sábado, 27 de agosto de 2011

FRAGMENTOS PARA UM SÁBADO

Na manhã de sábado tudo se avizinha numa alegria de azucrinar alma embaraçada ou cinzenta. Fico com aquela vontade de caminhar na cidade, como fazia nos velhos dias, que só são velhos na expressão popular, no modo de dizer, e eu era apenas um moço que caminhava nas calçadas, passava pela Ladeira da Memória, subia a Xavier de Toledo, e sentava alguns minutos na entrada da Biblioteca. Depois seguia em frente, para aonde ia? Não sei, não me dou mais conta daquele rapaz com o tórax azul repleto de poemas doces como churros, que eram rabiscados na mente e depois se perdiam, como sempre acontece com as coisas que realmente importam, e que se perdem numa ousadia imperdoável. E lá estava eu abismado no azul acima do prédio do Diário
Popular, e depois, nem sei por qual motivo já estava na Nove de Julho, e voltava e a cidade era um novelo encantador, um labirinto de paz e harmonia, uma vontade de realizar coisas que explodiam na nascente do querer, na imperiosa  necessidade do dizer ou apenas do sentir. numa estelar pororoca enchendo os olhos.
Assim lá ia eu me despedaçando nos fragmentos da cidade a me envolver nos caminhos ao léu. Somos palimpsestos, vivi a repetir isso em algumas conversas e em alguns escritos, reescrevemos a cada manhã a nossa própria história sobre camadas e camadas.
Tudo veio numa inefável explosão, num indelével sentir que sempre me atropelou o coração. Eu sempre fui muito mais do que quis e do que poderia se tivesse melhor me orientado pela ventania.
Todos os poemas, um verso apenas de Neruda, um verso apenas de Roberto Piva, como é possível que às vezes me sinta distante daquele andarilho, mistura de espantalho com arlequim, acondicionado no caminhar pelas luzes da cidade.
E hoje, tudo se tornou tão diferente, e meus olhos embotados da novidade do mundo, já se esquivam de sentir uma alegria tão intensa como aquela de apenas ser e brotar em águas suaves num riacho de poesia e de mistérios.
Para onde ele terá ido, aquele rapaz? Um jovem na calçada da Sete de Abril? Quem terá prestado atenção nele?
A manhã já pede o seu cachimbo, já pede as doçuras de ser sábado, e na novidade da força motriz que nos mantém acesos, leio que um poeta, alguém, um face, eu diria, alguém que deve gostar muito de mim, acaba de me adicionar num grupo. Sim, sem que eu tivesse pedido ou ao menos cogitado, fui adicionado a um grupo. Agora eu estou e faço parte de um grupo, pois um cavalheiro, um poeta me adicionou em um.
Fico às vezes impressionado quando me apercebo na multidão, com toda a exatidão daquilo que realmente sou. Um sujeito amável, claro, de alma clara, sem rabiscos, ou melhor, lambuzada de rabisccos das crianças que conheço e encontro em minhas andanças, que me oferecem seus desenhos simples e perfeitos e me fazem lembrar que enquanto existir um só lápis de cor o mundo estará em perfeita sintonia com as coisas que realmente importam. E esses desenhos que me são oferecido desenham em mim uma capacidade de me comover que parece não combinar com a ideia que se faz de um homem, tal como o cinema costuma mostrar: guerreiro, com armas, lutando, esmurrando, vivendo em harmonia com a violência que satisfaz a multidão.
Sim, sou um sujeito amável, claro, alegre e amigo, e poderia estar fazendo tanta coisa neste sábado mas estou aqui digitando confissões e confusões da minha mente cor de vidro, porém tenho a indelicadeza de não agradar de forma ampla a todos, por insistir em algumas coisas que alguns aparentam crêr em desuso, como a ética, o respeito, a ética profunda, sincera; é nela que me amparo quando estou no picadeiro ou me equilbrando num exercício de ser artista.
Não sei mesmo o que dizer a alguém que me adicionou a um grupo sem que eu tenha solicitado, mas preciso em adequar, me atualizar, pois estou diante de algo que faz parte do espírito da época. Algo que talvez sinalize o quanto a nossa geração tem que batalhar para o aperfeiçoamento da nova era, na qual somos protagonistas, cada um de nós, quando estamos aqui a digitar.
Devemos sim nos orgulhar, pois estamos inaugurando uma nova era, e só precisamos garantir, nem que seja numa passeata virtual, o adicionar da aventura da ventania no rosto, com sua extraordinária força poética.
E por mais que nossos corações estejam a ser tornar digitais, sempre é bom lembrar que a felicidade está ali, a nos espionar com suas piscadas, ali, no simples, no que é docemente simples, como um doce caseiro que alguém fez com amor para a sua pequena comunidade.



MARCIANO VASQUES

Um comentário:

  1. Marciano,

    Muito obrigada por me emocionar com essa sua linda prosa poética nessa manhã de sábado.
    Um abraço,
    Rosane

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