terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NEM TÃO SIMPLES ASSIM

—Alô!
—Essa voz! Sapabela! Que alegria!
—Rospo, existe já o virtual empoeirado?
—Sim, Sapabela. É a memória que não foi inventada. As palavras, os dizeres que não sobreviveram. Aquilo que escorreu no ralo do esquecimento. Bem sabe: o que não vingou no coração, dançou. Aquilo que não fincou pra valer, perdeu a força e até se desbotou.
—Muito pó virtual?
—É como na vida, Sapabela. Não foi sincero ou não teve peso, sumiu numa fumaça, num nevoeiro...
—O nevoeiro do esquecimento, da falta de importância.
—Isso até me faz pensar: o que não tem sinceridade, o que for falsete, não sobrevive. Assim, só viver de acordo com a palavra resiste.
—Como seria "viver de acordo com a palavra"?
—Seria ser batizado pela poesia do mundo. Isso significa mais ou menos o seguinte: O feito fala, não carece de discurso. As palavras não podem substituir o feito, tampouco podem representar algo se não estiverem vinculadas ao verdadeiro, ao auténtico. Nesse aspecto. Falar por falar... O que mais vemos por aí é discurso.  Muitos sapos, e até poetas, —o que é mais triste—, que não conseguem abrir-se para uma expansão universal do coração. Isso tem aos montes.
—Está um pouco complicado.
—Fecham-se em grupos. São o reverso do girassol. O riacho da poesia, que lava os olhos, está disponibilizado para todos. Então, se o poeta não se abre para o outro, se não se expande, será apenas passageiro; o que permanece é o que é autêntico, e só é autêntico o que for sincero. Sinceridade é a mãe da vida em retidão.
—Um pouquinho complicado ainda.
—Só os verdadeiros, os sinceros, os puros e os que se expandem, não apenas em palavras, mas em feitos, só esses não representarão com o tempo o pó virtual.
—Rospo. E quando o discurso se torna uma mentira, algo falsete, apenas para satisfazer o ego de alguém?
—O feito fala, insisto nisso, Sapabela. A palavra não contradiz jamais a sinceridade. Quando isso ocorre, é por que o falsete clama para ser desmascarado.
—Rospo! Isso não existe! O falsete jamais irá querer ser descoberto, pois se alimenta de sombras, de névoas. Se for descoberto perderá o sentido.
—Essa é a sua destinação, Sapabela. Poder durar durante um bom tempo. Ser uma mentira, ser a forma de alguém ocultar o que de fato é, ou não é, mas só durará um tempo.
—Rospo, verdade que nada é para sempre?
—Sapabela. Se esse "Para Sempre" estiver inserido na cultura que engendrou os contos de fadas, então, discordo profundamente.
—Sim?
—Algumas coisas são sim "Para Sempre", mas, acredite, só o será aquilo que for genuino, autêntico.
—Só a autenticidade interessa a você, meu amigo?
—A vida não pode ser desperdiçada, Sapabela. O que não for autêntico, com o tempo, pulveriza-se. Simples, não é?
—Assino embaixo, mas discordo quando diz: Simples, pois considerei um pouco complicado.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 739
Marciano Vasques

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