sexta-feira, 2 de abril de 2010

MINOTAURO









MINOTAURO

Teseu abate o Minotauro - Museu de Villa Albani,Roma

Minos, fruto do ventre de Europa, que fora raptada por Zeus quando caminhava distraída na praia.
Ao ser abandonada pelo amante divino, Europa se casou com um mortal, o rei de Creta, que criou Minos como seu legítimo filho.

Assim, o jovem teve dois pais. Do segundo recebeu, além de amor e educação, a herança. Tornou-se rei.

Além de governar os férteis vales de Creta, tomou a bela e encantadora Pasífae como esposa.

Radiante, quis impressionar a todos, e como um tolo, começou a espalhar que teria os seus desejos atendidos pelos deuses. Ingenuamente pretensioso, fez com que suas palavras fossem com as ondas do mar.

Isso aguçou os ouvidos de Poseidon.

O rei cretense construiu um altar na areia da praia para Poseidon e diariamente orava.

Na oração um costume se impunha: fazia um pedido.

A oração tornava-se assim, não um ato puro de louvor, mas de troca, de barganhas, uma forma de se obter favores divinos. 

Minos orava não para louvar ao deus, mas para conseguir algo, e tanto orou que seu pedido foi atendido: um belo touro que sacrificaria em honra ao deus.


Com a perspectiva da homenagem, com tanta veemência prometida, o vaidoso Poseidon, enviou, das profundezas do mar um touro branco.

Das espumas das águas emergiu o belo animal que foi caminhando em direção à praia.

Um belo animal que impressionou os olhos puros de Minos, que não podia se dar conta de que era semelhante ao magnífico touro branco que um dia apareceu na praia e se aproximou de sua mãe.

Fora assim, transformado num belo touro branco, que o sedutor Zeus quis um dia conquistar Europa.

Minos foi enredado no labirinto do seu coração e, prisioneiro das complexas artimanhas da mente embevecida pelo orgulho, trapaceou com o deus.


Matou um touro do seu próprio rebanho, na frágil ilusão de que conseguiria enganar Poseidon e sair ileso.

Guardou o touro branco para si, estabelecendo com esse gesto estúpido a semente da tragédia em sua vida.

Pasífae tentou inutilmente adverti-lo de que deveria agir com retidão, que agindo da maneira como agia, só poderia trazer conseqüências desagradáveis para a vida do casal.

Mas não era seu o hábito de ouvir a mulher.


Assim como os deuses assumem a forma de animais para seduzir suas amadas mortais, Pasífae tentava bravamente assumir a forma da consciência de Minos, mas ele não permitiu.

Fechando com enormes portões as entradas da alma para as sensatas palavras da esposa, consumiu a loucura.


Os minóicos viviam a vida placidamente em seus afazeres diários, mas ele, o rei, não teria mais paz.

Os deuses não admitiram a sua atitude.

A vingança foi terrível.


Afrodite convocada, serviu aos propósitos vingativos.

Embora fosse a deusa do amor, de vez em quando promovia tragédias, dor e sofrimento.

A rima do amor talvez estivesse nascendo com ela, naqueles tempos.


Fez, com o seu poder, que a bondosa companheira de Minos se apaixonasse pelo belo touro.

Náusea, asco, horror, tudo isso desceu sobre Pasífae, como uma avalanche, mas, quem resiste ao poder de Afrodite?

Acuada pela irresistível paixão pelo animal, Pasífae ficou desesperada.

Seus lábios vermelhos ficaram úmidos de desejo e em estado de beijos, seu corpo teceu arrepios, sua condição de mulher desabrochou e ela se abriu para o amor.

Inútil fugir ao que sentia.

Dominada pelo desejo, enlouquecida, caiu em prantos, mas o desejo que escraviza também fornece a sua própria seiva.


Confidenciou com o fiel amigo de Minos, Dédalo, o incomparável artesão, o mais conceituado inventor da ilha de Creta.

