sexta-feira, 11 de junho de 2010

NO CINE SATURNO

Marciano Vasques
NO CINE SATURNO
 
 




No cabide da parede caiada da sala ficava pendurado o velho boné da CMTC. Isso significava que ele estava em casa. Que era dia da sua folga. Folga, eis uma das primeiras palavras que se instalaram em mim como sinônimos de felicidade. Quando eu a ouvia sabia que ele estava ao redor.
Um dia ele chegou com uma bicicleta. E falou para a minha mãe que havia arrumado um novo emprego, isso o deixou cheio de alegria. Um bico. Entregador de jornais para assinantes.
Só havia um mundo para mim: de cigarras e eucaliptos, onde eu podia brincar por trilhas e labirintos verdes. Mas a partir do dia em que ele retornou com um jornal algo na vida mudou.
Ele abriu o jornal na página dos quadrinhos e o deixou no chão da sala, sobre os tacos. Abaixei-me, sentei em cima do papel e curioso que só eu, percorri com olhos e dedos cada tira, cada quadrinho. Não sabia ler as palavras, mas lia as aventuras. Um novo mundo surgia, algo extraordinariamente belo me invadia o coração, uma súbita felicidade tomaria conta dos meus dias.
Quando ele surgia na esquina trazendo a bicicleta com as mãos, pois não dava para subir pedalando, eu disparava para apanhar um jornal. Entrava como um relâmpago e deitava sobre a página dos quadrinhos, não tardou muito para que eu passasse a cortar as tiras com uma tesoura e depois de um tempo estava colando-as sobre a enorme folha do papel de pão, fazendo revistas.
Não sei como aconteceu, mas um dia me peguei lendo, com uma certa vagareza, mas lia palavra por palavra, a assim me alfabetizava. Estremeci e o meu coração bateu muito forte quando li numa parede a palavra Firestone. Letra por letra. Sílaba por sílaba.

Dividi-me entre dois mundos.
De um lado os eucaliptos e os quintais, todos os quintais, porque não havia para nós diferença entre um e outro, não tínhamos ainda a noção de dono, e bastava que nos abaixássemos um pouco para passar por uma cerca de arame farpado.
Do outro lado os quadrinhos, um novo universo que me alfabetizava. Eram os dois mundos no qual a minha infância se movimentava. Dois eixos condutores da minha vida, a natureza e a criação humana nas folhas de papel jornal.
Um dia a mãe me levou à feira, e parou comigo diante de um monte de revistas espalhadas no chão. São gibis, ela disse. Não havia ainda ouvido aquela palavra, mas na hora ela grudou em minha mente. "Escolhe um".
Escolher um? Ela nem tinha idéia do bem que estava fazendo, ou tinha?
Escolhi um, um menino careca. Ela comentou. Esse está bom para você, ainda não sabe ler. Escolhe outro.

"Outro? Dois de uma vez?"
"Deixe que eu escolho pra você".
Ela pegou um gibi do Reizinho. Descemos a rua da feira. Ela carregando a sacola e eu com os meus primeiros gibis apertados nas mãos, feliz que não cabia em mim. O Reizinho e Pinduca.
Entrei na escola. Num instante estava lendo a cartilha da Branca Alves de Lima.
Um dia, corri muito mais para chegar em casa, levava comigo o meu primeiro livro de leitura, um com capa dura, de papelão forte, tinha um rinoceronte na capa. Era um livro de Monteiro Lobato.
Aí não teve mais jeito, a leitura me pegou pra valer. Um novo prazer em minha vida.
Uns quatro anos depois eu vivia o dia inteiro trocando gibis. Andávamos em todas as ruas, entrávamos em todos os quintais, era uma atividade cansativa, mas valia a pena, para toda a molecada da vila. Ao chegar o final do dia sempre tínhamos alguns gibis a mais, pois o bom era trocar dois por um, enfiar um dentro do outro, almanaque por dois ou três, e assim por diante.
Criança se vira de qualquer jeito. Foi por essa época que comecei a sentar horas seguidas no quintal na terra de areia e pó, e me pus a desenhar longas coleções, e a criar novos personagens. Quantos gibis nasceram na terra daquele quintal!
Um dia entrei pela primeira vez num cinema com a minha mãe para assistir ao filme "A Paixão de Cristo". Depois de alguns dias lá estava eu novamente em frente ao cine Saturno, numa fila esperando a venda dos ingressos para assistir a um faroeste.
Tinha uns onze anos, talvez. Após insistir tanto, meu pai consentiu, desde que fosse acompanhado por alguém de maior. Não tinha ninguém de maior, ele ficou num dilema, ou ia comigo ou não me deixava ir. Foi junto, resmungando até a metade do caminho, depois seguiu em silêncio, mas quando chegou em frente ao Saturno, ficou calmo e no seu rosto brotou um sorriso.
Desconfiei que era tudo encenação aquela chateação dele por ter que ir comigo ao cinema.

Entramos. E foi ali no Cine Saturno que reencontrei o gibi. Na tela. 


2 comentários:

  1. ...traigo
    sangre
    de
    la
    tarde
    herida
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
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    ramillete
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    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    TE SIGO TU BLOG




    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...


    AFECTUOSAMENTE
    CASA AZUL DA LITERATURA

    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE BLADE RUUNER ,CHOCOLATE, EL NAZARENO- LOVE STORY,- Y- CABALLO, .

    José
    ramón...

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  2. Gracias por relatarnos estos momentos tan importantes en tu vida.

    Los cómics, el Cine.
    Es tan bueno que los niños se acostumbren al tacto de las páginas de un TBO, aunque no sepan leer.

    Esto ayuda mucho a formar su personalidad y cultura.

    Un abrazo, Montserrat

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