quarta-feira, 19 de outubro de 2011

NO VILAREJO

Lá ia ela. Escapulia pela janela, deixava - me na vidraça aventurando - me ao peitoril num avental de sonhos, partidas e retornos. Quando a via descendo a rua de barro vermelho, saltando valetas esmiuçadas em meu pensamento de riachos anilados, indo ao armazém, e rente ao balcão luzindo a si mesma na alta prateleira de vinho, aplaudindo risos ciganos, almas portuguesas nos clarões do vilarejo...

As mulheres em seus varais, nos bolos caseiros aromatizando o translúcido frescor das tardes que luzidamente, como só podia, embeveciam corações de meninos, com canela e anis.
Quando a supunha e depois a recebia em mim com toda a sua força e querer, revigorando-se no azul metálico das libélulas das nodoadas águas que prendiam olhares pedintes de natação almejada, enquanto pés sem tamancos pisavam com meninice o argiloso chão que enfeitava correres.
Lá ia, pelas telhas encarvoadas das casas, hasteando alegrias nas gargalhadas dos operários que retornavam bêbados num ocaso de almas esbagaçadas. 
Quando a contemplava: o arame farpado que separava quintais, mas não meninos, as mal pintadas janelas,  paredes caiadas, e ao senti-la solta, no galope da ventania, lavando meus olhos  com a inocente poesia que tomaria forma nos  enamorados versos dos cadernos juvenis; ao vê-la assim, sem rédeas e donos, livre e radiante, sentia-me seguro, pois ela   ao mundo me conduzia.
Quando a via entrelaçada ao vilarejo a tal ponto que não distinguia onde era o seu começo nas copas das árvores que guardavam mistérios, só queria algo: correr. Meninos eram alados nas casas onde os adultos amassavam, trituravam, mastigavam a vida, em suor e fibra. 


Marciano Vasques

Um comentário:

  1. Muito bom deixar a imaginação escapulir pela janela!Belo texto,Marciano!Hoje o Rospo foi brincar lá no Recanto dos autores!Obrigada!Bjs,

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