domingo, 9 de dezembro de 2012

SOBRE PERDAS E PERDÕES NOVAMENTE

—Rospo, fale sobre o perdão.
—Como diz o nome, é uma perda imensa, enorme, um perdão.

—Mas o perdão é uma perda grande? Eu pensava que fosse o contrário. Que fosse uma aquisição da alma. Quando você perdoa, você se enriquece...Seu espírito se avoluma...É uma quebra da angústia, do sofrimento e da insegurança.
—A necessidade do perdão é a perda grande. Ao ser perdoado, você recebe de fato um bem, porém, e bota porém nisso, o fato de ter sido perdoado ou ter que perdoar alguém, constitui-se numa perda... Algo se perdeu.
—Mas os sapos erram, precisam ser perdoados...
—Sim, de fato, tem mais perdão no mundo do que se poderia supor...
—O mundo está repleto de perdão...
—Principalmente na alma feminina do mundo. Tem mais perdão do que a vã poderia imaginar.
—Que vã?
—A vã filosofia, pois assim a ela se refere um certo senso comum, como se de fato ela pudesse se dar ao luxo de ser vã, coisa que jamais seria.
—Nossa!, quero uma conversa sobre isso, Rospo!
—Já convertido para conversa, Sapabela.
—Gostei dessa "alma feminina do mundo". Diga algo, querido: perdão é esquecimento?
—Não. Perdão e esquecimento são coisas diferentes. O esquecimento de mágoas, de rasuras no relacionamento e de outros atritos em nossa trajetória, é de fato benéfico: a alma se alimenta de esquecimentos. Assim nos revigoramos. Se fôssemos só lembranças, seria tudo muito pesado e não suportaríamos. Por isso, as lágrimas se recolhem e muita coisa se torna esquecimento, que é uma riqueza da memória, um mecanismo interior de defesa. Precisamos do esquecimento para sobreviver... Esse é o maior acúmulo da memória, o esquecimento das coisas que precisam dele, quer dizer, do esquecimento... É uma cortesia de nossa memória, uma dádiva, por isso de vez em quando é bom um brinde para o esquecimento.
—Nossa! Mas, então, o perdão é diferente do esquecimento?
—As coisas que são perdoáveis não se submetem ao esquecimento, ou não precisam recorrer a ele.
O não esquecimento, no caso, é uma grandeza, uma generosidade do Ser para consigo mesmo. Pois o Ser perdoa e isso é um bem incomparável, mas o não esquecimento é a sua segurança, a sua prontidão, pois geralmente, nem sempre, mas geralmente, quem engana uma vez, enganará mais vezes... O hábito de ser perdoado pode causar transtornos e cicatrizes na alma de quem perdoa, cicatrizes incicatrizáveis, hematomas, sequelas  tão profundas, que só com a preparação do esquecimento em sua própria ausência, que cria as condições para a fortaleza do esgotamento do perdão, que é quando para o esgoto vai esse "bem", se poderá resistir às novas mentiras, novas traições.
Perdoar é bom, faz bem, mas cada um tem a sua cota de perdão, e ela termina quando é zerado o estoque de perdas...
—Rospo, gostei, poderíamos comemorar essa conversa com um licor assim de anis, bem rápido...
—Já é tarde, Sapabela. A cidade dorme. Só o Facebook não. É tarde.
—Rospo, não fique falando palavras que eu não compreendo: o que significa "Tarde"? O que é "Tarde"?...
—Elegância graciosa.
—Estou de lilás.
—Lilás de tirar?
—O que é isso, Rospo? Estou falando do meu brinco, não está vendo?

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 834
Marciano Vasques

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