sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

CONVERSINHA DE NATAL

—Rospo! Que alegria!
—Sapabela! Que saudades!
—Por onde tem andado, amigo? No Natal do ano passado as nossas conversas transbordaram nos encontros luzificados pelas guirlandas e os afetos... Neste Natal vou sumiu!

—Mas agora estamos aqui, querida. Um brinde!
—Uau! Um brinde numa réstia colorida de palavras. Viva o Natal!
—Já passou, Sapabela!
—Depende de cada um, não é, amigo?
—Verdade. Mas, veja, Sapabela. Finalmente me dei conta de algo cuja lógica intransponível é uma barreira que a replexão não quebra...
—Replexão? Não seria reflexão, meu querido?
—Replexão é reflexão reprimida.
—Isso é possível?
—Pois é, nesta terra santificada pelas conversas matinais dos sapos limpos de coração nada é exatamente impossível...
—Fale então, Rospo, do que afinal conta se deu?
—A crueldade do sistema financeiro.
—O sistema financeiro é desumano. O caboclo que só quer viver a sua vida na simplicidade e no sono dos justos, jamais vai acompanhar as estrepolias ...
—Errou num detalhe, nega.
—Adoro isso, Rospo, mas, espere! No que afinal errei?
—O sistema financeiro não é desumano, pois para tal teria que conservar em si um fragmento sequer do humano, o que já em si não cabe nem se cogita...
—Mas são os sapos humanos que orientam o sistema.
—O sapos humanos são apenas peças, títeres de uma engrenagem, absoluta e cada vez mais sofisticada, pela qual e sobre a qual eles não têm uma só partícula de decisão. O sistema tornou-se uma anomalia de si, uma monstruosidade. Esse é o monstro da mitologia contemporânea, pega mais do que os simples e vulgares sentimentos do cotidiano como o ciúme, a inveja... O poder, o verdadeiro poder, é invisível, como já fora previsto por pensadores na primeira metade do século XX, e por aí. O sistema tornou-se incontrolável pelo simples fato de que seu controle é absoluto pela invisível mão que aciona as armadilhas, os emaranhados de labirintos que prendem os que apenas queriam ser felizes.
—Mas falou de crueldade, Rospo...
—Nem terá sido o termo certo, pois afinal, crueldade é um valor intrinsecamente humano, o que já não diz respeito ao sistema... que já escapou da redoma humana anfíbia, onde os valores mais caros ao pensamento humanista seriam prevalecentes...O sistema que adquiriu um status de invisibilidade de seus atributos governantes já é autônomo e não se refere mais ao humano.
—Medonho!
—Aperfeiçoamento, lapidação, investimento... A volúpia financeira é insaciável. Em quaisquer sociedades assim como aqui no Brejo Azul, temos que lidar com a extraordinária e imperativa força do sistema financeiro. Não se iluda, nem compre ilusões. A publicidade em sua vã neutralidade pinta em luzes de lantejoulas o sistema, e desde a raiz do sorriso e do rosto bonito da agiotagem até aos mais drásticos processos de extração do dinheiro e do suor do pobre e do cidadão comum, o sistema está firme e forte, a cada dia seu bruto metálico tórax se torna mais insensível.
—Rospo, como se pode então falar em "Feliz Natal"?
—Por isso mesmo, minha querida.
—Explique, por favor.
—O Natal não pertence mais apenas aos religiosos, se me entende. É uma data em transformação, com tendência universal, na qual os sentimentos mais elevados e os valores mais preciosos emergem na alma dos que estão atentos...
—Sim, mas, bem, então, com esses valores...
—Esses valores podem criar uma ciranda universal, uma fortaleza com tendência humanizadora... Os sapos podem ser felizes se o manto do Natal descer sobre a cidade com a simples promessa de uma vida simples e despojada de luxúria, na qual o "Ser"  mais importância terá do que o "Ter".
—Rospo, tudo muito bonito, mas o tal sistema já penetrou por todas as frestas do Natal...
—Sim, mas poderá se defrontar com os valores humanistas do amor universal, e essa força transforma em escombros todos os malefícios que atormentam a alma da felicidade, desde que nela haja incentivo e investimento.
—Rospo, mas isso parece um sonho.
—O que parece já é uma projeção daquilo que poderemos reverter para a realidade. Não tema ser Feliz.
—Mas isso necessitaria da força de vontade de uma multidão.
—Pois estamos diante da santa necessidade, e tem mais, falando em força de vontade, paz aos de boa vontade.
—Certo, naturalmente. Mas e se eu quiser enfrentar sozinha o sistema, cobrando até na justiça um centavo que seja que me roubam?...
—De tanto espremerem o bagaço forjam um indelével rio de mel...
—Quase respondido, Rospo, mas não me dei por satisfeita.
—Quando você resolve ir à luta sozinha já tem em si o germe da multidão, e por consequência, a força que um dia irá vencer o sistema...
—Vencer?
—Restaurar o que de humano nele pode resistir.
—Rospo, falou em bagaço, e isso me fez lembrar de garapa, geladinha... Maravilhosa garapa, sem Aspartame...
—Vamos? Na Praça tem um garapeiro.
—Já estou lá, meu lindo.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Calma, meninos, ele está feliz, é só isso.
—Maneiro, tia!
—E vão ficar aí calados?
—Calados, tia? Veja só: Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Que coro lindo, Rospo. 
—Pura alegria, Sapabela, pura alegria.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 839
Marciano Vasques

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