domingo, 21 de agosto de 2011

SE FICAR UM TEMPO...

Se ficar um tempo assim um pouco mais longo sem falar de Spinosa, penso que os aborrecimentos do cotidiano jamais serão breves como a vida.
Se ficar um tempo a mais sem falar de Drummond, de Cecília, de Quintana e de quintal, será um tempo seco, sem aquele caudaloso sentimento de doçura e de amizade que vigora na contemplação da saga das coisas.
Se ficar um tempo sem Cora Coralina será como um tempo sem perdões, sem pardais e sem doceiras para adoçarem as nossas bocas, e sem a ventania, o orvalho, sem a neblina e sem o sol aquecendo as telhas.
Se ficar um tempo sem poemas, sem um livro, sem uma doce canção, será um tempo árido, meio brusco, sem a quentura das palavras pronunciadas num aconchego de amizades sinceras.
Se ficar um tempo só, um tempo miúdo que seja, sem rabiscar uns versos, sem ler um gibi daqueles em P&B, com aventuras para não se esquecer, será um tempo sem graça.
Se ficar um tempo sem dizer frases de amor, sem abraçar e sem buscar lábios para beijar, será um tempo sem asas e azuis.
Se ficar um tempo sem sorrisos e sem roseiras, sem conversas e declarações aveludadas nas cantadas dos recantos das noites, será um tempo sem motivações, sem conquistas e sem tesouros.
Se ficar um tempo sem falar sobre as injustiças do mundo, sem angústias pelas violências contra a humanidade, será um tempo sem cores e sem crenças na inabalável força do amor.
Se ficar um tempo sem ir ao cinema, ao parque de diversões e sem ver as espumas do mar, será um tempo sem aventuras e ternuras,
Se ficar um tempo sem brincar ou apenas contemplar as crianças que brincam e correm, os meninos com seus carretéis, e as meninas no Adoletá, como borboletas zonzas de luz, será um tempo sem aplausos, sem gargalhadas e sem claridade no rosto.
Se ficar um tempo sem cantarolar, sem cochichar frases tímidas e gloriosas, será um tempo sem uma réstia luminosa de verbos encantados e sem ramalhetes.
Se ficar um tempo sem Jorge Amado, sem Clarice e sem Florbela Espanca será um tempo vazio, sem o conhecimento da dimensão que norteia a alma para a grandeza que passa.


MARCIANO VASQUES

2 comentários:

  1. Nossa Marciano,você fez um verdadeiro tratado de coisas belas para tornar nossa vida um OCEANO AZUL. Só faltou uma coisinha para ficar completo...Se ficar um tempo sem ler CASA AZUL DA LITERATURA, "sera um tempo vazio , sem o conhecimento da dimensão que norteia a alma para a grandeza que passa."
    Luz
    Ana Coeli

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  2. O texto tocou-me! O tempo é construído pelos nossos movimentos, por mais pequenas e sutis que sejam. Uma música, um poema, um filme, uma brincadeira, uma palavra ouvida ou pronunciada fazem muita diferença: dão sentido ao verbo existir.

    Obrigado pelo lindo texto amigo!

    Samuel Pinheiro

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