terça-feira, 12 de julho de 2011

TANTA PERDIÇÃO

—Como o antúrio é obsceno...
—Pare com isso, Sapabela! Está vendo além da conta...
—Estou brincando com a imaginação, Rospo.
—Eu sei, minha linda... E quando eu disse "Pare com Isso!" eu quis dizer, prossiga...
—Isso me lembra as histórias de quando eu era bem menina, uma sapinha a correr entre o frescor do capinzal e o azul de tardes repletas de doçuras...
—Doçuras em todos os sentidos, não é?
—Sim, a panela com doce de abóbora, um bule de chocolate, e ao mesmo tempo, pois tudo acontece ao mesmo tempo, as primeiras tiras de quadrinhos que eu queria ler, mas não sabia ainda decifrar aquelas coisas chamadas letras, então, o avião voava e o voo ficava infinito, e o incêndio na floresta incendiava o mundo...
—Sim, você era uma menina, mas estava para dizer algo, lembra?
—Sim, eu ficava à beira da varanda ouvindo as histórias das mulheres que teciam...
—E então?
—E sempre falando que a filha de fulano de tal havia se perdido, e tal moça também se perdera...
—Interessante.
—E uma outra sapa também havia se perdido...
—E?
—O curioso é que havia mesmo um imenso eucaliptal... repleto de eucaliptos que sempre se transformavam num bosque fantasmagórico, mas às vezes, quase sempre numa floresta encantada, onde eu exercia a minha liberdade de ser criança...
—E o que tem isso a ver com tanta perdição?
—Pois é, eu não conseguia entender porque tantas sapas se perdiam, não conseguia imaginar tantas moças se perdendo naquele vasto mundo...
—É que as palavras são filhas da época, entende?
—Espere um pouco, Rospo, acho que me perdi.
—Tenho certeza de que não, Sapabela.

Marciano Vasques
HISTÓRIAS DO ROSPO — 637


Rospo está aos sábados em
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