quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A CARTILHA DO AMOR

Com licença, senhora!
—Eu o conheço, Sapo?
—É Rospo o meu nome.
—E daí?

—Reparei que a senhora está andando com a sapinha.
—É minha filha.
—Perdoe entrar no meio do assunto, mas...
—Que assunto, Sapo?... Como é mesmo o seu nome?
—Rospo.
—Muito bem, pois digo qual é o problema.
—Reparei que a senhora não conversava com ela. Veio desde a ponta da rua sem dizer uma palavra.
—E daí?
—Por acaso, dona Sapona, observou uma nuvem no azul do céu?
—Não, nem havia olhado para o céu, mas, o que tem?
—Veja só, minha senhora...
—Ainda bem, se falasse novamente Sapona ia levar um safanão de palavras...
—Para uma criança basta apontar e dizer: Olhe! É uma nuvem!
—Está começando a me irritar.
—E a sua sapinha iria se lambuzar de azul...
—Ora!
—Reparou que na calçada havia um pombo? E no muro, um passarinho?
—Era um pardal, grande coisa!
—Você sabia que os franceses apelidaram a sua cantora maior com o sobrenome "Pardal", e essa foi uma bela homenagem?
—Não, não sabia, mas, desenrole de uma vez...
—Pois não: O pombo, o pardal, a nuvem, o azul... É a alfabetização para o mundo pela forma mais sublime...
—É?
—Sim, a voz materna... E a criancinha vai aprendendo as palavras, os nomes das coisas... Vai sendo alfabetizada pela conversa, pela voz que aponta e diz...
—É mesmo?
—E a senhora preferiu a distância da mudez, a solidificação do isolamento. De que adianta caminhar na calçada com a pequenina ao lado se perder a chance de mostrar para ela o que tem no mundo?... Reparei que passou um trator amarelo, e a senhora nada disse, e um cachorro na outra calçada e a senhora não apontou exultante, com aquele velho entusiasmo adolescente...
—Senhor Rospo... Não tenho o hábito de conversar com minha filha quando estou caminhando...
—Eis um belo caso em que em vez de hábito deveria se viciar.
—Está bem, vou pensar nisso. Agora, pode nos deixar, por favor?
—Só pra terminar: O caminho ao lado de seu filhinho ou sua filhinha é uma cartilha, é a primeira... que poderíamos chamar de cartilha do amor...
—Até estou gostando de você, Sapo, mas preciso ir...
—Essa sua última frase já é um sinal...
—Sinal?
—Sim, sinal de que a sonoridade de pardal pode se alojar em cada coração...
—É, talvez, talvez... Mas, tchau!
—Não se esqueça, tá? : Olhe o cachorro! Veja! Uma nuvem! ...
—Está bem, está bem... Obrigado, mas preciso ir. Tenho muita coisa pra fazer...
—Todos têm, cada um de nós. Acredite.

HISTÓRIAS DO ROSPO — 845
Marciano Vasques

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