terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A ESSÊNCIA DOS VALORES

Longe das mentes bloqueadas, lá vai o Rospo, cativando seu caminhar, na calçada onde a fragilidade rompe as fendas.  Apegado aos corações que, vagabundeando, e banhados de aflições e luares pedem uma pausa, um pensamento solitário, uma doçura, um átimo de ternura. Bem, lá vai ele, quando, por um esmero de acaso encontra a velha amiga:
—Sapabela!
—O Natal está chegando.
—Já andei procurando por ele.
—Encontrou?
—Nada, menina.
—Não viu nem um sinal do Natal, Rospo?
—Não! Só vi panetone, muito comércio, muitos sapos comprando presentes caros, e até sapo acreditando que só através de objetos se pode demonstrar amor e afeto.
—Entendi. Mas é bom receber presentes.
—Claro que sim, Sapabela. Mas é bom também receber abraço puro e verdadeiro.
—Recebeu abraço assim, neste ano, Rospo?
—Sim, até me equivoquei. Abraços puros andam tão em falta que supus que fosse amor.
—Todo abraço é uma demonstração de amor, Rospo. Amor que se apresenta em diversos graus. Amizade é um  desses graus.
—Está certa, Sapabela.
—Às vezes estou.
—Uma coisa reparei.
—Diga, meu querido.
—O ar está pleno de gratidão querendo se manifestar. Corações não carecem de ferrolhos, menos de cadeados.
—O que precisaria para que todos pudessem compreender isso? Uma canção no ar?
—Ajuda.
—Antiga?
—Tal coisa não existe. Conceitos tipo: antigo, moderno, são meras formalidades, objetificações do que não pode ser traduzido, só sentido. Uma canção pode nos abraçar em qualquer momento, não importa se é nova ou antiga, é apenas uma canção. Quando uma criança lê um poeminha, para ela o poema é como uma história. Nasceu fora do tempo. O Coelho da Beatrix Potter é para sempre, pois jamais pertenceu ao passado.
—Nossa!
—Sapabela, precisamos conhecer as coisas por si, pelo que elas essencialmente são.
—Entendo. Como o vaso sanitário, que pode vir cravejado de ouro, brilhantes, e ser reluzente, dourado, um luxo e uma riqueza ímpar. Pode ser tão valioso, sem precedentes no mercado. O vaso luxuoso, importado, rico, de riqueza material inconteste.
—E daí, Sapabela?
—Não tem o poder de mudar a natureza do excremento.
—Recolheu isso de algum acervo, não é?
—Sim, li uma trova, um poema profano, não me lembro, mas tem a ver com trovador, e guardei na memória o essencial.
—Compreendo. Devemos sempre nos orientar pelo que é puro em sua pureza transparente.
—Rospo, vale a pena viver em retidão hoje?
—Sapabela, mais do que antes. Retidão é a única alternativa. Isso não significa desprezar e não viver as alegrias da vida, nem tampouco viver fora do mundo, como pregam alguns.
—Está bem, está bem, Rospo, não precisa explicitar. Mas, acredita realmente que seja a única alternativa?
—Sim, viver em retidão é viver em conformidade, em parceria, em cumplicidade com a alegria. A jornada da felicidade está no seu próprio viver.
—Rospo, falando em compartilhar a alegria...Tem algum convite hoje?
—Tenho. Eu a convido para...
—Aceito! Deixe-me entrar que logo estarei de volta.
—Nem falei que era sorvete!
—Nem precisava. Era um convite. Aprendi que para certas coisas é impensável a lentidão.
—Com Sapabela não se discute. Promete voltar logo?
—Alguns minutos.
—Minutos de Sapa são diferentes.
—Mas sempre valem a pena.
—E quem discorda disso?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 738

Marciano Vasques


2 comentários:

  1. O melhor presente é a palavra, a palavra que é proferida do coração e encanta os sentires do próximo. Um abraço, mesmo que virtual tem uma força infindável.
    Amor, Paz, Luz, Amizade, é tudo o que lhe desejo, meu amigo, neste Natal, dia esse que se deve repetir sempre, durante o ano inteiro.

    Um forte abraço Marciano Vasques, muito obrigada por tudo o que me deu em palavras, acções e atenção este ano. Obrigada pela sua alma generosa existir e nos tocar.

    oa.s [cecilia]

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  2. Ser puro, viver em retidão, o grandioso caminho que todos temos que trilhar. Luz!
    Ana

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