quinta-feira, 28 de abril de 2011

UMA TAL FORTALEZA...

Como é difícil se abrir para o outro!
— Com certeza, Rospo.
— Em se tratando de poetas, de literatura, é mais difícil ainda...
— Quer falar sobre isso?
— Só se for com uma garapa...
— Adoro caldo de cana. Garapa me lembra dos meus dias de garupa nos caminhões da vila. Mas será que não corremos o risco de ficarmos mais verdes?
— Na verdade, você é rosa...
— São seus olhos, mas fale da dificuldade de se abrir para o outro...
— É muito difícil um poeta, um candidato a uma vaga nesse universo tão complexo, elogiar despretensiosamente o outro, inclusive quando o outro é bem mais talentoso, pois isso acontece, às vezes, de um poeta ser mais talentoso do que o outro. É também muito difícil, para a maioria, dizer ao outro: — Olhe, o seu trabalho é bom, é muito bom mesmo. Parabéns! — E inclusive, divulgar o outro. De certo modo, cada qual quer mesmo saber e cuidar de si... Nos encontros têm toda uma chuva de confetes, elogios de boca, mas fica tudo por ali. Naturalmente que encontramos sempre uns ou outros sapos com a alma aberta, que destoam da multidão, esses têm o coração de amigo... Esses são os que diferem, que devemos adicionar em nossa vida real, como amigos e como aqueles que estão além do que se condicionou ser aquilo que deveria alguém se pronunciar no mundo... Ou seja, as presenças são pronúncias do ser.
— Continue, Rospo... Já que você gosta mesmo de assuntos espinhosos...
— Sapabela, você fica dando corda, fica dando linha, empinando a conversa, como se os ventos fossem sempre favoráveis...
— Dar linha é o requisito essencial, Rospo...
— Pois bem, geralmente os sapos que escrevem, não todos, claro, mas a maioria, procura se esconder num silêncio altamente revelador... diante da obra de um parceiro, um contemporâneo...
— Por que "altamente revelador", Rospo?
— Pois revela o maior dos aplausos, que é o aplauso do silêncio...
— Você já andou falando sobre isso, Rospo... Por quê insistir nesse assunto?
— Por que devemos decifrar o espírito da época...
— Ou da alma?
— É, pode ser.
— Não precisamos nos preocupar com essas coisas, Rospo. O importante é deixar a poesia fluir, cada vez mais cristalina, mais autêntica, mais sincera, mais transparente, mais lúcida, mais lapidada...
— Falando nisso, vamos lavar nossos rostos no riacho da poesia?
— Vamos! Já estou indo!
— Assim nossos corações se expandirão cada vez mais...
— Esse é o meu Rospo!
— E cada aplauso silencioso será um novo tijolo nessa fortaleza...
— Fortaleza?
— Sim, a fortaleza da poesia...
— E onde está essa fortaleza, Rospo?
— Na vida, nas ruas, no capim roçado pela ventania, no azulão de uma tarde de vidro transparente, num sol que clama cigarras, nos aromas de uma profusão de vidas, vidas que se entornam, se esparramam...
Aromas de anis, de bolos sem enfeites e sem glacês na felicidade de mil olhos infantis...
— Entendi, a poesia está aí, é so recolhê-la... Mas, essa conversa tergiversou...
— Pode até tergiversar, desde que tenha versado. É assim mesmo... A conversa é feita de laços que se expandem numa suave leveza...
— Moço! Dois copos de garapa!
— Nem precisam pedir, já estão aqui, prontinhos, com cubos de gelo...
— Como sabia que pediríamos?
— Ora, quem não conhece vocês dois?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 553
Marciano Vasques
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5 comentários:

  1. Está giro, verdadeiramente giro, o dialogo. Sou daqueles que ajudam os amigos escritores menos talentosos... ou mais talentossos. Ao fim e ao cabo todos temos um estílo... e ai ninguém pode dizer que é mais ou menos talentoso que o outro, seu igual.
    Também gostei de o conhecer e visitar seus trabalhos literários. Está de caras que não sou daqueles que não comentam por inveja... beijo amigo.

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  2. Isa,
    Maravilha!
    Pesquei você, graças ao Rospo. Na verdade, ele sabe que o talento é uma questão de dedicação, de aperfeiçoamento, de persistência, de lapidação...
    E assim como você, existem outros tantos e tantos que também comentam e elogiam a obra do outro... Mas o Rospo quis cutucar o aplauso silencioso...
    Um abraço, um beijo, em seu coração,
    Marciano Vasques

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  3. hola migos:

    Rospo filosofando, buscando la esencia de las cosas.
    El espíritu de la época
    De la vida del cielo azul, de las calle del olor anís..., que son la fortaleza de la Poesía
    Al final los dos placidamente saboreando unas copas.
    ¿Entendí bien?.
    He disfrutado con esta lectura.

    Aplaudo clac, clac clac.
    Beijos, Montserrat

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  4. Montserrat,
    Rospo será um eterno provocador das coisas que ficam lá no fundo da alma a boiar.
    Ele adorou o aplauso: clac clac clac...
    Também estou sempre prestando atenção na conversa desses dois, que são bons amigos, e são amigos de verdade, embora recebo muitos e-mails de pessoas que pedem para que os dois se tornem namorados.
    Tchau, um beijo,
    Marciano Vasques
    Obrigado por tudo!

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  5. Ai, ai, Rospo fala coisas tão lindas..A cada dia ele põe um tijolo na fortaleza da Poesia e encanta a todos
    Aplauso para seu coração expandido de talento e sensibilidade
    Luz
    Ana

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