Desde que chegou fugindo de Atenas, onde protagonizara uma tragédia ocasionada pelo seu doentio ciúme, Dédalo passou a servir a Minos, e muito contribuiu para o progresso da ilha com as suas invenções, que sempre traduziram a sua genialidade, tão imensa como a instabilidade do seu ser.


Ele construiu uma vaca de madeira, oca.

Dentro da falsa vaca, Pasífae, escondida, fazia o vergonhoso amor com o amante, o touro branco.

Contrariando a natureza, Pasífae, escondida dentro da engenhosa invenção de Dédalo, podia dar seqüência ao seu desejo anormal, do qual não podia fugir e contra o qual não podia lutar.

O touro branco diariamente a visitava, e juntos, os amantes se entregavam, saciando o furioso desejo.


Mas os deuses nunca estão satisfeitos!

O corpo de Pasífae atendeu ao capricho divino. Ela deu à luz a uma criatura monstruosa.

Seu filho, metade homem, metade touro.

“Minotauro. Esse será o seu nome!” - disse entre lágrimas, com o coração cambaleando entre o nojo, a repulsa, o horror e a capacidade infinita de doação, que caracteriza o amor materno.

Das profundezas do seu coração, vinha a exclamação mais bela que já pronunciara até então, em pensamento e vontade: -“Seja você como for, o importante é que é meu filho! Venha como vier, mas seja meu!”

Ninguém presenciou a cena mais comovente da antiguidade, a mãe abraçando forte junto ao seu peito, o filho ainda ensangüentado do nascimento. E entre as lágrimas horrorizadas brotou o sorriso materno.


Minos caiu em desespero com a brutalidade do castigo de Pasífae.

A sua dor aumentou intensamente ao compreender que ele fora o culpado dessa tragédia. Esse foi o primeiro impedimento em sua alma para que matasse imediatamente o enteado.

Procurou o oráculo que o aconselhou a esconder a sua vergonhosa realidade.

Minos acolheu o conselho do Oráculo, e passou a mastigar em sua alma a forma de esconder a monstruosa criatura.

Teria que ser um esconderijo perfeito, impenetrável. Mas, como?...

Foi ao artesão e pediu-lhe que construisse o esconderijo perfeito para o filho de sua mulher. Algo que fosse absolutamente seguro, para que o Minotauro não pudesse escapar e nem ser visto pelos habitantes da ilha.

Dédalo ouviu pacientemente e sentiu um certo regozijo por estar pela segunda vez atendendo a um capricho da família real.

Nem por um átimo de segundo sentiu remorso por ter sido cúmplice do amor bestializado de Pasífae.

Os dias seguintes os viveu pensando incansavelmente na sua invenção.


Olhava todas as tardes para o incrível palácio de Knossos e se punha a pensar, até que adormecia entre os apetrechos da sua imensa oficina. Teria que ser algo diferente de tudo que já tivesse construído e tudo que já havia visto.

Então, sua alma artesã foi tomada por uma súbita luz: Labirinto!

Dia e noite, sem trégua, Dédalo trabalhou na sua invenção. Ninguém jamais o vira tão envolvido na construção de um projeto.

Trabalhou com a ajuda preciosa de centenas de trabalhadores, que, como escravos, carregaram as pedras até o local, sem que um deles sequer pudesse jamais imaginar qual o objetivo de tal construção.

Finalmente o labirinto estava construído.


Ariadne, a filha de Minos, sem compreender o que significava aquela movimentação, perguntava aos pais, sem obter respostas. Mas, dizem, uma mulher jamais desiste, e passou a viver para descobrir o que significava o labirinto.
Perguntava à mãe, nas conversas diárias, sobre o propósito de uma construção tão imensa.

A mãe, amiga e confidente, que dividia com Ariadne a dor da existência do Minotauro, não tinha também a resposta.

