a reciclagem...
—Que reciclagem, amigo?
—Reciclagem da mente. Precisamos reciclar diariamente as nossas almas, nossos mais puros sentimentos... E acreditar sempre no amor, o amor pelas coisas imperceptíveis, o amor pelo lápis, pela vida, pelos afazeres... Amores que são paixões, transbordantes feito estelares reflexos nos charcos... Como sabe, até os raios solares beijam os pântanos. Vamos reciclar a cada novo amanhecer e abastecer nossos corações com a riqueza...E viver intensamente as paixões...
—Fugir da pobreza... nas amizades?
—A pobreza é simbolizada pelas conversas triviais, pelas piadas carregadas de estereótipos... Mas nem se trata de fugir apenas, Sapabela, trata-se mais de lutar contra a pobreza...
—Uma das formas eu sei, é se recusar com firmeza a participar de conversa trivial...Um jardim se empobrece apenas com flores banais...
—Sapabela, tem algo que raramente é visto pelos olhares da vizinhança...
—Diga, meu amigo, diga!
—Crescer por dentro. Quando você cresce por dentro, esse crescimento é quase despercebido pelos olhares desatentos... Cresça por dentro, Sapabela!, sempre, a cada dia, capture o instante que passa com a boa vontade da poesia...
—Rospo, estive pensando: qual é o tempo do tempo do sapo? Ou seja, qual é o seu tempo?
—Como assim?
—Você ouve e aprecia canções do passado...
—Engano seu, Sapabela.
—Uau! Uau! Uau! Adoro me enganar. Viva! Hu! Hu Hu Hu! Ai ia ai!
—Você é assim desde pequenininha?
—Não me faça rir, querido amigo.
—Gosto das suas roupas, adora o colorido...
—Sempre...
—Engano seu querida, pois as canções não são do passado...
—Não?
—Não! Para a Arte, e para a Literatura, o passado não existe...  Você pode ler um livro que tem até dois mil anos, pode admirar uma pintura que tem três séculos, pode ouvir uma canção que tem algumas décadas, mas essas coisas todas estão no presente, são presentes dos melhores espíritos da humanidade do sapo... Não pertencem ao passado nem ao futuro... Pertencem ao presente, que é onde você está quando vai, por exemplo, a um museu... O passado é apenas uma ilusão... Um modo de se dizer sobre aquilo que é simbólico. As Artes e as Letras, tudo isso é presente sempre, dádivas...
—Entendi, e acato: quando uma peça é encenada num palco, mesmo que o texto seja antigo, ela nos fala de coisas fecundas e importantes para a nossa alma, o nosso entendimento, e o que se supunha ser do passado, é o mais puro presente.
—Naturalmente. Por isso é bobagem, criancice, tolice, alguém comentar que prefere música atual, moderna, etc... Isso não existe... A música não tem tempo. Seu tempo é o compasso do coração...Sendo assim, o tempo do tempo do sapo é o presente.
—Não se diz o mesmo com relação aos objetos, não é?
—Não, amiga. Uma locomotiva e seu carvão, um fogão à lenha, um lampião de querosene... Os objetos pertencem ao passado,  e descrevem a trajetória de uma vida... que é a trajetória da humanidade do sapo... Mas essas coisas todas se presentificam... Mesmo sendo do passado, tornam-se presentes, através da arte. Seja o cinema, o teatro, a pintura, a canção... É na arte que um objeto do passado se torna presente...
—Rospo, vou sempre ter um respeito profundo pelo tempo do tempo do sapo....

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 821
Marciano Vasques

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