domingo, 25 de setembro de 2011

DE BITUCA NO DIÁLOGO SURREALISTA

Rospo lendo o jornal na praça e, por distração, de bituca no diálogo surrealista de um casal.
—Se você fizer amor com outra sapa, não olho mais para você.
—Se não fizer amor comigo, para qual sapa deverei olhar?
—Você só fala nisso, em fazer amor.
—É fazendo amor que a gente faz o amor.
—Pois podemos fazer outras coisas, como regar o jardim...
—Naturalmente que sim. Fazer amor é tão prioritário como as outras coisas, para não dizer que é o melhor de tudo.
—Sapos!...
—Pense bem, querida, ou melhor, não pense. Perca a cabeça. Posso dizer algo?
—Diga. Diga o que quiser.
—Para qual sapa eu deveria dar prazer? Se eu a amo, é com você que quero fazer amor. Você é a sapa que eu amo...
—A vida não é só sexo.
—Claro que não, Tem sorrisos, chocolates, flores, cinema...
—Estou começando a gostar desse papo — diz o Rospo.
—Não se meta, Sapo! Cada anfíbio no seu lugar!
—Não extrapolem. Deixem a raiva só com vocês.
—Não dê confiança para esse sapo ridículo!
—Toda fúria pode ser evitada ou controlada. Mas, bem, vou continuar lendo o meu jornal.
—Meu bem. Se faz amor comigo, serei feliz. E se não faz, o que devo eu fazer?
—Ora, pare de pensar nisso, e sabe muito bem esperar. Podemos caminhar de mãos dadas, colher flores...
—Altamente arrebatador para o meu desejo...
—Estou começando a torcer por esse sapo.
—Fique na sua, Sapo!
—Já estou na minha, podem continuar.
—Diga até quando deverei esperar?
—Ora, meu bem, não sei até quando, mas esse dia chegará...
—Mas somos nós que puxamos o dia...
—Tenha paciência. Saber esperar é uma virtude.
—Se eu procurasse uma sapa, sem amor, só o prazer, então tudo se acalmaria e eu continuaria esperando você, e com você seria com muito amor, pois eu a amo.
—Jura?!
—Jurar é muito pouco, e é fácil. Quero provar.
—Mas só sabe provar assim, sentindo desejo? E além disso, e se eu procurasse um sapo, também sem amor, só prazer, o que me diria?
—Ocorre, minha querida, que neste caso você não tem direito...
—Como é? Agora vai ter que me explicar!
—Pronto. Vão sair no tapa.
—Ó sujeito, fique na sua, lendo o seu jornal bem quieto aí. Senão, sopapo no sapo vai sobrar...
—Ele é bom de trava lingua.
—Vamos embora daqui, que esse sapo está me irritando...
—Vamos ficar. Não ligue para esse sapo boboca...
—Eles que perdem tempo e eu que sou boboca.
—O que disse?
—Eu? Eu disse algo?
—Olhe, meu bem, qualquer dia eu decido e faremos amor.
—Qualquer dia é um prazo muito longo.
—Que prazer longo?
—Prazo! Eu disse prazo!
—Não vivo pra te dar prazer!
—Mas eu vivo. E claro que não se vive apenas exatamente para isso, mas dar prazer está no Estatuto dos namorados. Já leu?
—Esse Estatuto existe?
—Claro que tem! Esse estatuto trata de tudo: começa pela atenção, pela dedicação, pelo investimento no outro, pelas carícias do olhar, pelos sorrisos... Precisa ler o Estatuto dos namorados....
—Esse sapo é bom.
—O que disse aí?
—Calma, meu camarada! Estou dando uma pitadinha de força...
—Meu bem, fiquei com uma dúvida.
—Pode dizer, minha flor.
—Eles têm tudo, mas ela fica truncada...
—Cale-se, Sapo! Pois bem, diga qual é dúvida?
—Disse que eu não posso procurar um sapo só com prazer, sem amor, mas você mencionou procurar uma sapa só com prazer, sem amor...
