terça-feira, 6 de dezembro de 2011

LEITURA E OUTRAS FELICIDADES

Sapabela em seu passeio vespertino quando encontra o querido amigo:
—Rospo! Que alegria!
—Meu coração também se alegra só de vê-la. Vamos de calçada?
—Já estou, não é? Só faltava companhia.
—Vestidinho azul bem claro. Coisa linda de ver e não se tirar.
—Não tirar? O que há com você, Rospo?
—Sapabela, nem deixou-me completar a frase. Eu estava dizendo: Não se tirar dos olhos, da vida.
—Meu vestidinho faz parte do lado bom da vida?
—Sim, ando com saudades, Sapabela, saudades de algumas coisas tão preciosas, como ler um livro, pausadamente. Como me fez bem os livros que li de alguns filósofos. E quando os li do lado de fora, sob as árvores, na praça de crianças de algodão doce e balões, e bolinhas de sabão transportando o arco-íris.
—Criança faz algazarra!
—Sapabela, devemos diariamente agradecer por essa algazarra. Não é por acaso que em nosso idioma algazarra rima com cigarra. Crianças representam o canto que anuncia o tempo que virá.
—Não entendi o que quis dizer quando se referiu a ler os filósofos do lado de fora.
—Ah, sim, do lado de fora dos muros acadêmicos.
—Entendi, trouxe o filósofo para o arejamento.
—Sim, é importante a academia, ninguém discute tal importância, mas ler um filósofo, viajar em seu pensamento, sem cobranças, é uma sensação que todos deveriam experimentar.
—A leitura vicia, não é?
—Vicia por ser extremamente prazerosa.  E com prazer não se discute, disse certo dia alguém.
—Essa é a questão central da vida: o prazer.
—Pois ele habita a casa da felicidade.
—Ou da ilusão.
—Pode ser, mas ele é o farol da vida. Ninguém quer a dor, todos buscam o prazer. Até nas coisas essenciais, básicas, o prazer está presente, como na alimentação.
—Claro, para se nutrir o corpo, melhor com prazer.
—E para se nutrir a alma,  redobrado prazer. Um livro na mão da criança, um "Tatiana Belinky" faz mais bem do que mil dizeres.
—Criança ralhada é criança feliz?
—Sapabela, você quer abocanhar o mundo! Vamos ao prazer. Veja só: o espírito do sapo se sofisticou, se lapidou a cada século, a cada ano, cada dia, cada hora, cada instante, cada átimo de segundo. Por isso a salada temperada, azeitada, por isso o bolo aromático, o sexo cada vez melhor, mais aperfeiçoado, mais gracioso, elegantemente selvagem...
—Rospo, vamos parar, vamos parar. E tem uma coisa: O que se anda vendo pela Internet não é exatamente isso.
—Anda fuçando no google, Sapabela?
—Sou uma sapa de expansão universal, mas não ando fuçando, e nem precisa. Todos sabem que a desvalorização, a banalização, a vulgarização...
 —Entendi. Mas voltando ao prazer. Fui um sapinho feliz.
—Infância sem traumas, Rospo?
—Não é bem assim, é que a felicidade de ter virado as páginas foi tão intensa que as sequelas dos traumas não tiveram a necessária força para impedir o sapo que eu viria a ser, em pensamento e alma.
—Tudo bem, Rospo, também fui muito feliz. Tive o privilégio de ler, e muito, quando sapinha. E sou eu que também vivo a ler os meus próprios pensamentos, e a ler o mundo que me rodeia. O livro, a leitura faz isso. Você se torna um leitor completo, um leitor da vida, do mundo.
—Por isso de vez em quando, Sapinha adorável...
—No que você está pensando?
—Sapabela, eu conheço essa frase.
—Rospo, se todos no mundo pudessem saber a felicidade que é a leitura...
—Por isso de vez em quando é bom ouvir as vozes que aguçam a memória, que enriquecem o espírito.
—Já sei, Ferreira Gullar, Paulo Freire, Augusto Boal...
—Sapabela, já sei o presente que darei a você nesse Natal. Um livro.
—Rospo! Que presente maior poderia haver para mim?
—Bem, bem...
—No que você está pensando?
—Sapabela, não faça, ou melhor, faça-me rir.
—Rospo, que tal aquele sorvete?
—Já estou lá.
—A vida é tão generosa. É um mar.
—É generosa sim.
—Que me olha? Fico encabulada.
—Generosa vida, sou pura gratidão. nada como  em meu olhar ter tido, o azul claro do seu vestido.
—Rospo, você é muito guloso de felicidade.



HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 720
Marciano Vasques

3 comentários:

  1. ESSA DUPLA SABE DAS COISAS! Tudo de bom em tudo e mais uma vez obrigado pelo espaço carinhoso para meu trabalho lá na palavra fiandeira! Um FELIZ NATAL e que em 2012 você sastifaça toda suas gula de felicidade!

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  2. Si queridos amigos, si tuvistéis una infancia feliz.
    Ahora sabeís apreciar los bellos cantos de la naturalea.
    Como el de la cigarra.
    Es un placer leeros.
    Beijos, Montserrat

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  3. Um leitor da vida e do mundo... É pura sabedoria!
    Luz
    Ana

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