domingo, 5 de dezembro de 2010

PAPAI NOEL PARA MISSIVALDAS

Inflorescências da manhã. "Vou bem, graças a Deus!". E Missivalda fecha a porta do barraco e se dirige ao ponto de ônibus. Dali, do Parque Guarani até a Vila Carmosina, tomará dois ônibus. Cada dia trabalha num lugar diferente: Conjunto José Bonifácio, Pinheiros, Patriarca. Sempre na casa de funcionárias da creche do Parque Guarani, da creche da Via Ramos, ou na casa de alguém que resolveu confiar na indicação. Passa, lava, faz qualquer coisa, além de ajuntar latinhas para vender, pois o importante é ganhar algum dinheiro, ainda mais nessa época do ano. Missivalda, a filha, fica sozinha no barraco. Às vezes, ela leva. Depende da patroa.
Violentada aos treze anos pelo homem de cinquenta e cinco, de nome Moacir e apelido Cigano, a mãe deu conselhos: "Viva com ele, minha filha. Será um homem bom para você. etc". Missivalda viveu dez anos como esposa. Sua filha nasceu três anos depois. Desde que Moacir morreu, ela dá um duro danado para viver. Ficou bem pior sem ele.
Vai Missivalda e vem Missivalda. Sua filha cresce bem. Herdou traços alagoanos do homem. Muito atrasada na escola. Missivalda, a mãe, se dá bem com todos os vizinhos da favela do Parque Guaraní. Gosta muito de seu Vitorino. Homem bom, ela acha. Só não sabe qual é o seu trabalho. Mas não tem nada com isso.
Emociona-se ao ver a filha folheando um gibi, ou fazendo bolo de barro, ou ainda, jogando pedras nas águas do córrego, se divertindo com as ondulações e contemplando os insetos ao lume das águas.
Numa tarde vai à Penha. Como é Dezembro, ajuntou um dinheirinho. Quer comprar aquela caixa de giz de cera. Sua filha com gizes de cera. Seria o maior Natal, o mais colorido, rabiscado em todos os lugares, em todas as tábuas. Também compra uma bonequinha na Rua das Noivas.
Depois, vai ai Shopping e vê, na Praça Central, o Papai Noel sentado e aquela fila de crianças. Um beijo e um abraço no bom velhinho.
Ao se aproximar, reconhece debaixo da touca vermelha e da barba postiça, os olhos do vizinho Vitorino. Estremece. "Sim, é ele!". Volta para o Parque Guarani com o pensamento febril. "Sim, por que não?".
Pertinho do Natal procura o seu Vitorino. Primeiro, jura guardar o seu segredo. Depois, roga para ele ser o Papai Noel da sua Missivalda na noite do 24. Vitorino aceita. Missivalda vê confirmada a certeza de que ele é essencialmente um homem bom, apesar de ser tido na favela como um homem rude, distante. Deixa com ele o pacote da boneca e a caixa de giz de cera. Ela tem o direito de realizar essa fantasia. Ainda mais que a filha está doentinha.
Vai dormir com a janela aberta, e deixa, do lado de fora, uma pequena escada de quatro degraus e a luz acesa. A menina ardendo em febre.
À meia noite, conforme o combinado, o vulto entra pela janela. Missivalda, a mãe, finge dormir. Missivalda, a filha, sonha sonhos de dipirona. Vê chumaços de luzes e bolas de algodão voando numa ventania. O Papai Noel deixa o pacote nas mãos de menina, que com os olhos agradece com um sorriso largo. O velhinho passa a mão em seu rosto, em sua testa, e a beija suavemente nos  cabelos. A menina sorri como se estivesse acordada.
Ao amanhecer, Missivalda busca pãezinhos na padaria em frente à escola Antonio Duarte. Tem ovos e leite. Fará rabanadas. A pequena adora.
Ao retornar, a vizinha, entre os varais da manhã, comenta a triste notícia - Logo na noite de 24 de Dezembro! Vitorino está no Hospital de Ermelino Matarazzo, foi uma parada cardíaca, ou um derrame. Ninguém sabe direito. Está em estado de coma desde ontem, às seis horas da tarde. Foi encontrado caído na Avenida Imperador, ali, na esquina da Laranja da China, caído, quase sete da noite. Vai ser difícil sobreviver. Passou a noite no Hospital. Seu estado é grave. Teve fratura do crânio por causa da queda. Bateu a cabeça num paralelepípedo.
- "Mas como?" - pensa Missivalda.
Vai imediatamente ao hospital e tem a confirmação: ele deu entrada às seis e quarenta e cinco e foi transferido para o Santa Marcelina às vinte e uma horas.
- "Como é possível?"
Ao chegar em casa, encontra a filha feliz, brincando, sem nenhuma febre, com uma vivacidade nunca antes vista. A menina mostra o desenho feito numa folha com o giz de cera. Um rosto de Papai Noel.
Treme ao ver o desenho da menina. - "Que rosto perfeito!" - pensa, abismada, Missivalda.
E do abismo da sua perplexidade, olha para o azul e as nuvens brancas que lembram barbas. No horizonte, naquela parte alta, que é a Cidade A E Carvalho, o céu, com pinceladas vermelhas do sol, lembra paisagem de giz de cera.

MARCIANO VASQUES

4 comentários:

  1. Lindo! me fez recordar da minha infância, acreditava e esperava ansiosa por papai noel, e numa bela noite acordei com uma linda cozinha americana azul e branca, foi uma encantamento para mim e até hoje acredito e espero papai noel..

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  2. Gostei demais. À medida que ia lendo, pensei que ia acontecer algo de violência e cheguei a achar que a leitura fosse me deprimir. Mas uma vez que comecei a ler... não podia parar... e me surpreendi. Um final muito digno de Natal!

    Um beijo.

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  3. Hola Marciano, un relato, bello.
    Dentro de la pobreza dde los personajes, trasluce una tierna historia de cariño y ternura, hacia su hija.

    Le acabo de enviar por email, un relato de mi utoria.

    Un abrazo, Montserrat

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  4. Amigo, passei só para ver se tinha algo novo.
    Ah! o comentário sobre a "cozinha americana" foi meu, esqueci de colocar o nomekkkkkkkkkkkk.. até, tenha um lindo dia
    luz
    Ana coeli

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