quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O ADEUS COMEÇA MUITO ANTES

— Está o velho amigo Rospo sentado à beira-lago lendo um livro de Ernesto Sabato quando ela chega com seu vestidinho rosa, uma flor colhida no caminho, e...
— Rospo, posso interromper a sua leitura?
— Claro, Sapabela, diga...
— Fale sobre o Adeus. Por que os sapos sofrem tanto quando o Adeus chega repentinamente?...
— Talvez por isso mesmo, por essa ilusão...
— Que ilusão, Rospo?
— Acreditar nessa mentira aceita socialmente, de forma consensual, e sedimentada através dos tempos...
— Que mentira, meu amigo?
— A de que o "Adeus" chega assim, abruptamente, repentinamente...
— E não é assim?
— Não, minha querida...
— Como pude me enganar tanto?
— O "Adeus" começa muito antes...
— É?
— Sim, ele tem um histórico, ele não é apenas exatamente aquele momento no qual é pronunciado, ele começou bem antes. Certamente, nasceu no primeiro descaso, na primeira tristeza, no primeiro desleixo...
— Entendi, no primeiro maltrato....
— Sim, no primeiro abandono, no primeiro desamparo... Pois as miúdas agressões do cotidiano, o desprezo pelas coisas que são essenciais, como um gesto simples de dedicação, a falta de atenção, essas coisas só representam algo: abandono. É aí que nasce o "Adeus"...
— Então o "Adeus" pronunciado, quando o sapo ou a sapa decidem partir de forma definitiva, é apenas a ponta de  um iceberg, uma centelha num mar de chamas...
— O "Adeus" é muito exigente, ele não nasce assim do nada, ele exige uma construção, uma arquitetura. Maltratar, desprezar, ignorar, silenciar, menosprezar, esquecer, gritar, xingar, ofender...
— Rospo, é melhor valorizar mais o "Adeus", em vez de ficar apenas chorando e se lamentando, seria bom se cada um fizesse um inventário...
— Com certeza. Iriam todos descobrir que o "Adeus" começou lá atrás, bem no passado, e veio tomando forma na soma dos dias...

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 —  438
Marciano Vasques
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