terça-feira, 15 de novembro de 2011

O NAMORADO LOUCO

Desengonçada lá ia a Sapabela coraçãozada de "domingo", quando encontra, num simples acaso, que assim é feita a vida, o amigo Rospo.
—Que frio, companheiro!
—Não precisava tanta roupa!
—Fala sério, Rospo? Só tirei o decote, por causa do frio. O vestidinho não abandono jamais.
—Tem muita meia.
—Não me faça rir. Ou melhor, faça.
—Sapabela, deixando de lado essa cobertura toda, vamos falar do feriado?
—Se ficarmos falando muito, ele se vai, Rospo!
—Verdade! Mas se falarmos das coisas que nos movem, não estaremos desperdiçando o feriado. Já pensou: um dia inteiro só para falar de poesia?
—Boa ideia. Também, ir ao cinema, tomar um...
—Um...?
—Chocolate quente!
—Iupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Rospo? Pare de ser escandaloso! Estamos numa praça! Vão dizer que você é um namorado louco.
—Sapabela! Nem somos namorados! Somos amigos!
—O povo não pensa assim. Sabe como é a maioria dos sapos. Os que não podem adicionar poesia, filosofia, literatura, artes, e outras mais, adicionam o que cabe, que é fofoca. Daqui a pouco poderão dizer: aquele namorado é louco. E a sapa que nem combina direito as roupas também deve ser.
—Sapabela! Que maravilha os que podem ser namorados loucos.
—Do que está falando, Rospo?
—Namorado louco é aquele que ao buscar o pão, traz o sopro da manhã e sopra nos cabelos da bonitinha que ainda adormece, namorado louco é aquele que recolhe um pouco do sumo brilhante das estrelas para enfeitar o rosto da queridinha de luzes, ou faz polvilho com o pó de alguma estrela vagante da manhã,  namorado louco é aquele que rabisca no muro um verso para que ela se torne indecisa na hora de abrir o portão...
—Não entendi isso, Rospo!
—Indecisa entre ir trabalhar ou correr para os braços dele.
—Pensa que a vida é só feita de amor, Rospo? A vida não se resume nisso.
—Entendo bem o que diz em seu engano, Sapabela.
—Viva!
—Maluquinha, é?
—Viva!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
—Comporte-se, Sapabela!
—Esta fala é minha. Não vale se apropriar do roteiro do outro.
—Engraçadinha! O que significa esse Viva! tão exagerado?
—Faz tempo que não me enganava. Preciso comemorar.
—Não chateie. Está sim enganada. A vida é mesma só feita de amor. Veja: ainda se a sapa do namorado louco, por força das circunstâncias, tomar a decisão errada: ir trabalhar em vez de correr para os braços dele, mesmo assim, o trabalho dela deverá requerer amor, pois tudo se move a partir do amor. Esqueça a ideia dominante do amor romântico burguês e pense no amor em seu  universal sentido.
—Acatei, mas tem um detalhe: na maioria das vezes isso não é possível no trabalho. Bem sabe, quase todos são explorados.
—Mesmo assim, insisto, Sapabela: ela não precisa sentir amor pelo explorador. O amor deverá ser pelo que ela faz em seu trabalho. Se fizer sem amor não vale a pena e será sofrimento duplo, dupla invalidação da vida.
—Entendi, Rospo, é a mesma sua filosofia do "Aqui". Poderia estar na praia, mas está "Aqui", e aqui é o lugar onde deverá ser feliz. Mas isso não se aplica sempre, não é?
—Claro, ninguém deve gostar de uma gaiola. Mesmo um pássaro que canta, seu canto nada tem a ver com a desprezível gaiola.  Como alguém consegue dormir tendo um pássaro engaiolado em sua casa? Também um cão, o seu latido saudando o dono nada tem a ver com a corrente.
—Ele só está na corrente por ter aceitado ter dono...
—Pensa que foi fácil domesticar o lobo? Mas o Sapo sempre consegue em sua persistência de ter poder. Alguns sapos se realizam mais, tendo um cão na corrente, um pássaro engaiolado e uma mulher para maltratar em casa.
—Rospo, você está indo longe demais. Não estamos num tratado filosófico, nem algo parecido. Isso aqui é apenas uma conversa. E vamos logo pedir o nosso chocolate quente?
—Vamos? O meu quero com gotas de menta.
—Sempre buscando a suavidade na vida, Rospo?
—O que um sapo mais quer em seu rosto é a carícia da mão de uma mulher, uma sapa.
—O que tem isso a ver?
—Suavidade, Sapabela. Suavidade.
—Muito bem, meu caro. Mas...
—Sim, somos animais, eu sei. Porém podemos ser feras amorosas e suaves.
—Mas tem um momento em que prevalece a extenuante, ou melhor, a vigorosa força dos animais.
—Claro, Sapabela. É o nosso culto aos ancestrais de todos os tempos. Por isso o amor entre o sapo e a sapa será sempre um fascinante mistério.
—Tudo isso é grandiosamente belo, Rospo. Pena que a época seja de tanto desperdício.
—Quem tem firmeza de espírito, não se deixa contaminar pelo estilo vulgar que flutua no seio da nova época.
—No seio?
—É apenas uma expressão, Sapabela.
—Muito bem, mas queria dizer algo:
—Não demore tanto!
—Se eu fosse aquela sapa do portão...
—O que tem, Sapabela?
—Eu correria para os braços do meu namorado louco.
—Iupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii  !
—Outra vez?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 —701
Marciano Vasques

Um comentário:

  1. O Rospo é a suavidade na vida, colhendo estrelas, semeando o omor universal..A Sapabela sempre certa.
    Luz!
    Ana

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