quarta-feira, 6 de abril de 2011

O BELO QUE AMA O BELO

— Belo que ama o belo. O que isso quer dizer, Rospo?
— Quando eu era um sapinho, e isso já faz um tempo...
— Mais de duas décadas...
— Como se não bastasse a cadência no andar, o brilho nos olhos, o vestidinho azul, ainda é tão gentil...
— O que ia mesmo dizendo, Rospo?
— Quando eu era um sapinho ouvia dizer que beleza atrai beleza, e quando me tornei um adolescente, no meu caderno de poesia já estava percebendo que o belo gruda em quem o ama...
— O belo se aproxima e se confunde na alma daquele que o ama e o procura...
— Dizem que o belo é uma questão de olhar, que o belo...
— Lá vem Kant.
— Como disse?
—Nada. Prossiga.
— Quando você o ama, está atraindo o belo para a sua vida.
— Então ele existe?
— Sim, e se torna mais belo na proporção do seu amor.
—Então o feio também pode se tornar belo na medida em que for por você amado?
— Teria que partir do pressuposto de que aquele que ama o belo poderia amar o feio ou por ele se interessar...
— Então o feio também existe?
— Naturalmente. O antônimo de belo é horroroso... E se você amar o belo, o verá se desabrochar nas cores de uma pintura, nas imagens de uma foto, nos acordes de uma canção, num sorriso... Num poema, num...
— Se a vida é filha da arte, podemos acreditar que a vida é bela?
— Às vezes penso que encontramos mais motivos para acreditar que a vida é feia, não ela em si, mas o mundo. Quando eu vi a dor estampada nos olhos repletos de águas sangrentas daquela mãe que teve o seu filho inocente assassinado brutalmente pela polícia, quando eu ouvi aquele grito de dor, aquele pranto que inundou o dia, pensei que talvez o mundo fosse feio...
— E não é?
— Depois vi os poetas erguendo seus versos nos varais das almas inquietas, vi o menino na valsa do vento colorindo a imensidão com a sua pipa, quando vi a sapinha enfeitando a sala com o seu sorriso, e quando eu vi a mãe ninando o seu pequenino...Vi também o quanto a nossa responsabilidade aumenta, o quanto cada um de nós tem que estar sempre à espreita, como uma fortaleza ambulante...
— O que está dizendo, Rospo?...
— Que o meu, o seu, e cada coração, é feito de retalhos, de cicatrizes e de bálsamos... E é o meu coração que deve vigiar, estar sempre de prontidão para com aqueles que precisam de nossa proteção permanente, pois são eles que embelezam o mundo...
— Os pintores, os artistas...
— Sim, mas também os sapinhos com suas pipas, a criança que sorri e encharca a sala de luzes infantis, o menino bailando na aventura de viver, o violeiro, o sapo que nas distrações da vida encontra o seu amor...
— E como vamos protegê-los e garantir o belo nas coisas que são?
— Não se calando, jamais, diante das  injustiças do  mundo, como, por exemplo, o grito mudo dos olhos da mãe que perdeu o seu filho querido pela incompreensível força bruta, por exemplo...Temos sim, cada qual a seu modo e com seus próprios recursos, que denunciar todo e qualquer arranhão no belo.
— E só então poderemos ver o belo que se ama não ser mais imperceptível para a multidão...
— Quando a multidão se desapegar da dor e das tristezas e da podridão dos subterrâneos do mundo, seus olhos se voltarão para o belo.
— Com certeza a arte dá uma força, um empurrãozinho...
— Mas o querer que nasce no coração de algum sapo que ninguém nota na multidão, também...


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 517
Marciano Vasques
Leia em CIANO

3 comentários:

  1. Vi os poetas erguendo seus versos nos varais das almas iinquietas, vi o menino na valsa do vento...temos que estar sempre a espreita...
    Estou sempr aqui a espreitar o Belo
    Como disse o grande filósofo Platão, o belo é tudo que eleva a alma..
    Luz
    Ana

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  2. Amei o seu blog. Amei o Rospo e a Sapabela.

    Parabéns por passar mensagens tão profundas.

    Abraços.

    Déborah Carvalho

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