quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A PORTEIRA DO SAPO

Não para matar a saudade, mas para adoçá-la, Sapabela se ofertou a um passeio de simplicidade. Foi ao Brás. De trem, que o tempo passa mas é bom quando o faz de trem. Ainda na plataforma já ouviu umas conversas que despertaram a sua curiosidade. Diziam sobre uma nova porteira no Brás.
Nas escadarias da Roosevelt a linda sapinha se aproximou dos círculos de sapos, que isso sempre foi um gosto dela para pescar novidades.
—Tem um sapo erguendo uma porteira.
—Que diacho de porteira é essa, compadre? Ferrovia na capital já caducou essa parte de porteira.
—Sei não. Ele diz que é a porteira do Ano Novo.
—Porteira de Ano Novo? Que negócio é esse, mulher?

E a Sapabela, só ouvindo. Na dela, fingindo que estava assoviando.

—Dizem que o sujeito é maluco. Está falando que a porteira é para filtrar, para deixar passar só o que é bom e vale a pena para o novo ano que está chegando.
Ao ouvir tal coisa, Sapabela estremece:
—“Só conheço um sapo assim!...”
—Como se chama esse cabra? —Perguntou um sapo nordestino que montava uma banca de camisetas.
—Sei lá, um nome esquisito: Rospo.

—Rospo? —Num segundo a Sapa desaparece da aglomeração de conversas.

—Rospo! Que surpresa!
—Sapabela! O que a trouxe aqui?
—Vim passear no Brás e por acaso o vi. Que está fazendo, meu nego?
—Uma porteira.
—Dá para ver, mas, para que essa coisa, Rospo?
—Por essa porteira irão passar só as virtudes, a alegria, as amizades sinceras, as vidas que seguem em retidão, os amantes da poesia, os enamorados enluarados...
—Tô nessa!
—Sapabela, veja que céu azul! A claridade, a  limpidez varrida, a suavidade cósmica. Tudo isso é o esplendor da simplicidade que só os corações plenamente puros, mesmo em nossos dias, podem  merecidamente contemplar. Esforço-me tanto para isso.
—Rospo, o dia está transparente de vitrais, mas, diga-me: irá deixar essa porteira aí, no meio do caminho?
—Ela é simbólica, Sapabela. Ficará aqui apenas para impedir a passagem da falsidade, da arrogância, dos temores infundados, das violências, das intrigas, da...
—Eu sei, meu querido. Todo o entulho que atravancou o ano que está findando. Sabe, Rospo, já amo a sua porteira. Mas, que tal parar um pouquinho de trabalhar e...
—Sorvete!
—Como descobriu?
—Sapabela, né!
—Rospo, eu o convido....
—Yupiiiii!
—Não grite, seu maluco! Veja quantos sapos olhando para a sua porteira. Se eu fosse uma fada, uma feiticeira.
—O que faria meu bem?
—Dava um dom para a sua porteira: só passaria por ela quem tivesse o coração puro e sincero. Mas chega de conversa e vamos ao sorvete.
—Viva!
—O que foi, Rospo?
—2012 já começou!


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 —742
Marciano Vasques




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