—Só mencionei, meu bem, sabe que eu jamais faria isso.
—Ou esse cara é bom demais, ou leu o tal do Estatuto...
—Já está esse sujeito se intrometendo.
—Quer pipoca?
—Pipoca? Estou aqui numa agonia e vem você me oferecer pipoca?
—Meu bem, está dando mais atenção para esse sapo do que pra mim.
—Epa! Pare com isso, menina. Posso fazer uma pergunta de brincadeira?
Sabia que a Santa protetora dos virgens está num marasmo, sem nada pra fazer?
—Olhe, em primeiro lugar eu sou de "Balança" e ele é "Leão"...
—Então, ó leão, vai balançando a balança que...
—Agora é você que está dando muita trela para esse sapo!
—Não me enrole, e responda: por que eu não tenho o direito de procurar um sapo só de prazer, sem amor? E guardar o amor só pra você? Responda! Quero ver você responder.
—Por que eu estou querendo fazer amor com você, diariamente, porque eu a quero e a desejo, além de amá-la. Se eu não me importasse com você, se não a procurasse,  se eu não a quisesse, você teria esse direito. Mas no caso, não. E eu também, se você faz amor comigo, eu perco totalmente esse direito. Se me procurar para o amor, perco esse direito. Mas é claro que isso é só teoria, é só divagação, é só um modo de pensar, pois na prática nem eu nem você temos esse direito. Eu sei que tenho que ficar esperando, esperando, esperando, esperando, esperando...
—Sapo, você é ferrenho.
—Escute aqui, ó meu! Não se deve meter o bedelho nas conversas alheias.
—Meu bem, promete que não irá perder o interesse em mim?
—Agora ela vai...
—Sapo, você está arrumando confusão pro seu lado!
—Um dia faremos amor, meu bem. É só questão de tempo. Deve saber esperar. Pode esperar?
—Vou perguntar ao meu desejo.
—Sapo, você ouviu? Ele só pensa em fazer amor, só fala nisso...
—Não me ponha nesse diálogo surreal. Um sapo ridículo só quer ler o seu jornal. em paz.
—E então, meu bem, vamos?
—Não sou fonte de saciar os seus desejos...
—Então, onde está a minha fonte? Além do mais, ninguém sacia o desejo de ninguém, o desejo que se sacia quando os dois estão. O desejo é a inesgotável fonte da vida. Nós somos filhos do desejo.
—Agora foi fundo. Quer dizer, não foi...
—Não, ele vai apanhar, ele vai apanhar.
—Calma, meu bem, ele é só um sapo bobão.
—Vamos?
—Ela não sabe conjugar esse verbo!
—Vá se danar, sapo!
—Eu não sou um objeto sexual! Meu bem.
—Ainda bem, se fosse, eu ficaria muito decepcionado ao saber que fiz amor com um objeto em vez de ser com a sapa que eu amo.
—Sapa, o que você está esperando?
—Você não tem esse direito de se meter. Meu bem, agora quem quer embora daqui sou eu. Esse sapo está me incomodando.
—Pois vamos os dois. Tchau! Bobão...
—Meu bem, deixe pra lá. Ele nem merece essa ofensa.
—Bobão, eu? Nunca vi uma sapa tão bobona, e além do mais, o que está incomodando é essa indecisão dela. —Resmunga o Rospo, desconsolado com o desfecho. Mas vamos continuar acompanhando o casal.
—Leve-me para casa, tenho que assistir à novela.
—Pensando bem, não vamos acompanhar casal nenhum, vamos acompanhar o Rospo e a Sapabela.
—Sapabela? Narrador, você me fez lembrar. Tenho um sorvete com ela!
—Só?
—Pare com isso! Ela é minha amiga.
—Compreendemos.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 680

Marciano Vasques

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