Sugeria que pudesse ser apenas vaidade de Minos ou mania de grandeza.

Ariadne olhava para ela, olhava para o meio irmão, para o pai, para o labirinto. Mas o segredo estava guardado de tal forma que parecia que jamais um sopro sequer lhe traria a resposta.

O rei no seu palácio de Knossos olhava admirado e satisfeito a construção do labirinto.

Ficava bêbado de emoção e satisfação diante da monumental obra de Dédalo.


Enquanto isso, Pasífae alimentava e cuidava do filho monstruoso, sem saber que, ao se separar do leite materno, o Minotauro seria vitimado por uma nova maldição. Para alimentar a sua fome, só conseguiria comer carne humana.

O rei Minos, colocou no centro do labirinto o monstro.

- Por que não o mataste? – perguntou Dédalo.

- Não posso! Não posso! Não posso...

Atormentado, se afastou em silêncio.

Não permitiu que Dédalo reparasse em seu rosto a sombra do desgosto e as lágrimas de profunda tristeza.

Anos após o nascimento do filho de Pasífae, com a morte do irmão Androgeu, Minos declara guerra a Atenas, para vingá-lo.


Vencedor, decretou que os atenienses enviassem, como tributo, a cada nove anos, sete moços e sete virgens para servirem de alimento ao Minotauro, e assim, aplacar a fome do monstro.

O rei Egeu havia participado da morte de seu irmão. O povo de Atenas pagaria então pelo erro do seu soberano.

Um homem portador de um segredo imenso, não podia confiar em ninguém e o rei Minos encerrou Dédalo e seu filho Ícaro no labirinto.
Ítalo tenta fugir do labirinto - pintura de Charles-Paul Landom
A cada nove anos, os atenienses em pranto e luto iam ao porto para se despedirem dos quatorze jovens que partiam para o sacrifício.

Ninguém sabia da verdade sobre o Minotauro, apenas que era um horrível monstro aprisionado no labirinto, que se alimentava de carne humana.

A embarcação hasteava em seu mastro uma vela preta.

No porto, lágrimas, dor e incompreensão.

O rei Egeu, por duas vezes sacrificou os jovens atenienses, causando tristeza.

Então, na terceira remessa de jovens, seu filho adotivo, um formoso rapaz, com os traços físicos de Poseidon, segundo alguns comentários, apresentou–se como voluntário para matar o Minotauro.

Egeu concordou.

Conhecia mais do que ninguém a coragem e a determinação de Teseu, naqueles dias aclamado e festejado como herói e única esperança em Atenas, passando a simbolizar entre os jovens a força da juventude.

Egeu lhe fala do significado das velas negras e decide que o navio dessa vez, simbolizando a esperança, levaria também velas brancas, que Teseu deveria içar quando retornasse, caso voltasse como vencedor em seu empreendimento.

O navio partiu.

Dessa vez, além de lágrimas e dor, a esperança também flutuou nos corações do porto.

Em Creta, Teseu anunciou-se como filho de Poseidon.

Para prová-lo, mergulhou no mar.


Um grupo de delfins o levou até o reino de Anfitrite, deusa do mar, que lhe ofertou um anel e uma coroa de flores.

Minos, que estranhara a chegada da embarcação com velas brancas e depois zombara de Teseu, ficou surpreso com o desaparecimento do jovem nas águas, mas, com o seu retorno portando os presentes da divindade das profundezas marítimas, prontamente se convenceu da veracidade da afirmação do estrangeiro.

- Peço-lhe a autorização para entrar no labirinto.

- Está bem, você é o filho de Poseidon. Pode entrar. Se conseguir o que promete, Atenas estará livre do tributo e nenhum jovem mais será sacrificado. Se falhar, que o Minotauro lhe beba o sangue!

Aquela conversa estava sendo ouvida por uma jovem de olhos curiosos que mirava com uma atenção diferente a face do rapaz, enquanto em seu próprio rosto, a pele subitamente rosada, e o brilho elegante no olhar revelava o surgimento de uma paixão pelo estranho.


