quinta-feira, 2 de junho de 2011

O APRENDIZADO DAS ESCOLHAS

 Lá ia a Sapabela com seu vestidinho, repleta de outono no coração. A calçada ensolarada chamava o dia para o tempo de viver. No caminho, cheiro de broa quente mesclada com oliva... Então, encontra o velho amigo Rospo.
 — Rospo, a vida é feita de escolhas.
— Olá, Sapabela.
— Olá!  A vida é feita de escolhas...
— Tudo na vida é escolha, desde a flor de outono de cada um... Como as simples decisões do cotidiano...
— Ou você decide sim ou decide não.
— Um "Sim" modifica toda uma vida.
— E um "Não" também... E você?
— O que tem eu?
— Como andam as suas escolhas?
— Digo "Não" para toda forma de tirania, de opressão, de sofrimento... E digo "Sim" para toda forma de encorajamento, de alegria, de aventura, de quereres...
— Rospo, só tem duas escolhas que não podemos escolher... Bem sabe...
— É verdade. Porém tanto a primeira quanto a segunda incorporam em si outras escolhas...
— Vamos traduzindo isso, meu amigo...
— Veja só. A primeira escolha sobre a qual não temos autonomia é o Nascer... Ninguém escolhe nascer... O sapo nasce, e pronto, nasceu!
Mas desde que o sapo se entende por sapo ele deve a cada manhã vislumbrar o aprendizado do renascer... Deve aprender a renascer a cada dia, a cada novo despertar...
— E como isso é possível?
— É fácil.
— Diga, então.
— Basta se apegar ao sorriso, à sinceridade, à amizade, ao sol, ao vento, ao amor que brota no coração, basta acreditar e sorrir, lançar ao ar o seu riso, por mais acanhado que seja... Ou seja, ou você se apega ou se apaga...
— Bravo! Temos que aprender a nascer diariamente. Essa é a grande experiência na vida...
— É o magnífico teatro...
— Mas, e a segunda alternativa? Ninguém aprende nem quer aprender a morrer...
— Engano seu, minha querida.
— Faz tempo que não me enganava...
— Ora veja, basta você se ensismemar no marasmo da rotina cotidiana, basta se afastar da poesia, da boa música, do cinema, das amizades sinceras e transparentes, da blogosfera e da vida real, feita de cores e curas...
— Curas?
— Sim, caras curas para a alma, para o coração... Basta olhar para o vento bailando na lisura do verde, basta ver as nuvens que se desfazem e refazem, o sapinho que galopa na linha da pandorga...
— Então aprender a morrer é...
— Ensaiar diariamente. Fechar a cara, abolir o sorriso, esquecer que a vida o chama na aventura de viver, esquecer de rolar na grama com as crianças, esquecer do diapasão da alma que resvala nos capinzais...
— Rospo, eu sou criança, tenho o meu olhar renovado diariamente, não ligo para as opressões... Caras fechadas não me interessam. Eu passo por elas... E sou assim, livre, forte, e ao mesmo tempo apenas eu, nada além disso, e quando sou eu sinto que estou naquele baile entre as folhas... Pode deixar que comigo não tem vez esse negócio de aprender a morrer...
— Eu sei, Sapabela... Só de ver a largura espontânea do seu sorriso e esse vestidinho...
— O que tem o vestidinho a ver com isso?
— Tudo, Sapabela... Ou nunca ouviu dizer que as cores das roupas refletem o nosso espírito?
— Meu espírito está entre as flores, no azulão das montanhas, na verdejância dos mares, no frescor das palavras ditas com o coração, está nos respirares da vida, no pão, na graxa, no riacho que acho que ri...
— Sapabela: viva! Já sei qual é a sua escolha diária.... Qual é o seu aprendizado...


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 598
Marciano Vasques
Leia CIANO

Um comentário:

  1. Ter que aprender a renascer diariamente... escutar estes dois conversando me enche de alegria.
    LUZ
    Ana

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