— Mire, Sapabela! Lá vem ela, com suas garras afiadas, seus dentes pontiagudos, sua face assustadora, querendo estraçalhar as nossas almas...
— Quem é ela? Que criatura é essa?
— É ela! Costuma medrar em nosso cotidiano. Em todos os cotidianos... Fuja dela!
— Pronto! Já fugi. Mas, de quem está falando? Essa coisa de "garras afiadas" até que me assustou... Não estou afim de enfrentar nenhuma fera num domingo de Outono...
— É ela, a rotina.
— Rospo, mas você pode se quiser ludibriar a rotina, você é responsável pelo seu cotidiano...
— Pensa que é fácil?
— Eu nem pretendia que fosse. Aliás, lembre-se sempre da sua flor de Setembro... Sempre tão aparentemente frágil, sempre cativando atenção, cuidados, pois simboliza em si o desamparo, mas o seu azul atravessa os tempos... Venceu todos os temporais, toda a erosão...
— Está falando da miosótis?
— Sim, então, nesse sentido, você pode modificar o seu cotidiano, e varrer para longe a rotina... Seja a miosótis da sua vida...
— Está um pouco confuso para mim, Sapabela.
— Estabeleça as cores que irão florescer no seu cotidiano e verá que a rotina fugirá para bem longe... E a tal fera com unhas afiadas será uma lembrança apenas...
— Parece fácil, mas não é. De qualquer forma, falar é sempre fácil...
— Ora, Rospo... Esqueça essa coisa de fácil... Apegue-se ao mais difícil de tudo...
— O que é o mais difícil de tudo?
— A decisão. Ela é o chamariz do querer...
— O som melodioso do chamariz é violino para a alma...
— Rospo! Não estou falando do pássaro! Estou falando da coisa que é usada para chamar a atenção... Imagine que você seja um grande magazine de sentimentos. O chamariz seria aquele principal sentimento exposto por você para atrair os olhares de todos para o seu interior...
— Bem, Sapabela, de qualquer forma, gostei demais desse tal chamariz, pois se tem a ver com o querer...
— O querer abre as portas para o desejo, que é o grande templo...
— Templo?
— Imagine um local imenso onde sapos e sapas possam se encontrar...
— Prossiga.
— O desejo orienta a vida...
— Bem, com desejo não há rotina que grude...
— Pois é, Rospo, se cair na rotina, escape dela e entre de vez no carrossel da vida...
— Hoje você está inspirada.
— Você que é o culpado, pois afinal vem com essa criatura ameaçadora... Quero é ficar longe dessas garras terríveis...
— No fundo, os sapos nem se deram conta, mas a rotina adora ser enganada...
— Está entrando no eixo, Rospo, está entrando no eixo...
HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 530
Marciano Vasques
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