Ariadne sorriu o seu sorriso mais puro e sua voz se abriu em doçura enquanto as palavras, como flores, procuravam cativar o jovem na aproximação que nascia.

- Eu posso ajudá-lo!

Qualquer homem ficaria perturbado pela sonoridade que escorria dos lábios vermelhos de Ariadne, e ela caiu em felicidade e interpretou como aconchego a demonstração de Teseu de que fora atingido pela perturbação provocada pela sua voz.

Foi o suficiente para ela acreditar numa correspondência de sentimentos e segredou-lhe quase num sussurro imperceptível a ajuda que tinha para oferecer.


Talvez Teseu estivesse realmente interessado em ouvi-la e levasse a sério as suas palavras, talvez não, mas como aprendera com a esmerada educação dada pelo pai, a ser gentil, principalmente com uma mulher, permitiu que Ariadne falasse.

Ariadne por amor o ajudou dando-lhe um rolo de linha.

Teseu, um valente que não sabia amar ouviu a explicação da mulher e compreendeu que ela lhe fornecia a chave do labirinto.
- “Prenda o fio na entrada do labirinto e vá seguindo com ele até o centro. Quando voltar, vá enrolando a linha e então ela o guiará de volta!”

Assim fez Teseu.

Ao chegar ao centro ficou repugnado com a presença da criatura.

Matou-a após uma luta ferrenha. A força do monstro contra a habilidade de Teseu.

Quando saiu do labirinto, Ariadne o esperava.

Embarcaram com os jovens atenienses no navio.


Ela, radiante na felicidade que a ilusão costuma produzir. Ao olhar para os olhos de Teseu pensara encontrar os caminhos do seu coração.
Milhões de instantes entre cada frase, vividos ilusoriamente, buscando em cada gesto o amor que não havia, e vendo na vitória de Teseu o maior momento do amor inexistente, parte com ele.

Não compreende um só instante o quanto está só, e vê amor onde só há distâncias.

Teseu não a amava.

Ao passarem por uma ilha, abandonou-a covardemente. Permaneceram alguns dias na ilha antes de retomar a viagem e no dia da partida, esperou que ela adormecesse e se foi.

Os jovens, que por ele sentiam uma profunda admiração, diante desse gesto olharam para o seu rosto com decepção e tristeza.

O silêncio se instalou na viagem.

Não deve ter sido fácil para eles verem se esfarelar diante dos seus olhos o herói a quem deviam a vida. Que outra espécie de monstro vive dentro de um homem que engana a mulher que o ama? Teria sido essa a pergunta que os acompanhou na viagem?

Ficou tão empolgado por ter enganado a mulher que o ajudou, aquela que nele confiou cegamente, e foi por ele abandonada covardemente, tão empolgado ficou que esqueceu o trato que havia feito com o pai.

Esqueceu-se de içar as velas brancas e o navio chegou com as velas pretas.

O rei Egeu, desgostoso, atirou-se ao mar.


A sua morte chocou os atenienses. Um manto silencioso cobriu os corações.

Quando Ariadne soube da tragédia o seu coração transbordou-se de tristeza.

Dentre os sobreviventes salvos por Teseu, um deles, uma das virgens, olhando para o mar, chamou-o pela primeira vez pelo nome do seu rei.

A partir desse dia todos os atenienses passaram a chamar o mar de Mar Egeu.


O nome de Teseu ficou na memória afetiva do povo oscilando entre o herói e o traidor.

Alguns que gostam de interpretar tragédias e atitudes humanas, andaram dizendo que teria sido uma semente do Minotauro que, no suor da luta, transmitiu a Teseu o mal, que ele consolidou no abandono da boa Ariadne.

Foi apenas falta de amor.

 
 
MINOTAURO, recontado por Marciano Vasques


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